O empresário Ronan Maria Pinto me colocou num beco sem saída ao me convidar para o posto de Consultor de Conteúdo do Diário do Grande ABC.
Juntando as peças da proposta do diretor-presidente do Diário com o posicionamento majoritário do Conselho Editorial de LivreMercado que, recentemente, praticamente exigiu que eu participasse da festa dos 50 anos do Diário do Grande ABC, entendi o recado público e privado: não poderia mesmo fugir da raia.
Por isso, já no domingo comecei o trabalho de avaliação qualitativa, quantitativa e de produtividade da Redação do Diário em meu escritório domiciliar. Garanto que é um trabalho inédito no jornalismo brasileiro. Vai muito além de vetores tradicionais de ombudsman, até porque não serei ombudsman, cargo, aliás, que exerci no mesmo Diário do Grande ABC em 2004, antes de assumir a Redação.
Foi por essas e outras que me apresentei àquela Redação na tarde de anteontem, segunda-feira.
Estou acumulando nova atividade ao meu dia-a-dia já corrido sem acusar o menor problema de ordem ética que, de fato, só existe na cabeça dos impuros. Durante todo o período em que passei fora do Diário do Grande ABC, exatamente três anos, depois de ali conviver 11 meses como diretor de Redação, etapa que se soma a 15 anos de atuação entre as décadas de 70 e 80, o que mais exerci foi o direito à crítica do produto como assinante, jornalista e cidadão.
Afinal, é assim que entendo que o mundo da qualificação editorial gira e a eficiência roda.
Não será nesta edição que detalharei o que já estou produzindo para o Diário do Grande ABC, porque se trata de tanta coisa que o tempo agora mais escasso ainda não permitiria sem que corresse o risco de percalços interpretativos.
Aliás, não foi por outra razão que anteontem, durante a apresentação aos meus novos companheiros de trabalho, alertei sobre o risco de não haver capacidade individual que resista a uma entrevista apressada. Quem entrevista mal escreve mal e porcamente.
O que posso resumir aos leitores fiéis deste espaço é que estou integrado espiritualmente ao desejo da direção do Diário do Grande ABC de, finalmente, reiniciar nova etapa de melhoria do produto. Sei exatamente a porção que me cabe nesse latifúndio — não passo de um pedaço minúsculo porque sempre defendi e defendo que não há individualidade que ao menos resvale na importância do coletivismo — principalmente no campo jornalístico.
Não serei complacente com os erros da Redação do Diário, mas tudo que fizer estará circunscrito, como assim decidi com o apoio daquela diretoria, ao ambiente corporativo. As críticas individuais estarão empacotadas nos encontros com os próprios jornalistas, em forma de oficinas e de workshops. Vou aplicar metodologia de análise de textos que já consagrei à frente de LivreMercado. A Teoria da Produtividade Editorial, que lancei há quatro anos, ganhará roupagem especial no Diário do Grande ABC, por força da maior diversidade em relação a LivreMercado. Como na revista, mostrarei que é possível mensurar a qualidade, a quantidade e a produtividade individual e coletiva de jornalistas. Sem subjetividades e sem mandraquismos.
Não estou prestando favor algum ao Diário do Grande ABC ao aceitar o convite de Ronan Maria Pinto, de Lidiane Helena Fernandes Pinto Soares e de Lola Nicolás. Os 50 anos de circulação da publicação são suficientes para engrandecer o currículo de quem se dispõe a fazer do jornalismo missão de vida. Não costumo, como todos sabem, refugar desafios. Até porque, convenhamos, quem está mais exposto na linha de frente do produto são os profissionais que diariamente ali disputam o mercado de informação com uma concorrência cada vez mais numerosa e diversa, inclusive na virtualidade da rede mundial de computadores.
Sou apenas um fragmento da engrenagem de produzir informação no Diário do Grande ABC. Espero que todos entendam assim. Mas que vou cumprir com rigor, transparência corporativa e responsabilidade social cada minuto da nova tarefa, não tenham dúvida.
Estava disposto a encerrar por aqui quando tive uma idéia que acho que resolve de vez o problema da missão que terei no Diário do Grande ABC. O texto que repasso na sequência foi escrito em 9 de dezembro de 2004. Recupero-o e dissemino-o. Sugiro que leiam com atenção.
Multifuncionalidade com produtividade
É possível medir produtividade jornalística?
Como mensurar qualidade, quantidade e comprometimento dos profissionais de comunicação?
É sensato escalar alguém para medir a produção dos repórteres? Quem escreve quantitativamente mais é necessariamente melhor profissional que outros menos supostamente efetivos?
