Costumo dizer que nada é mais profilático que a liberdade de expressão (que estendo a um patamar mais elevado, de liberdade de argumentação) para estabelecer reputações. O jornalista Reinaldo Azevedo faz parte de uma fauna suicida, felizmente restrita a poucos gatos pingados à direita e à esquerda do espectro político. Ele criminaliza diariamente os operadores da Lava Jato e santifica a classe política.
O artigo que editou ontem em seu blog é mais um passo de uma decadência inacreditável, após surgir como espécie de referência ao associar o que parecia ser lucidez analítica e solidez cultural. Aos poucos, entretanto, por defender bandidos sociais, Reinaldo Azevedo tornou-se objeto de desprezo. Acompanhar seus textos é imperativo jornalístico para matar a curiosidade de tentar projetar até quando ele seguirá nessa saga patética.
Reinaldo Azevedo não passa de um panfletário. O pior dos panfletários, por sinal. De extremista de esquerda nos tempos de juventude a extremista de direita na fase já adulta, aperfeiçoou o processo com carradas de ressentimento. Mas se auto define como liberal. A psicologia explica. Temos, no caso, sintomatologia de meretriz arrependida.
Logo abaixo desta abertura de matéria (que produzi nesta sexta-feira, enquanto o que se segue foi redigido ontem), realizo o que chamaria de um debate virtual. Não é a primeira vez que o faço. Nem a última. Reproduzo o artigo de Reinaldo Azevedo intercaladamente com minhas intervenções.
O tropeço-chave de Reinaldo Azevedo, inapelavelmente indefensável, é o fato de cair na armadilha que ele próprio preparou: reparem que ele faz da classe política que está aí o bastião da salvação nacional. Entretanto, numa corrida de maluco para salvar a honra do governo Michel Temer, Reinaldo Azevedo bate duramente em quem? Exatamente nos agentes políticos que, como afirmo em seguida, o decano do Supremo Tribunal Federal chama de agentes criminosos – e, portanto, sem relação conceitual com democracia.
Editoriais providenciais
A propósito da lambança intelectual de Reinaldo Azevedo (jornalista que utiliza erudição cultural para esconder patetices argumentativas), lanço mão de trechos emblemáticos de três editoriais de jornais de hoje sobre a greve dos caminhoneiros. Os materiais corroboram o estágio avançadíssimo de incompetência e tudo o mais dos agentes criminosos travestidos de políticos. Já Reinaldo Azevedo prefere atacar federais que apenas iniciaram a quebra da corrente de corrupção que infesta o País desde a redemocratização fajuta. Vamos aos três trechos dos editoriais:
Valor Econômico: “O ônus não é apenas do Executivo. O Congresso foge de suas responsabilidades e durante crises é mais omisso ainda. O presidente da Câmara e presidenciável Rodrigo Maia tentou mal ou bem arrumar saída para a crise. Eunício Oliveira, presidente do Senado, se ausentou da Casa par participar de rapapé eleitoral no Ceará, onde se aliou ao PT. Há lógica nesse hospício eleitoral: o Brasil não entrega ao MDB a Presidência desde Sarney, e Temer foi a breve exceção que confirma a regra.
Estadão: “Vê-se, assim, mais uma vez, a mistificação triunfar sobre a razão. Ficou claro que, quando a situação aperta, o País carece de líderes políticos capazes de enxergar além do estreito horizonte das eleições e de impedir que grupelhos submetam todo o País às suas vontades”.
Folha de S. Paulo: “Cabe à política, sem dúvida, arbitrar conflitos do gênero. Diante da pequenez mostrada até aqui por governantes e legisladores, porém, deve-se temer que essa e outras demandas acabem em regra decididas em favor de quem pode mais”.
Agora o debate virtual
Reinaldo Azevedo -- Os três dias de greve dos caminhoneiros evidenciaram o que acontece num país em que a chamada classe política está destruída. Articulistas das mais diversas tendências — do petista que acha ser tudo culpa de Michel Temer ao anarquista estilístico, que é contra tudo porque acha ser essa a sua profissão — viveram momentos de festa, como se o caos provocado por uma categoria estivesse a indicar a fraqueza deste ou daquele em particular. Não! Sem qualquer exagero, o que sai ainda mais fragilizado desse processo é a própria democracia. Até porque é visível que o presidente e seu entorno são o que resta de bombeiros no país. Todos os outros gostam de riscar fósforos e de acender isqueiros perto do tanque de gasolina da falta de combustível.
Daniel Lima – Dizer que “o presidente e seu entorno são o que resta de bombeiros no pais” é o fim da picada”. É a tentativa mais deslavada de tentar subestimar a realidade histórica dos fatos que coloca tanto quem está no poder quanto quem saiu recentemente da panela de cobre sob fogo intenso. Atribuir cotidianamente com a maior cara de pau que a força-tarefa está na raiz da crise política nacional é a síntese da estupidez de alguém que não tem compromisso com a Nação como formador de opinião. Desfralda-se indignação em defesa de pecadilhos jurídicos. Degola-se a essência nacional de nova ordem ética e moral. Como disse ainda outro dia o decano ministro do Superior Tribunal de Justiça, Celso de Mello, pobres são aqueles que confundem agentes criminosos com agentes públicos. É disso que se trata a “democracia” reivindicada por Reinaldo Azevedo.
Reinaldo Azevedo -- Existem picaretas políticos em festa. “Ah, o governo teve de ceder; o governo beijou a lona”. É mesmo? E isso é efetivamente bom para quem? Fiquemos em dois aspectos do problema, emblemáticos não do Brasil do presente, mas do que vem pela frente.
