A recuperação do conteúdo da sexta edição da newsletter OmbudsmanDiário está imperdível. Uma série de temas é analisada e revela preocupação intensa deste jornalista, primeiro e único ombudsman da história do Diário do Grande ABC. O Planejamento Estratégico Editorial era a pedra de toque a conduzir meus passos rumo a um regionalismo indispensável no veículo mais tradicional da região. Era preciso manter permanentemente acessa a chama de um noticiário comprometido com a região. Era 21 de junho. Exatamente um mês antes de assumir a direção editorial do jornal, no qual fiquei durante nove meses. O reformista ensaiado nas edições da newsletter acabou virando pó.
Edição número seis
Esta edição dirigida mais uma vez exclusivamente a acionistas, diretores e colaboradores de redação que exercem cargos de chefia analisa as edições de sábado e domingo últimos. A edição de hoje fica para amanhã não porque esteja este ombudsman sem tempo ou sem vontade, mas porque entende que já há excesso de informações na sequência.
A partir de hoje, e até que se esgote o material preparado e entregue aos acionistas e diretores do jornal, repassarei a todos, em capítulos, o chamado "Planejamento Estratégico Editorial" sobre o qual, como tenho reiterado, enfoco a linha conceitual das funções de ombudsman, que não difere em nada da origem daquele estudo, voltado para a função de diretor de redação.
Inicialmente não pretendia ampliar o público-alvo a quem direcionamos cópias desse trabalho que elaborei há quase quatro meses, durante um final de semana em que propositadamente me afastei da rotina na região. Creio que uma leitura acurada do "Planejamento Estratégico Editorial" em muito facilitará a compreensão das ações deste profissional e possibilitará a sensibilização para os compromissos com um jornalismo regional altamente preocupado com as transformações sociais e econômicas que se fazem necessárias. Uma boa leitura do que se segue:
Exagero esportivo
Na edição de domingo o Esporte exagerou na dose no título "País do penta se rende à região". No subtítulo, a explicação: "Futebol do Grande ABC consolida espaço com finais e títulos de Santo André e São Caetano". O texto de Divanei Guazzelli, para variar, remete para fatos históricos conectados com a atualidade, mas ainda não consigo relacionar o momento do futebol profissional da região com o otimismo que a matéria passa. Provavelmente ninguém torcerá mais do que eu contra o Flamengo (igual a muitos, certamente), mas não consigo esquecer que o Santo André é um clube médio e de baixo interesse da mídia eletrônica que comanda os interesses do negócio chamado futebol, enquanto o São Caetano, igualmente pouco popular, mas muito mais bem estruturado, sofre para resistir às pressões dos conservadores.
Talvez o mais preciso fosse que o título e a matéria se encaminhassem para algo como "País do penta se encanta com região". Acho que aí estaria perfeito.
Ausência esportiva
Na primeira página da edição de domingo faltou uma foto do empate do Santo André com o Bahia, pelo Campeonato Brasileiro. Seria um incremento à participação da torcida na decisão contra o Flamengo.
Legado de Itamar
Na edição de domingo, muito boa a matéria de Cultura & Lazer que recupera o legado do músico Itamar Assumpção. O Grande ABC tem e teve grandes talentos artísticos que precisam ser destacados. Nossos protagonistas sociais, econômicos, culturais e políticos não podem ficar em segundo plano.
Ufanismo automotivo
Na edição de domingo, o enfoque do título "Setor automotivo está pronto para crescer, diz vice da GM" -- em matéria na Economia, com direito a chamada de destaque na primeira página -- está completamente divorciado do conjunto de informações da entrevista. Houve clamoroso desvio de rota: fragmentos de expectativa de confiança suplantaram a realidade do mercado. Vejam só essa declaração de Pinheiro Neto, vice-presidente da GM, personagem da entrevista: "Você pode perder grandes oportunidades no meio do caminho e nós não queremos perder, o nosso índice de lucratividade pode ser abalado. Neste ano, nós devemos pelo menos empatar. É muito triste a gente trabalhar 12 meses tendo como objetivo a redução do nível de prejuízo. Como executivo dedicado há mais de 30 anos, tenho dificuldades para engolir isso".