Uma tabela rígida de caracteres que traduz a produção de profissionais da escrita deve ser interpretada como prova definitiva da capacitação ou, mais que isso, do empenho individual?
É sensato sentenciar a qualificação de um profissional com base exclusivamente na produção editorial?
Para responder a essas e a tantas outras indagações, resolvemos avançar mais um passo na condução da equipe de redação de LivreMercado. Depois de introduzir há oito anos o conceito de multifuncionalidade na redação — medida que se propagou também na área operacional relacionada à editorial — numa iniciativa pioneira no jornalismo impresso, chegamos a nova proposta: mensurar a produtividade dos jornalistas.
Isso significa fugir de conceitos simplórios, imprecisos e incorretos de medição pura e simples do material impresso com a assinatura de cada jornalista.
Três vetores pesam sobremodo na definição de ampla grade de avaliação de produtividade.
O primeiro é a quantidade produzida. O segundo é o tempo despendido na copidescagem. O terceiro é a nota atribuída. É do conjunto desses indicadores que pode ser extraída a nota média do desempenho de cada profissional envolvido na produção de textos.
Outros fatores precisam ser considerados para uma avaliação mais completa. Como, por exemplo, uma equação que confronte a nota média com o custo salarial e de encargos de cada profissional e, também, a participação da equipe de apoio no resultado final. Editores e subeditores geralmente explicam o rendimento de um grupo de repórteres de uma mesma editoria. Editoria é um termo técnico que, no mundo corporativo, poderia ser entendido como departamento ao qual estão relacionados os profissionais de jornalismo.
Não existe nas empresas de comunicação do País algo sequer próximo do que chamaria de Teoria da Produtividade Editorial.
Primeiro porque geralmente os donos de veículos impressos são empresários que entendem muito pouco de jornalismo. Não sabem distinguir boa matéria de matéria mal-ajambrada. Nem sabem separar qualidade de quantidade.
Segundo porque jornalistas são, na quase totalidade, avessos ao empreendedorismo no sentido mais amplo do termo. E empreendedorismo exige mais que o romantismo de querer mudar o mundo, loucura da qual nenhum jornalista deve abrir mão, porque é a essência da atividade.
Empreendedorismo em jornalismo pressupõe gestão sob ótica completamente diferente da contabilidade gerencial ortodoxa dos profissionais da área de recursos humanos que, como os donos de veículos impressos, também não conseguem compreender as peculiaridades da profissão. Nem têm obrigação, desde que não procurem interferir arbitrariamente em seara alheia.
A produção física, primeiro critério de avaliação da Teoria da Produtividade Editorial, é a etapa final do chamado trabalho de reportagem. Na revista LivreMercado, os espaços editoriais são previamente determinados. Cada página, incluindo-se ilustrações, títulos, subtítulos, legendas e janelas, comporta quatro mil caracteres.
Nos jornais, de maneira geral, a recíproca é verdadeira. São os chamados módulos, muitas vezes definidos de forma burra por softwares criados por gente que de editorial pouco entende.
O número de caracteres de cada matéria escrita é fator importante de avaliação de produtividade, mas não único. O tempo consumido na copidescagem influencia sobremaneira a nota final. Quanto mais minutos são gastos num determinado volume de caracteres impressos, mais resplandece a interpretação de que o texto foge da norma de qualidade exigida.
Apenas para não ficar dúvida sobre o significado de caracter: cada vogal e cada consoante que compõem o verbete “letra”, por exemplo, é um caracter. Isto posto, “letra” tem cinco caracteres. O controle de caracteres é uma operação facílima, automática. Programas de computadores revelam a cada instante, desde que solicitado.
Prometo que vou relevar no último parágrafo quantos caracteres compõem este trabalho.
Ainda estamos aferindo os números do Índice de Produtividade desta revista, mas os primeiros sinais dão conta de que, para cada página escrita, gastam-se em média 20 minutos de copidescagem. Entenda-se por copidescagem mais que o ato automático de revisão ortográfica.
Trata-se de algo mais delicado e profundo, porque é prioritário harmonizar o texto à compreensão jornalística e às informações historicamente ou não corretas. Frases eventualmente são refeitas, suprimidas ou expandidas. Redundâncias recônditas desaparecem.
O que são redundâncias recônditas? É o uso de uma frase ou verbete para algo que dispensa complementaridade. Um exemplo? “Prefeitura do Município de Santo André”. Por que utilizar “Município de Santo André”? Bastaria escrever “Prefeitura de Santo André”. Parece simples? Reparem principalmente nos jornais como a incidência dessa tipologia de tropeço redacional é absurdamente rotineira.
