Sei que tenho uma dívida com os leitores. A dívida de estabelecer valores aos 60 Destaques do Diário do Grande ABC, eleitos em comemoração às seis décadas da publicação mais tradicional da região. Prometi após a primeira leva de avaliação, de 17 personalidades, que iria continuar o trabalho. Desisti. E o fiz por uma única razão: surgiram nomes incompatíveis com o sentido de brilhantismo histórico que a relação pressupunha. Claro que pressupunha na minha cabeça, porque os responsáveis pela iniciativa jamais levaram ao público o conceito que os mobilizou. E, também, quem participou da operação.
É impossível não correlacionar a Lista dos 60 do Diário do Grande ABC com o Prêmio Desempenho que criei e dirigi durante 15 anos, com a entrega de 1.718 troféus a partir de 1994. Entre as fortalezas de seriedade e idoneidade da premiação, contamos com auditoria independente para analisar todas as planilhas de notas.
Mais que isso: cada conselheiro editorial, sobre o qual pesava a responsabilidade de apontar os candidatos e também os melhores de cada temporada, era também um vigilante auditor independente. O sistema criado possibilitava a aferição não só das notas que cada conselheiro atribuiu aos concorrentes, mas também a visualização das demais. Tomamos todos os cuidados possíveis porque a cultura regional de premiar os amigos próximos redundou na desqualificação dos eventos.
Referencial exigente
Chegamos a contar com duas centenas e meia de conselheiros. Um número nada extravagante diante dos mais de oito mil que engrossam a relação de jurados do Oscar nestes novos tempos de transparência e diversidade.
Além de nomes óbvios que jamais poderiam estar ausentes de qualquer lista desta região (Ademir Medici, Maria Tereza Ligeirinha e tantos outros), fomos surpreendidos com a inclusão de gente sem lastro municipal ou regional.
Sem preconceito algum, mas jogando limpo, foi demais ver contemplada uma liderança metida em invasão de propriedades privadas. Por mais que seja este jornalista alguém preocupadíssimo com a desigualdade social (até porque vivo na pele familiar essa loucura brasileira que prova o quanto os políticos são incompetentes na gestão das três esferas de poder), não tem cabimento ético tamanha escorregadela. Sobretudo quando na mesma leva de premiados constava um promotor criminal de Santo André.
Companhias valorizam
A propósito de premiação, não é a primeira vez que escrevo, mas não custa repetir: um determinado título vale mais ou tem valor irrebatível quando dividido por gente igualmente qualificada. Quando avacalham com determinados eleitos, por razões que jamais nos convencerão, tudo vira uma maçaroca.
Esse conceito de desequilíbrio, que justifica minha desistência da Lista do Diário do Grande ABC, perderia sentido se houvesse tido preocupação com a transparência da metodologia aplicada e, sobretudo, com o colégio eleitoral.
No Prêmio Desempenho, que se dividia em várias categorias e reservava espaços a individualidades (Prêmio Desempenho Cultural, Prêmio Desempenho Social, Prêmio Desempenho Esportivo, Empreendedores Históricos, entre outros), o resultado final decorria de colégio eleitoral que representava a sociedade. Pelo menos a sociedade formadora de opinião. Ainda outro dia os leitores de CapitalSocial que recebem nossas edições por aplicativo puderam constatar fotos e legendas dos integrantes do Conselho Editorial.
Alguns nomes eleitos foram consagrados ao longo dos anos sem que, se consultado, teriam sido aprovados por mim. Não mandava nada naquele evento que criei e conduzi. Meus limites estavam delimitados, no campo de escolhas, pelo Conselho Editorial. Mas, posso garantir, em 90% das decisões colegiadas não teria feito um reparo qualquer. Tanto nas disputas individuais como nas corporativas.
Maior representatividade
Por essas e por tantas outras, não me cobrem a dívida da relação completa porque da mesma forma que me comprometi com a avaliação dos escolhidos, decidi desistir diante de algumas aberrações que, certamente, causaram constrangimentos a individualidades eleitas.
Também é inevitável que faça uma correlação entre os escolhidos de agora e os escolhidos dos anos dourados do Prêmio Desempenho. Sob qualquer circunstância, sempre terá mais representatividade o elenco do passado (muitos dos quais repetidos agora) porque, insisto, os eleitores eram identificados, qualificados e investigados em termos de preferência.
Tudo isso sem que se quebrasse o sigilo do voto. Criamos uma estrutura de transparência com preservação tácita da individualidade dos votantes. Tudo muito bem executado e cujas explicações aqui demandariam muito espaço. Em resumo: somente o coordenador geral daquela premiação, exatamente este jornalista, e o próprio conselheiro editorial, tinham conhecimento da individualidade das notas atribuídas.
Alguns nomes que não constaram da Lista do Diário foram de lascar. Tanto quanto, em impacto, a vários nomes que jamais poderiam constar da relação. E não se trata de subjetividade, de preferência pessoal, por assim dizer. O bom jornalismo não pode prescindir da liberdade de apreciar profissionais com os quais, eventualmente, não tenha simpatia pessoal.
Politicamente correto
Faz parte do jogo glorificar a obra e não gostar do autor. Da mesma forma que também é da natureza jornalística apreciar o autor e detestar a obra. Não realizamos concurso de miss e mister simpatia. No caso do Diário do Grande ABC, a impressão que se passou ao público faz parte de uma conjunção cultural que ajuda a explicar o Brasil destes tempos: o politicamente correto no sentido mais intenso da expressão imperou em determinadas escolhas (a senhora do MTST, por exemplo) como espécie de argamassa de um jornalismo de múltiplos agrados.
O confronto que raramente se vê nas páginas do jornal (confronto no sentido de desmontar velharias dogmáticas que mantêm a região refém de individualidades e grupelhos) foi reproduzido em escala de razoável peso na Lista dos 60. Mal sabem seus autores os estilhaços que causaram entre os que se preocuparam com um medidor de qualidade da cidadania regional.
Políticos fora
Menos mal que os formuladores da homenagem do Diário aos 60 destaques tenham ouvido os céus e não se aventuraram a premiar agentes políticos atuais ou recentes, porque a Operação Lava Jato estimulou desdobramentos e o que temos nas praças brasileiras, inclusive na região, é a consumação de investigações que deixam os políticos e seus respectivos entornos de orelha em pé.
Mas o jornal não escapou ao haraquiri ao eleger dois ex-prefeitos dos anos 1980, Aarão Teixeira, de Rio Grande da Serra, e Gilson Menezes, de Diadema. Dois personagens públicos sem lastro para constar de qualquer relação em que a competência, a seriedade, a inovação e tantos outros atributos seriam obrigatórios. Gilson Menezes, então, foi uma catástrofe em Diadema. Completamente despreparado. A Administração que levou a cabo como primeiro prefeito petista do Brasil (foi essa a razão que levou o Diário do Grande ABC a cair no golpe da notoriedade, que não tem nada a ver com notabilidade, enquanto no caso de Aarão foi a juventude, vejam só) foi uma sucessão de crises e de intervencionismo estatal (no caso municipal) danosos ao ambiente econômico e social do Município. Até hoje Diadema paga o preço de tanta incúria e extremismo ideológico.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)