A entrevista teria fluído para estrada mais segura, sem dar margem a mal-entendidos, se fosse fundamentada na atual conjuntura de recuperação econômica, como pontuou o entrevistado, mas sob a ponderação de que estamos apenas voltando aos níveis pouco entusiasmadores do passado.
Também causou estranheza na entrevista a ausência de qualquer incursão mais incisiva sobre o quadro econômico regional sempre dependente da indústria automotiva. O dimensionamento da GM para a economia de São Caetano, principalmente, poderia ter sido abordado. Inclusive com números consistentes de desindustrialização do Município, entre outros motivos porque a GM evadiu parte da produção para outros endereços.
Paranapiacaba reluzente (I)
Na edição de domingo foi um exagero a manchete principal "Paranapiacaba investe R$ 7,5 mi em turismo", com o subtítulo "Recuperação da vila inglesa cria 600 novos empregos em dois anos". Primeiro porque não se trata de novidade alguma. Segundo porque os números anunciados pela Prefeitura são exagerados e sem comprovação (a população da vila não chega a 2,5 mil habitantes). E terceiro porque essa não é a melhor maneira de se recuperar de cobertura anteriormente burocrática, como afirmei com relação ao relançamento do Big Ben, na edição de sexta-feira.
Quando se pratica regionalismo puramente pelo regionalismo, esgarça-se o poder de fogo da próxima edição. A matéria mereceria sim a primeira página, mas não com tamanho destaque gráfico e editorial.
Paranapiacaba reluzente (II)
Convém ficar de olho nos próximos passos em Paranapiacaba. Um trecho da matéria da página 5 de Economia de domingo afirma: "subprefeito acredita que a volta de uma linha de trem de passageiros ligando a vila a São Paulo ajudaria a impulsionar o turismo". O que foi tratado como acessório poderia ter maior força no conjunto de informações.
Caderno dietético
Na edição de domingo há reserva de meia página de Ciência & Tecnologia cuja tipificação de caderno só se justificaria se de fato fosse um caderno. É impossível deixar de considerar estranho o tratamento gráfico.
Mulheres violentadas
Na edição de domingo faltou dar mais impacto à realidade traduzida em boa matéria sob o título "Só 10% das mulheres estupradas denunciam agressores à polícia". Essa informação não é novidade para quem acompanha os dramas femininos numa sociedade cada vez mais violenta. O título deveria seguir algo como "Mais de mil mulheres serão estupradas este ano no Grande ABC". Como? Basta fazer conta simples, seguindo o que consta do texto: se nos seis primeiros meses deste ano ocorreram 603 casos (67 casos foram denunciados), basta dividir por seis e multiplicar por 12. Elementar.
A reportagem foi bem apurada, mas a edição está pesadíssima.
Repórter travestido
Boa a reportagem do repórter que se travestiu de miserável e se instalou num albergue em Diadema. Só não entendi a razão de o texto estar em itálico. Aliás, não é a primeira vez que o jornal opta por essa tipologia que, convenhamos, não é adotada pelos principais jornais. Acredito que é algo a ser justificado.
Caso Celso Daniel (I)
O jornal segue a linha do Estadão e abre espaços, ao que parece apenas para quem condena a infiltração do Ministério Público nas investigações criminais. O artigo da edição de domingo de Carlos Alberto Di Franco é um repeteco da linha editorial do Estadão. Por que não convidar opositores da liberdade de atuação do MP para se expressar no jornal? Outro dia afirmei nesta newsletter que disponho de um nome de delegado de polícia da Capital contrário à ação do MP e não houve nenhum contato como resposta de eventual interesse. Será que o jornal vai continuar a saga de unilateralidade que marcou sua trajetória no caso Celso Daniel? Como, aliás, a maioria dos jornais.
Caso Celso Daniel (II)
Comporta algumas observações a matéria de página inteira da edição de domingo ("Testemunhas têm versões diferentes sobre arrebatamento de Celso Daniel"), com o subtítulo "Com a quebra do sigilo, Diário tem acesso ao processo e revela depoimentos prestados à Justiça".
Em primeiro lugar, não há definição sobre a naturalidade do processo supostamente reproduzido pelo jornal. São apurações da Polícia Civil, da Polícia Federal ou do Ministério Público?
