Imprensa

Um novo modelo
de informação

DA REDAÇÃO - 05/09/1998

É possível um jornalista atuar ao mesmo tempo como coordenador de redação, pauteiro, repórter, redator e editor? Sim, é possível. A novidade que a redação de LivreMercado apresenta desde a edição de julho é um projeto revolucionário. Trata-se da transformação de toda a equipe de redação -- isso mesmo, toda a equipe, não de apenas alguns profissionais -- em pauteiros, repórteres, redatores e editores. A metodologia, sem paralelo no jornalismo nacional e desconhecida até internacionalmente, parte do pressuposto de que um profissional de comunicação escrita será sempre mais bem preparado à medida que se libertar de fórmulas antiquadas que separam pauteiro de repórter, repórter de redator e redator de editor. Muito mais que suposta solução para redução de custos operacionais, a iniciativa significa o aperfeiçoamento do produto chamado informação. 


A reação dos protagonistas dessa inovação filosófica, conceitual e processual tem sido de entusiasmar. Tuga Martins, André Marcel de Lima, Donizeti Raddi e Maria Luísa Marcoccia, que integram o quadro fixo da área editorial, sentem-se valorizados. Eles passaram a dividir entre si, e com a direção de redação, a tarefa de trabalhar pelo produto final. Do texto às legendas, dos intertítulos ao índice de reportagem, sem contar a pauta -- jargão jornalístico que significa o detalhamento oral ou escrito dos assuntos que serão tratados em cada edição --, todos se sentem muito mais responsáveis pelas informações que serão consumidas pelos leitores. 


Para quem não compreende a rotina de produção de jornal ou revista, a metodologia aplicada pode parecer hermética. O convencional no meio jornalístico é separar as funções de pauteiro, de repórter e de editor. Há publicações que também se utilizam de redatores, profissionais de textos mais bem acabados e que transformam os relatos dos repórteres em massa de estilo uniforme. Enfim, as redações são espécies de linhas de montagem em que cada grupo de profissionais se especializa numa determinada tarefa, de modo que o produto final -- um veículo, por exemplo -- ultrapasse toda a cadeia de manufatura até se tornar algo desejado por 10 entre 10 consumidores de qualquer canto do mundo. 


O que LivreMercado está promovendo é algo ainda mais interativo, porque seus profissionais não só executam todas as funções operacionais como participam das formulações. São ao mesmo tempo projetistas e executores. Situação que nem mesmo as montadoras de veículos -- já que o exemplo é esse -- conseguiram atingir até agora, apesar de toda a volúpia de competitividade sob o imperativo da globalização. Ainda para tornar mais palatável o encadeamento desse trabalho ao leitor comum -- muitos dos quais pequenos empresários em busca de soluções para seus negócios -- nada melhor que novo exemplo. Qualquer um dos jornalistas desta publicação sabe exatamente o que deve fazer para transformar informação num produto que possa seduzir o leitor. A multiplicidade de funções que executa, e não a exclusivamente de repórter, dá balizamento diferenciado no trabalho que exerce. Ao jornalista desta revista não bastam as informações. É preciso, desde o primeiro contato com o entrevistado, que se procure descobrir a informação mais relevante que servirá de carro-chefe da matéria. Como ele tem a incumbência de formular o título da reportagem, os intertítulos, as legendas das fotos e também o título e o texto do índice de matérias, sua visão necessariamente se amplia. 


Entrevista eventualmente malfeita, sem foco definido, vai lhe custar dores de cabeça porque certamente não terá um título que entusiasme o leitor, uma legenda que defina com exatidão o conteúdo do texto e uma chamada de índice que encante pela precisão e concisão.


Ao adotar essa nova postura de jornalista completo, deixa de ser simplesmente um repórter que usualmente se descuida das etapas subsequentes do trabalho para o qual tradicionalmente foi contratado -- a  garimpagem de informações e o relato dentro das normas de redação do veículo de comunicação do qual faz parte -- e se projeta numa nova categoria, em que títulos, legendas e chamadas de capa ou de índice agregam qualidade às abordagens.


A materialização dessa proposta inusitada oferece outras vantagens. O fluxo de fechamento de cada edição, até então tormentoso porque dependia demais de sistema concentrado e autocrático nas tarefas de titular, legendar e editar -- prática que se mantém nos meios de comunicação impressos --, tornou-se mais fluente e menos fluvial. Os atropelos na semana final de fechamento foram substancialmente minimizados. E isso é um grande feito, porque no esquema convencional há natural acúmulo de reportagens cujo conteúdo precisa ser resguardado pela eventual precariedade temporal, e também porque envolve a fase de demanda mais representativa de inserções publicitárias. 