E há casos muito piores. Agressivamente piores e renitentes.
Copidescagem também é o ato de eliminar imprecisões informativas e interpretativas. Um texto qualificado exige agregado de valor informativo, ou seja, que não fique na superficialidade de declarações de terceiros. É indispensável a intervenção jornalística para aparar as arestas.
O bom jornalismo, em qualquer veículo, exige dos profissionais mais que costumeira reprodução de declarações de fontes de informações. Cobra ancoragem do profissional de comunicação para que eventuais bobagens e manipulações não sejam impressas como verdades absolutas.
Escrevo sobre o assunto no livro “Meias Verdades”, assustadora coletânea de sujeições jornalísticas cuja fonte de dados são os principais jornais paulistas.
Ainda sobre copidescagem, são poucos os donos de jornais que entendem do riscado e têm capacidade de compreender que corretores ortográficos adquiridos em qualquer loja de informática e acrescentados aos programas utilizados nas redações não servem senão para apontar erros ortográficos.
Há quem na santa ignorância de acreditar em milagres imagina que corretor ortográfico bloquearia o erro jornalístico de alguém que escreveu que o prefeito João Avamileno foi eleito pela população de São Bernardo e não de Santo André. Nada disso. Corretor ortográfico enxerga exclusivamente equívocos de linguagem. Quem escrever quiz em vez de quis será admoestado pelo programa que o obrigará a trocar o “z” pelo “s”.
Recapitulando o processo de definição da Teoria de Produtividade Editorial, passamos da contagem pura e simples de caracteres de cada matéria para o tempo despendido com copidescagem.
O terceiro fator de avaliação é a qualidade das informações. A atribuição de notas de zero a 10 estabelece importante ponto de qualidade que se encaixa à quantidade propriamente dita dos caracteres e eficiência da cronometragem.
Um texto de quatro mil caracteres (que é, repito, o padrão desta revista) que consuma 20 minutos e receba nota 6 reúne maior produtividade que um texto de quatro mil caracteres que consuma 25 minutos e receba nota 6.
É possível um texto de quatro mil caracteres que tenha consumido 20 minutos de copidescagem receber nota 8 enquanto um texto de quatro mil caracteres e que consumiu 15 minutos de copidescagem alcançar nota 5? Claro que é possível. Nesse ponto, o editor responsável pela mensuração do desempenho de cada profissional levará em conta intangibilidades relacionadas ao padrão do produto.
Trata-se, evidentemente, de exceção à regra porque geralmente a nota estabelecida para cada matéria já incorpora subjetivamente a materialidade dos caracteres impressos e do tempo disponibilizado na copidescagem.
É muito pouco provável que uma matéria que leve tempo excedente de copidescagem em relação ao padrão médio consiga chegar à reta final de avaliação com nota satisfatória.
É praticamente impossível um texto cuja compreensão, abordagem, criatividade e objetividade, entre outros fatores, supere o critério de qualidade quando se tem dificuldades de passar pelo mata-burros de produtividade.
O que estamos atingindo na Editora Livre Mercado, agora com a diplomação da Teoria de Produtividade Editorial, é mais um desdobramento de série de medidas que começaram a ser implementadas há oito anos. Editores que pretenderem aplicar a metodologia de produtividade sem levar em conta que se trata da cobertura de intrincadíssima construção, cujas paredes e alicerces são complexos, acabarão por quebrar a cara.
É porque desprezam as bases do processo que donos de veículos impressos e mesmo chefes de equipes de jornalismo sem a menor aptidão empreendedora na atividade cometem a bobagem de medir linearmente a qualidade dos profissionais de comunicação pelo viés da quantidade mal e porcamente apurada.
Essa distorção se cristaliza não só porque medições arbitrárias desprezam especificidades funcionais de uma redação convencional, como é o que viceja no jornalismo nacional, mas sobretudo porque se sustentam no critério raso e impreciso da quantidade anacronicamente sem suporte de valores intrínsecos.
Que são especificidades funcionais de uma redação convencional? É o que prevalece na maioria dos veículos impressos do País, principalmente nos jornais diários, onde a subdivisão de tarefas de produzir informação encapsula os profissionais e os colocam sobre bitolas ultrapassadas. Há editores, subeditores, pauteiros, fechadores de primeira página, repórteres, redatores e copidesques num emaranhado infernal de produtividade geralmente baixa.
Pior que esse quadro de compartimentação funcional é a idéia consolidada de que modelos mais avançados não possam ser transplantados para o ambiente do jornalismo diário simplesmente porque fazem sucesso em veículos não-diários. Nada mais improcedente. Algo como duvidar que uma companhia regional de aviação possa servir de referência para companhia internacional pelo simples fato de que a primeira coloca aeronaves em espaço doméstico e a outra não tem limites geográficos.