Em segundo lugar, o nó de depoimentos contraditórios confirma uma realidade que os jornais, de maneira geral, sonegam: se há tantas versões conflitantes, por que a prisão de Sérgio Gomes da Silva?
Em terceiro lugar, o texto é incorreto ao afirmar simplesmente que Sérgio Gomes da Silva é "acusado de ser o mandante do crime". A acusação é do Ministério Público Estadual instalado em Santo André, mas é indispensável o contraponto mais ou menos nestes termos: "embora a Polícia Civil e a Polícia Federal que atuaram no inquérito tenham chegado à conclusão de que se tratou de crime comum".
Celso Daniel (III)
A edição gráfica do material de domingo está distante do mínimo necessário para atrair a atenção dos leitores.
Celso Daniel (IV)
A matéria publicada na edição de domingo poderia ter sido alçada à manchete principal de primeira página porque tem a força do contraditório que os leitores tanto apreciam. Se a matéria fosse contextualizada com a possibilidade de o MP perder a função investigativa, como se insinua no STF e todos os grandes jornais divulgam, estaria completa a argumentação pró-manchete. Desperdiçou-se interessante trabalho jornalístico.
Conselho do Leitor
Não bastasse o fato de o Conselho do Leitor levado aos leitores aos domingos caracterizar-se pela superficialidade de leigos e também pelo desrespeito explícito aos colaboradores da redação, na edição de domingo tivemos a intervenção do editor-chefe com frases dualísticas. Sobre os erros apontados por uma das conselheiras, por exemplo, eis o que afirmou Ximenes: "Haverá esse esforço (de mais rigor na apuração). É uma obrigação nossa buscar essa redução no número de erros. Ninguém erra porque quer. Nossa obrigação é ser cada dia mais rigorosos".
Sobre o dualismo apontado, a expressão "rigorosos" pode ensejar tanto um cuidado meticuloso com a qualidade do produto como um perfil de chefia que os leitores mais atentos certamente colocarão sob restrições. Quero crer que o editor-chefe se referia ao primeiro cenário. De qualquer modo, a lavagem de roupa suja de problemas de varejo da redação (longe, portanto, de qualquer possibilidade de alterar significativamente a qualidade do produto) é um equívoco implantado no jornal por desconhecimento da gênese dos jornalistas e que, por isso, precisará ser eliminado.
Os leitores podem e devem se manifestar e não faltam, nos jornais que respeitam seus profissionais, mecanismos para isso -- tanto com a reserva de colunas específicas às queixas como em audiências específicas, intestinas, seletivas.
Ao se manifestar mesmo que objetivamente voltado à caça das inconformidades de redação sem qualquer pendor das chefias tradicionais, o titular do cargo poderia transpor essa filosofia de forma menos dúbia, como saltou aos olhos dos leitores na coluna de domingo. A impressão de que a melhoria a qualquer custo seria implementada traduz comportamento que jamais deve ser explicitado externamente, embora deva ser praticado internamente se as condições técnico-operacionais para tanto se mostrarem factíveis.
Frente antipetista
Na edição de domingo, sob o título "Dib reforça estratégia anti-PT para as eleições", com o subtítulo "Prefeito de S. Bernardo pede campanha limpa contra ataques petistas", o texto conduz para uma abordagem mais direta e um título mais adequado. Trata-se da declaração do prefeito de São Bernardo relativa ao que aconteceria em outubro próximo, quando, acredita ele, o PT passaria a contar com apenas duas das sete prefeituras locais, invertendo-se o quadro atual. Dessa forma, o título "Dib garante que PT vai se reduzir a apenas duas prefeituras" teria muito mais impacto e transpareceria melhor o ponto principal da matéria.
Educação conflitante
A reivindicação do prefeito Luiz Tortorello, repetida na edição de domingo, favorável a mudanças na Lei de Diretrizes e Bases, também poderia ter sido mais bem explorada tanto no título "Tortorello quer mudanças na LBD" quanto no enfoque. Simples: dois deputados federais petistas (Vicentinho e Ivan Valente) expõem razões diferentes para apoiar e contestar a pretensão do prefeito conservador. O lide (abertura) precisa demarcar a diferença entre uma boa e apenas uma burocrática matéria.
