Tenho certeza absoluta (e vou explicar isso mais adiante) que há talentos na imprensa diária regional, mas, por razões diversas, não alcanço um nome além de Ademir Medici que dispensa apresentações. O que quero dizer de cara é que o jornalismo regional sofre tão duramente nestes tempos sombrios (se os grandes veículos respiram quase que por aparelhos, o que esperar de uma região empobrecida e sem identidade como motor de financiamento de publicações?) que não há esperança de preencher o vácuo dos 16 pontos que listei ainda outro dia como condições para aceitar eventuais interessados em se tornarem sócios de um projeto para estender esta publicação à plataforma impressa.
Pergunto: nenhum desses profissionais se encontra disponível na praça? É mais provável que não tenham a especialidade necessária. E especialidade não é algo que se constrói sem planejamento corporativo na área de redação. A grande exceção é Ademir Medici com o resgate diário de gente que ajudou a construir a história da região. O que distancia Ademir Medici de potenciais jovens talentos é que o veterano se autogoverna nas relações com seu público-alvo, porque experiente, determinado e competente.
Mas Ademir Medici também estaria muito à frente deles mesmo que se voltasse no tempo e em igualdade de condições etárias. É a especialidade que faz a diferença. Ademir Medici é muito bom no que faz faz tempo, porque foi essa a estrada de sabedoria que escolheu. Os jovens talentos naturalmente não têm respaldo à auto governabilidade e tampouco contam com apetrechos metodológicos nas redações para somarem produtividade a cada dia.
Resultado do dia a dia
Produtividade a cada dia é o caminho probatório de que o ambiente numa redação espanca a burocracia e o academicismo das escolas de jornalismo. Referenciais de um novo modelo de trabalho são o todo a contribuir com o individual.
Para que não me entendam mal, reproduzo a lista dos 16 pontos à prática de um jornalismo de que a sociedade não deveria abrir mão jamais e que as redações deveriam ter como mantras. Esses seriam pontos cardeais de projeto editorial que pretenda honrar a camisa do jornalismo regional.
Não se trata de nada inalcançável. Preenchemos todos esses pontos durante quase duas décadas de LivreMercado, revista que contava com uma equipe de poucas baixas ao longo dos anos. Estamos fazendo o possível e o impossível para manter o projeto nos últimos nove anos. Eis os 16 pontos e a situação em que se encontram exatamente porque faltam especialistas nas áreas:
Os 16 pontos indispensáveis
Olhar permanente aos desvalidos, principalmente agentes sociais que atuam nas periferias do Grande ABC. As chamadas Madres Terezas e Freis Galvão.
Meus comentários: Ademir Medici entra nessa e o faz com brilhantismo de quem carrega sensibilidade à flor da pele.
Desprezo absoluto ao colunismo social de celebridades, uma fonte eterna de badulaques egocêntricos.
Meus comentários: é o que mais cultivamos na região. Não há publicação que não se entregue às festanças em geral. O colunismo social, de olho nos acontecimentos políticos e econômicos, marca da Folha de S. Paulo e também do Estadão, não resistiria aos poderosos de plantão. Os mandachuvas e mandachuvinhas sequestraram as redações.
Construção de biografias de gente que faz o Grande ABC principalmente longe das manchetes sempre seletivas, protecionistas e compensatórias.
Meus comentários: Raramente se vê algo nesse sentido. O Diário do Grande ABC escolheu 60 personalidades para comemorar os 60 anos de circulação e o que tivemos, em grande escala, foi um desfile de homenageados que raramente ocupam espaços expressivos na própria publicação. Inclusive uma invasora de propriedade privada.
Tratamento responsável à infraestrutura social do Grande ABC.
Meus comentários: O noticiário que dá conta das vicissitudes cotidianas é bastante deficitário entre outras razões porque exige mais profissionais nas ruas. E isso custa caro. Exatamente o nó górdio de um jornalismo mais presencial. O Diário do Grande ABC faz esforço louvável nesse sentido, mas está muito aquém da demanda. Até porque a qualidade dos textos não atente a requisitos mais apurados. As abordagens são pouco críticas. Um exemplo: o condomínio de apartamentos e escritórios Domo, no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, jamais mereceu uma matéria analítica. Ali está um dos agudos problemas logísticos da região. Ali se construíram além da conta do que seria possível imaginar. Coisa de empreiteiros imobiliários irresponsáveis.