Os princípios de qualidade de produto obedecem a determinados eixos sistêmicos insuperáveis. A metodologia de qualificação de uma empresa regional de transporte aéreo pode ser linearmente reproduzida numa companhia internacional do mesmo setor para que as transformações se registrem.
A fórmula de sucesso de engrenagens corporativas não é uma disputa de cara ou coroa, para se saber o que é certo e o que é errado. Há certezas indeléveis que precisam ser consideradas. Os resultados, e eis aí o grande mote que distingue vencedores de perdedores, é a absorção de conhecimentos, comprometimento, disposição e empatia dos colaboradores.
As montadoras de veículos há mais tempo instaladas no Brasil tiveram de proceder a duras provas de reestruturação para enfrentar a competição de novas companhias que aportaram com benefícios fiscais e escolheram territórios de custos tributários e trabalhistas menores. A matriz de reorganização é praticamente a mesma, porque é indiscutivelmente o caminho das pedras. A diferença nos resultados decorre da aplicação em cada empresa. Aí, o talento de compartilhar missões é que faz a diferença.
Retirei as bases iniciais da Teoria da Produtividade Editorial de uma reportagem realizada há quase oito anos numa indústria química do Pólo de Capuava, em Santo André. Naquela manhã estabeleci o primeiro contato de respeitosa relação com o executivo Nívio Roque, então diretor superintendente da OPP Polietilenos, hoje Polietilenos União, empresa do poderoso Grupo Unipar.
Fiquei impressionado ao chegar e esperançoso ao sair daquela fábrica de poucos funcionários e muito verde, incrustada numa região contraditoriamente predadora do meio ambiente. Ao chegar, as boas-vindas de dizeres de um cartaz na entrada da sede explicavam a generosidade e o humanismo de Nívio Roque, homem apegado a Deus e solidário aos desafortunados.
Quando deixei a OPP, depois de mais de uma hora de visita-reportagem, carregava as anotações na mão e uma idéia fixa na cabeça: a multifuncionalidade adotada pela empresa para resistir à globalização seria replicada no ambiente redacional da revista. Até então, concentrava como editor-chefe todas as funções típicas de comando tradicional de redação. Além de escrever, copidescava, pautava repórteres e fotógrafos, titulava, legendava, escolhia as fotos, editava, enfim, centralizava imperialmente a produção da revista. Aos repórteres bastavam os textos, sem compromisso efetivo com o produto final.
Com Nívio Roque aprendi a descartar o que outros jornalistas, por arrogância ou desconhecimento, insistem em aplicar nas redações de jornais e revistas: descentralizei as funções. Se na OPP para cada máquina sobrou apenas um colaborador, quando nos tempos de mercado fechado eram em média cinco, por que numa redação não poderia ser igualmente compactado o trabalho de produzir informação?
Dessa forma entrou em campo a multifuncionalidade. É verdade que nem todos os profissionais de redação desta publicação executam todas as funções, porque há diferenças de nível de habilidades em uma equipe que não foi recrutada a peso de ouro no mercado mas, pelo contrário, encontrou neste espaço a oportunidade para se fazer respeitada. Nem todos são multifuncionais no sentido mais amplo da terminologia aplicada, mas há muito não são monocultores como a maioria de outras publicações.
Os jornalistas desta revista são múltiplos em suas especialidades: geralmente se pautam, escrevem, se inter-relacionam com fotógrafos, fazem títulos, legendas, janelas. Deram até mesmo de trocar mutuamente matérias para copidescagem, atividade mais nobre que exige experiência, mais compreensão conceitual do produto.
Faço essa função. Nada que saia nesta revista deixa de passar pelo meu crivo. Aliás, foi exatamente por isso que decidi criar a Teoria da Produtividade Editorial. Afinal, produtividade também tem sentido de respeitabilidade ao histórico da publicação. Quem tem mais a cultura da publicação entranhada na alma pode impedir que uma verdade da edição anterior seja inadvertidamente negada na edição seguinte.
É claro que a maioria dos donos de jornais e revistas não entende essa faceta de produtividade. Como pretender, então, que os comandados de redação entendam?
É aí que entra em campo a contraface da multifuncionalidade. Qual? Especialidade. Isso mesmo: enquanto a multifuncionalidade desencadeia série de medidas gerenciais de cada profissional de redação de forma que se tornem donos do assunto que tratam, a especialidade os coloca em determinados eixos temáticos, sobre os quais se lançam com extrema determinação.