O ganho de agilidade no fechamento editorial, resultante da multifuncionalidade profissional, responde também por outro ponto positivo, só aparentemente paradoxal: com ritmo operacional mais bem distribuído, cada profissional passou a contar com maior disponibilidade de tempo para exercer a função jornalística que, independente de quaisquer descobertas metodológicas, o leitor compreende de forma soberana e inapelável -- a busca intensiva de informações. No caso específico de LivreMercado, pela peculiaridade que identifica a publicação, maior do gênero em todas as regiões do País, incorpora-se a essa lei sagrada do mercado consumidor de informação uma cada vez mais inquietante preocupação de transformar cada parágrafo em obra de sedução qualitativa. 


Zagueiro-atacante -- No início desse processo, os jornalistas desta revista se sentiram sobrecarregados. Mas isso não passou dos primeiros dias. Foi a constatação de que se descobriram mais completos, mais participantes do produto final, que os transformou em entusiastas defensores da novidade. Todos querem caprichar mais nos textos porque o que se registra é uma espécie de efeito-Tostines, no qual a dúvida que se estabelece  é saber se o texto está melhor porque foi induzido pela incumbência de edição ou se a edição está melhor porque o texto contribuiu de forma mais interativa. 


Em realidade, a resposta está na metodologia. Um bom zagueiro será sempre um bom zagueiro, mas quando também tiver capacidade para atuar eventualmente, diante das circunstâncias, como meio-campista e projetar-se como atacante, acabará entrando para a história. Não foi assim com algumas exceções, casos de Luiz Pereira, de Baresi e de alguns outros poucos iluminados? A França correu desesperadamente atrás da vitória no tempo extra do jogo com o Paraguai na Copa do Mundo recentemente encerrada porque sabia que se o jogo fosse para os pênaltis poderia se dar mal, simplesmente porque o goleiro Chilavert não só conhece as intimidades de suas próprias redes como, também, das do adversário. 


É exatamente esse princípio, o de que profissionais precisam combinar especialidade temática com abrangência operacional, sem incorrer na bobagem de perder o foco que os sustenta, que nutre o conceito de atuação global dos jornalistas de LivreMercado. A função elementar de jornalista, que é estar antenado com os acontecimentos, jamais perderá a nitidez intrínseca de quem exerce atividade essencialmente intelectual. Acoplar a essa missão de forma sistemática -- e não eventual como a de zagueiros-atacantes ou de goleiro-artilheiro -- ações complementares que reforçam o fluxo operacional com potencialização de criatividade só qualifica os profissionais envolvidos. 


É evidente que esse novo modelo de comunicação depende de alguns preceitos básicos. Primeiro, a equipe de trabalho precisa de entrosamento e conhecer a área de atuação do veículo. Sem isso, um dos pontos de sustentação do trabalho, a escolha da pauta de reportagens, sofrerá baque. Segundo, é inescapável que todos compreendam a profundidade da transformação. Terceiro, que o turnover seja o mínimo possível. Sobretudo que os cabeças da operação não sejam objetos descartáveis à primeira crise. O fato de a equipe ser de número reduzido não restringe o sucesso da iniciativa. Numa grande redação, desde que minimamente organizada e capacitada, o processo de absorção será igualmente rápido. Se houver problemas de qualificação em grandes redações, a saída é gradualizar por editoria -- área específica de atuação. Enfim, é perfeitamente possível começar pelas partes para se atingir o todo.


São tantas as vantagens embutidas nessa novidade que nem precisam ser detalhadas com minúcias. Provavelmente a principal seja a descentralização de responsabilidades. Com uma coordenação profissional que tenha domínio completo do eixo histórico da publicação e que zele pelo padrão editorial, eventuais deslizes são corrigidos sem traumas e não chegam até os leitores. Uma revista regional de economia e negócios que não se preocupe em mostrar talento também no gerenciamento da logística de informação não conseguiria dar sustentação aos planos de crescimento num mercado em que as grandes publicações da área exibem volumosos músculos financeiros, mas arcaicos procedimentos com os recursos humanos. 


Exatamente por isso há planos de estender as atribuições de cada jornalista às áreas de copidesque e de secretaria gráfica. Parte da equipe já exerce também essas duas funções -- a primeira para tornar o texto isento de incorreções ortográficas e a segunda para aferir numa espécie de cópia da página que irá à impressão a fidelidade do trabalho de edição. 


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