Daniel Lima – O governo teve de ceder e teve mesmo de beijar a lona porque, em mais uma situação em que o contraditório se apresenta, não teve capacidade de gestão para superar o problema. Nada surpreendente para quem, no conluio principalmente com petistas e tucanos ao longo da democratização, só entendia a linguagem do cooptação. Da qual ainda goza em certos redutos. Inclusive na Imprensa.
Reinaldo Azevedo -- Vamos ao primeiro. Pedro Parente, presidente da Petrobras, anunciou que, por 15 dias, haverá uma redução de 10% do preço do diesel, e isso significa que R$ 350 milhões deixarão de entrar nos cofres da empresa. Aqui e ali, leio, em tom de censura, que a direção está cedendo à chantagem, sugerindo que sua adesão à correta política de flutuação de preços, segundo a cotação internacional do petróleo, então não era para valer. O impressionante e que se empresta um tom crítico à decisão de Parente como se a sua escolha tivesse sido antes elogiada.
Daniel Lima – Embora esse trecho do texto de Reinaldo Azevedo esteja confuso, o fato é que uma coisa não tem nada a ver com outra. A flutuação de preços de acordo com o balanço do navio do petróleo internacional tem encaixe perfeito à recuperação da Petrobrás, mas a inobservância do contexto da carga tributária no Brasil, em contraste com o que de lá fora, deve sim ser considerado. Tanto o é que o presidente da Petrobras deixou claro na entrevista coletiva de anteontem: ele espera que os governos estaduais também reduzam o custo fiscal dos combustíveis.
Reinaldo Azevedo -- E não foi. Afinal, reconhecer que o presidente da Petrobras a recuperou dos escombros a que foi relegada por Dilma corresponderia a admitir ao menos uma miserável coisinha positiva no governo Temer. E, como se sabe, com raríssimas exceções, parece ser moralmente proibido afirmar que esse governo fez ao menos uma escolha correta — já que não se quer admitir o conjunto dos acertos.
Daniel Lima – É nesse ponto que Reinaldo Azevedo cai do cavalo da contradição, que também o coloca no fogaréu da panela de cobre. Como? Ao atribuir as lambanças da Petrobras ao governo Dilma Rousseff, acerta em cheio (até porque seria burrice errar), mas omite que Michel Temer integrava o condomínio de ladrões que assaltou o País, segundo definição mais amena da força-tarefa da Lava Jato. E que a recuperação pós-Dilma se deve à s extrema dependência política do atual governo. São medidas radicais que contradizem os peemedebistas como principais integrantes da linha auxiliar dos governos que ocuparam Brasília e tudo o mais desde a redemocratização. Ou seja: uma contínua prova de desvarios da classe política ordinária que fundou modalidades sistêmicas de assalto ao povo brasileiro. E que a Lava Jato procura botar no devido lugar.
Reinaldo Azevedo -- O segundo aspecto que se destaca na crise é oportunismo asqueroso de uma figura da política que revela um comportamento crescentemente tóxico. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que finge ser candidato à Presidência da República, era a peça inicialmente escolhida pelo Alto Comando do Golpe contra Temer nas duas iniciativas lideradas por Rodrigo Janot para derrubar o presidente. Quando percebeu que não conseguiria reunir o número necessário de votos para aprovar o afastamento de Temer, então ele brincou de ser o principal fiador da rejeição às denúncias.
Daniel Lima – Mais uma vez a incoerência de Reinaldo Azevedo tornar-se coerente com tradição da classe política brasileira: o citado presidente da Câmara Federal não é profissional de uma clínica ortopedia, de um armazém de secos e molhados, de um restaurante ou de qualquer estabelecimento econômico: é político de carreira. Como todos aqueles (por enquanto) que a Lava Jato enlaçou.
Reinaldo Azevedo -- O pior mistificador é o que acredita na própria mentira. A partir de então, autoproclamou-se vice-rei do Brasil. O governo enviou a Medida Provisória de reoneração da Folha em março do ano passado, o que daria alguma folga fiscal. Foi sabotada por Maia. O texto foi retirado e, em seu lugar, apresentado um projeto de lei. O presidente da Câmara, na sua ânsia por protagonismo e atendendo a pressões de sua clientela, sentou sobre o texto. Agora, com a crise dos combustíveis, o dito “liberal” Rodrigo Maia critica, ainda que de modo enviesado, a correta política de preços da Petrobras, comanda a aprovação pela metade da reoneração — para 28 dos 56 setores — e aprova o corte do PIS-Cofins para combustíveis, chamando para si o suposto mérito da medida.
Daniel Lima – Mais uma vez, em nova tentativa de preservar a grandeza da gestão de Michel Temer, como dirigente à parte do esclerosamento da classe política, Reinaldo Azevedo entrega a rapadura e, com isso, a contragosto, se tiver sensibilização à reflexão, faz justiça às ações dos operadores criminais de Curitiba e outros endereços igualmente dedicados a bandidagem no País.
Reinaldo Azevedo -- Vale dizer: em vez de atuar para amainar a crise, Maia, na verdade, age para desgastar ainda mais o governo, como se isso pudesse lhe trazer algum benefício que não o psicológico — psicopatológico, eu ousaria dizer. Uma coisa é certa. Perdem com a crise o Brasil, os brasileiros e a Petrobras. Melhor para oportunistas e pistoleiros.
Daniel Lima – Preservar o governo Temer, herdeiro legítimo de tantos governos corruptos que passaram pelo País, tem sentido patético, porque totalmente em desacordo com fatos políticos que estão na raiz da greve, contaminando a gestão pública. Por mais que se admita e se respeite a máxima de que a democracia é o pior dos regimes, exceto os demais, no caso dos políticos brasileiros, em larga proporção, o que temos mesmo para o café, o almoço e o jantar de cada dia é a sentença do decano do STF. O resto é malandragem jornalística rebuscada.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)