Frente de Trabalho
Na edição de sábado de Política Grande ABC a matéria "Convênio com Estado emprega 500 em Mauá" poderia ser mais bem preparada. Indicadores de desemprego e de informalidade no Grande ABC poderiam ser acoplados ao material para torná-lo muito melhor. A superficialidade das informações tem um significado flagrantemente nocivo, porque torna qualquer matéria descartável à primeira leitura.
Como há referência à enxurrada de pretendentes à Frente de Trabalho em Mauá neste ano, quando perto de 20 mil desempregados se acotovelaram nas proximidades do Paço Municipal, a matéria poderia resgatar com maior ênfase aquela situação que virou manchete de TV. Não se pode perder certas oportunidades para levar aos leitores a garantia de que o jornal é a sustentação da história.
Evento e entretenimento
Na edição de sábado, a matéria "Vendas superam expectativa da CVC", referindo-se à empresa de turismo de Santo André, tornou-se estranha como complemento da manchete da página 3 de Economia sob o título "No último dia da 11ª Unctad, Ricupero alerta países pobres". O jornal cobriu muito mal a reunião de uma semana da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento. No caso específico da matéria da CVC, o enfoque poderia ser outro, contrapondo de forma mais incisiva o evento internacional e o ímpeto por entretenimento de muitos de seus participantes estrangeiros. Se bem apurada, o que virou retranca (complemento de matéria) com tons excessivamente comerciais poderia ter sido manchete da página. Uma matéria excepcionalmente diferente dos demais jornais.
Política e religião
Na edição de sábado, à página que abre Setecidades, uma matéria também mal-elaborada sob o título "Santo André propõe perdão às igrejas a 4 meses das eleições". O que parecia uma recomposição do erro da semana sobre a aprovação de passes gratuitos no transporte de São Bernardo acabou se transformando num conjunto de parágrafos em busca de melhor nexo. Está na boca de um vereador de oposição: "Essa é uma jogada política em época de eleições. Se uma igreja pode ter um benefício como esse, qualquer outra pessoa, ou empresa, pode ter" -- afirmou o vereador Fernando Gomes (PTB), da bancada de oposição ao governo.
O destaque dado à matéria, com título insinuantemente vinculador da correlação entre o projeto de lei do prefeito João Avamileno e o calendário eleitoral, não poderia cair no vazio de terceirizar tão deliberadamente uma conclusão óbvia. Para lembrar: a medida que pretende anistiar igrejas em situação irregular em Santo André deve beneficiar principalmente, segundo a matéria, cerca de 550 igrejas evangélicas.
Também a edição compromete ainda mais o conjunto da matéria. Em vez da retranca que ouviu um jurista e que está à direita da página, dissociada diretamente da matéria-eixo, o correto seria acondicionar o conteúdo à notícia propriamente dita e também aos comentários do vereador oposicionista. A fragmentação editorial-gráfica de pontos tão umbilicalmente complementares dificulta o entendimento dos leitores.
Pobre Urbis
Na edição de sábado a matéria "Reorganização das cidades é discutida no último dia da Urbis" complementa a série de baixa sensibilidade da redação (e os demais jornais paulistanos não fugiram do anestesiamento editorial a questões metropolitanas) na cobertura da Feira e Congresso Internacional de Cidades. O registro da participação do Grande ABC no painel sobre o uso racional do tempo coroou uma semana de erros sobrepostos.
Habitação
Na edição de sábado, a matéria "Caixa demora para liberar crédito", manchete de Economia, circunscreve-se ao quadro regional e, com isso, transmite a sensação de que somos as únicas vítimas da dificuldade para obtenção de recursos de linhas de crédito da Caixa Econômica Federal. Faltou contextualizar além dos muros regionais.
A edição também foi comprometida, porque uma bancária afetada pela situação deveria ter seu caso tratado, como os demais, à direita da página, numa retranca específica, e não no conjunto de informações com fontes do mercado.
Chico Buarque
Na edição de sábado, foi de lascar a pieguice do título "Dia de celebrar a existência de Chico", na primeira página.
Dicas de texto
O uso abusivo de "de acordo com" é uma epidemia. Em praticamente todas as editorias a utilização dessa muleta caracteriza conservadorismo que se mistura com comodismo.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)