Especialização em eixos temáticos é expressão aparentemente sofisticada para definir o conceito de especialidade. Descobrir talentos temáticos é outra característica especial de quem comanda uma redação com competência. Seria mais preciso definir especialidades como vocações temáticas. Há jornalistas que se entregam com mais denodo, mais interesse e mais determinação aos assuntos que mais lhe apetecem. É aí que pesa o valor da especialidade.
Nem todo jornalista entende, quer entender e se dispõe a entender de ciência e tecnologia, por exemplo. Por que insistir então? Ou forçar a barra sobre cobertura esportiva se o jornalista detesta futebol. Compatibilizar missões com as vocações individuais é a melhor maneira de resolver dois problemas: os textos serão mais confiáveis e mais produtivos. Quem escreve sobre assunto ao qual dedica aptidão o faz melhor e em menor tempo.
Há gestores de redação — os chamados editores — que desprezam ou não conseguem enxergar as características pessoais dos repórteres. E que também não têm sensibilidade para estimular vocações de profissionais que, indecisos, precisam de empurrão para se projetarem de corpo e alma sobre determinada temática.
Piores são os editores que jogam no lixo a rentabilidade produtiva da tematização dos repórteres. Em vez de torná-los multifuncionais nas tarefas implícitas da atividade, os transformam em arremedos de multifuncionais temáticos, ou seja, de jornalistas pau-para-toda-obra. O desastre é total porque é a negação de que o mundo econômico é feito de advogados, médicos, torneiros mecânicos, funileiros, engenheiros. Ou de que o mundo cultural comporta músicos, pintores, dançarinos.
É conversa para boi dormir ou caso de genialidade a eficiência dos chamados paus-para-toda-obra. Geralmente são como pato, que pensa que nada, que corre, que voa e que anda mas, de fato, não consegue fazer nada certo. Por isso que é pato.
Não existe incompatibilidade entre o que se produz metodologicamente em revista e suposta transposição para ambiente mais amplo, como uma redação de jornal. A resposta está no tempo que se consumirá para adaptações. É preciso saber o que se quer fazer do produto de informação editado. Ou seja: a linha editorial precisa ser solidamente estruturada. Também é indispensável ter um quadro de colaboradores com baixíssima rotatividade e altamente comprometido com o produto.
Na revista LivreMercado conseguimos a manutenção dos profissionais entre outros motivos porque não existe sobrecarga de trabalho. Isso mesmo: por mais múltiplos que sejam, e ainda precisam evoluir, a carga horária de atividade não excede o limite do razoável. Jornalista não é máquina reprodutora de informações.
O mercado de trabalho comprimido em quantidade e valores salariais também tem contribuído à manutenção de profissionais desta publicação, cuja média de vencimentos está aquém de poucas publicações com o mesmo nível de qualidade editorial.
São muitos os aspectos que moldam uma redação minimamente competente e que, diferentemente de outras, de veículos mais poderosos, constrói a própria história ao dar oportunidade a jovens valores. Um dos mais importantes aspectos para progressão continuada é a permanente avaliação dos erros cometidos. De que adiantaria a copidescagem de cada matéria com os respectivos consertos, se os profissionais autores do trabalho não tivessem acesso às mudanças?
Não há profissional de jornalismo que escreva integralmente correto. Quem o faz provavelmente é medíocre, porque é incapaz de dar salto de qualidade e criatividade. Os erros de construção informativa são geralmente os mesmos e só poderão ser eliminados se o próprio autor tiver consciência disso. A devolução do material copidescado para análise do próprio autor é a melhor medida para que o próximo texto seja potencialmente melhor.
O conceito de linha de montagem não desonra a suposta intangibilidade intelectual do jornalismo. O jornalista que comete seguidos erros, como por exemplo o uso exagerado de apostos, de possessivos, de demonstrativos, de artigos, de gerúndios, de ordem indireta, tem similaridade com o operário de uma indústria de autopeças vez ou outra descuidado no polimento de uma arruela.
A Teoria da Produtividade Editorial, que acaba de ser implantada na revista LivreMercado, vai provocar novos choques internos. Todos saudáveis, todos construtivamente voltados para levar os profissionais da publicação à certeza de que fazem parte de uma confraria de competência muito especial.
Os mais experientes, que já passaram por outras redações, demoraram um pouco mais para compreender a dimensão dessa revolução. Os mais jovens, por não terem vivido em ambientes estruturalmente obsoletos, provavelmente correm grande risco de, ao trocar de emprego, substituir a modernidade pelo conservadorismo que contamina as redações de jornais.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)