Produção de reportagens e análises que desvendem e ajudem a solucionar problemas crônicos da sociedade.
Meus comentários: Em todas as áreas, sociais, econômicas, culturais, em todas, há deficiência generalizada. É raro os leitores contarem com informações mais robustas, mais densas, menos declaratórias de interessados em dourar a pílula. Interesses cruzados bloqueiam qualquer tentativa nesse sentido.
Desbaratamento completo de falsas mensagens que procuram vender a economia do Grande ABC pela ótica do triunfalismo.
Meus comentários: Esse é um ponto que envergonha quem tem compromisso com a realidade. O desempenho das publicações traveste-se de tapete às imperiosidades dos poderosos de plantão.
Comedimento e equilíbrio nas questões que envolvem capital e trabalho.
Meus comentários: Além de ultrapassar todos os limites de protecionismo aos sindicalistas, o jornalismo da região cultiva o péssimo vício de acreditar que há harmonia nas relações entre capital e trabalho. Jamais foram a campo para, com isenção, observar com funcionam os comitês de fabricas legados pelo então sindicalista Luiz Marinho. Uma dica: ouçam os empresários sem identificá-los. Eles tremem de medo diante da possibilidade de retaliações.
Desenvolvimento de estudos e análises econômicas que deem suporte a políticas públicas e privadas.
Meus comentários: As informações repassadas pelos veículos de comunicação da região são uma festa para quem quer mentir o tempo todo, quando não praticar meias verdades. Não existe filtro para desmascaramentos. O que os entrevistados afirmam com vieses variados são leis. Eles deitam e rolam.
Avaliação criteriosa de anúncios de investimentos de forma a não ser levado pela onda de interesses nem sempre claros.
Meus comentários: Ultimamente quem tem mais se dedicado a enganar o distinto público com informações manquitolas é o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando. Não existe contraposição alguma, embora seja ele, Morando, quase analfabeto em matéria de economia regional. Se existe uma área na Administração de São Bernardo da qual não se pode esperar absolutamente nada, exceto a prática de guerra fiscal, é a de Desenvolvimento Econômico.
Análise crítica de investimentos públicos e suas consequências no tecido social e econômico da região. Sem salvacionismos do tipo trecho sul do Rodoanel.
Meus comentários: Também nesse ponto há raríssimos questionamentos. Dá-se à versão oficial a aura de verdade inquestionável. Não existe política editorial de aferição de dados. Não se explica o contexto de cada nova obra retomada ou a ser iniciada. Não existe cruzamento de dados que expliquem a importância dos investimentos. Um exemplo: que vantagem maria levará com a construção de viadutos na Avenida dos Estados, como a Prefeitura anuncia, embora não tenha dinheiro para isso? Será que a logística terá ganhos tão expressivos assim que compensariam o endividamento? Isso e muito mais jamais viraram pauta jornalística. Eu tenho algumas respostas, as quais não são agradáveis.
Reconstrução de um processo de coletivismo que tenha nas entidades empresariais e sindicais agentes de modernização das relações com a sociedade como um todo.
Meus comentários: As entidades econômicas, sindicais e sociais deitam e rolam nas páginas impressas e digitais das publicações locais. Não existem contrapontos jornalísticos. Há improdutividade latente no conjunto de organizações coletivas, mas seus dirigentes permanecem intocáveis.
Menos protagonismo de siglas partidárias e prioridade total a uma agenda que valorize tanto as atividades econômicas quanto sociais e institucionais.
Meus comentários: O noticiário político, na maioria das vezes, está deslocado no tempo e no espaço. Lembram os textos dos anos 1950. A linguagem está superada, a abordagem é cronicamente pobre e o contexto é desesperadoramente esquecido. E há espaços jornalísticos demais para essa gente que pouco faz, sobretudo nos legislativos. Basta comparar o noticiário político abundante com a escassez da cobertura da economia regional.
Análises eleitorais baseadas em ferramentas estatísticas confiáveis, entre outros elementos.
Meus comentários: As pesquisas eleitorais são um campo fértil a manipulações múltiplas. Não existe o que chamaria de análises dos dados. Faz-se esforço para reproduzir obviedades. Interpretam-se dolorosamente os dados.
Fuga da rede de intrigas que trabalhe com subjetividades.
Meus comentários: Isso quer dizer que o noticiário é permeado de espertezas de fontes de informações interesseiras. Essas fontes são ardilosamente preparadas para atuar sempre no sentido de procurar desviar o foco de atenção de casos relevantes e desconfortáveis. Exemplo? Um secretário municipal metido em encrenca grossa sai facilmente do destaque do noticiário quando os marqueteiros dos paços municipais entram em ação com alguma coisa que parece importante, mas não passa de cortina de fumaça programada para ludibriar. Quantos assuntos são esquecidos em nome de determinadas articulações político-editoriais?
Enquadramento de informações estatísticas que deem sustentação a análises fora da órbita do governo de plantão.
Meus comentários: Também nesse caso as publicações que enveredam por alguma informação mais substanciosa acabam nas mãos de agentes públicos, principalmente, que usam de trapaças semânticas e de subjetividades para protegerem aliados jamais revelados. A partidarização, quando não a ideologização estatística surge permanentemente na imprensa regional.
Prioridade total a tudo que se referir à regionalidade do Grande ABC, sem deixar-se cair na rede de grandiloquências que já se provaram frágeis.
Meus comentários: A maioria das publicações locais mantém noticiário de cunho municipalista. Regionalidade só aparece quando hão há saída. E mesmo assim de maneira bastante carente, sem profundidade. Sem lastro. Sem continuidade. Sem uma porção de condimentos. Serve-se um prato frio e sem graça.
Explicando a escassez
Para completar: duvido que não exista um grupo de jovens talentosos nas redações das publicações locais, sobretudo no Diário do Grande ABC, maior empregador na praça. Duvido muito. Então, por que não brilham? Porque individualidades sem especialização contínua e que respiram ambientes sem organização tática se perdem nas armadilhas do cotidiano de demandas de terceiros que tornam as redações um campo propício ao descarte de pautas importantes.
Na apresentação de um de meus livros (“Na Cova dos Leões”), com reuniu artigos que publiquei no Diário do Grande ABC quando estive ali pela segunda vez, entre 2004 e 2005, escrevi que o jornalismo diário emburrece e embrutece. Nada segue tão atual.
Preocupação antiga
Sei que em muitas situações de abordagem sobre a qualidade do jornalismo na região, notadamente do Diário do Grande ABC, não faltarão detratores sem humildade e sem compromisso para retrucarem com aleivosias. Contra esse, e a favor do jornalismo, nada melhor que a história de um profissional que bate na tecla de melhoria de qualificação desde sempre. Veja um trecho, apenas um trecho, de um dos tópicos do Planejamento Editorial Estratégico que deixei de legado ao Diário do Grande ABC em 2004, antes de assumir o cargo de Diretor de Redação, no qual permaneci durante 11 meses e saí por conta de questões que prefiro não explicitar. Leiam:
É uma jornada longa, complexa, trabalhosa, mas precisa ser iniciada o quanto antes. Estamos nos referindo à constituição de quadros profissionais de redação que serão especialistas nas mais diferentes matérias. O jornalismo mais contemporâneo exige que os profissionais conheçam tanto as técnicas de interlocução com os leitores como uma bateria de questões específicas relatadas pelas fontes de informação. Não podemos ser simples repositórios de declarações. Tratamos dessa questão, com profundidade, no livro “Meias Verdades”. É epidêmico o grau de manipulação de informações. Principalmente nos jornais diários, formulados pela mesmice de reproduzir declarações acriticamente. Não se trata de obstar esse caminho necessariamente pela estrada da opinião, mas pela avenida da interpretação e, principalmente, por um feixe de dados de valor agregado. Aos leitores não se pode atribuir o rótulo de ignorantes. Costumamos dizer que nos compete como profissionais de comunicação muito mais que servir o almoço de informações — temos de digeri-las, metabolizá-las, facilitando o entendimento do leitor.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)