Imprensa

Folha de S. Paulo precisa
de ombudsman eleitoral

DANIEL LIMA - 19/10/2018

A Folha de S. Paulo é uma de minhas leituras diárias sagradas. Não o seria fosse eu qualquer coisa, menos jornalista. Coleciono as principais notícias e artigos. Nada diferente do procedimento que dedico ao Estadão. Por isso, juntando-se o fato de que sou do ramo, ou seja, jornalista, mais que jornalista, jornalista sem rabo preso com qualquer político ou agremiação política, sugeriria ao jornal que criasse o cargo de Ombudsman Eleitoral para atuar exclusivamente no período em que as urnas eletrônicas viram vedetes. 

(De Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, na Folha de S. Paulo de 4 de outubro: “A eleição de um aventureiro com viés autoritário e nenhuma capacidade de articulação causaria um sismo de alta intensidade no já debilitado sistema político brasileiro”) 

O cargo de Ombudsman, uma ousadia pioneira e bem-vinda da Folha, não dá conta desse recado entre outras razões porque a ocupante também faz parte da turma engajada no candidato do PT e de ojeriza ao deputado federal Jair Bolsonaro. 

(De Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra), na Folha de S. Paulo de 8 de outubro: “Haddad é perfeitamente capaz de levantar as bandeiras que o PT precisa defender, mas o partido precisa deixá-lo vencer. É preciso terminar de ganhar os votos que eram de Lula entre os pobres, o que o que o PT sabe fazer. Mas também é preciso ganhar terreno no centro, que não está interessado em discurso imbecil contra Lava Jato ou a favor do vagabundo Nicolás Maduro. (...) A sobrevivência da conversa democrática brasileira, a sobrevivência tanto da centro-esquerda quanto da centro-direita, nossa participação na comunidade das nações livres, depende da derrota de Jair Bolsonaro”.) 

A Folha de S. Paulo se diz pluralista, transparente e tudo o mais, mas não é bem assim. A cobertura das eleições presidenciais desta temporada é enviesada. Mais que enviesada, chega muito próximo de oposição raivosa ao capitão reformado cujo passado de suposta agressão à democracia e aos costumes é refresco diante da folha corrida do petismo. A estridência dos colunistas aumenta na medida em que a fita de chegada do segundo turno se aproxima. 

(De Janio de Freitas, jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo, em 27 de setembro: (...). Comparados os anos recentes de militares e do sistema judicial, não é na caserna que se encontram motivos maiores de temer pelo estado democrático de direito. Os avanços sobre poderes do Legislativo e do Executivo, os abusos de poder contrários aos direitos civis, ilegalidades variadas contra os direitos humanos – a transgressão da ordem institucional, portanto – estão reconhecidos nas práticas do Judiciário e da Procuradoria da República”.)  

Praticamente não há espaço ao contraditório na Folha de S. Paulo. As páginas de noticiário, razoavelmente igualitárias em tratamento aos dois finalistas, sugerem falsidade de tratamento. Os colunistas, que formam opinião, estão praticamente todos contra Bolsonaro. É uma confraria que transmite a ideia de que teria passado por algum vestibular de alinhamento automático a pressupostos que correm na contramão da demanda da sociedade.  Bolsonaro é o centro de uma guerra discretamente em curso. 

(De Steven Levitsky, professor de Administração pública da Universidade Harvard, na Folha de S. Paulo de 28 de setembro: A polarização nubla nossas percepções. À medida que um segundo turno entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad se torna cada vez mais provável, os brasileiros de centro e de centro-direita encaram uma escolha entre um candidato democrático cujas políticas eles desaprovam (Haddad) e um candidato abertamente autoritário (Bolsonaro). (...). Muitos eleitores relutantes de Bolsonaro imaginam que faltaria a ele a capacidade e o poder necessário para solapar as instituições democráticas brasileiras. O Congresso ou os tribunais o deteriam. Isso é igualmente falso. Mesmo políticos aparentemente fracos e inexperientes, vindos de fora do sistema, são capazes de destruir a democracia.).  

A coleção de artigos desses articulistas é um arrazoado e tanto para sustentar a afirmativa de que a Folha   de S. Paulo é parcial na cobertura das eleições. Escrevo com o cuidado de quem além de ler diariamente o material com extremo cuidado, destrincha-os com o uso de indefectível caneta esferográfica preta, sublinhando os pontos mais relevantes. 

(De Ilona Szabó de Carvalho, empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppasala (Suécia), na Folha de S. Paulo de 10 de outubro: “A polarização venceu e – não se iludam – perdemos todos. Os populistas e autoritários sabem que é muito mais simples dividir as pessoas do que construir uma causa em comum. E conseguiram. Dividiram o país de forma impensável e espalharam um ódio mortal que está dilacerando relações entre familiares, amigos e incitando a violência real.”).  

A parcialidade se manifesta no sentido de que os articulistas entram em campo para demonizar Jair Bolsonaro e, em contraponto, passar uma borracha nas barbaridades cometidas pela classe política, PT e tucanos à frente. Subestima-se a sociedade mais informada que opta majoritariamente por um deputado federal sem lastro, mas sintonizado com a demanda dos eleitores. 

(De Marcelo Coelho, membro do Conselho Editorial da Folha, na Folha de S. Paulo de 10 de outubro: “O resultado das eleições assusta, mas não tem nada de misterioso. Jairo Bolsonaro não é um fenômeno isolado. Basta dar uma olhadinha nas listas dos deputados mais votados – estaduais e federais – para saber do que se trata. Destaca-se o número de delegados, em quase todas as unidades da federação. (...) A impaciência com qualquer discurso em favor dos direitos humanos, a sensação de que o politicamente correto é desculpa para a inatividade do Estado e o gosto pelo fuzilamento sumário puderam se manifestar sem nenhuma autocensura. (...). Identificam-se os culpados: a economia vai mal porque houve muita roubalheira. A solução é simples: Morte à petralhada. (...) O desejo é de destruição. Talvez se o juiz Sergio Moro ou o ex-ministro Joaquim Barbosa tivessem se candidatado, o impulso em favor da Lava Jato e contra o PT encontrasse uma tradução mais civilizada).  

Ainda outro dia a Folha de S. Paulo publicou uma pesquisa do Datafolha que identificava, entre os leitores do jornal, preferência pelos candidatos Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin, com 21% cada. Há evidente contradição entre a linha editorial de centro-esquerda e o eleitorado mais expressivo de centro-direita. 

(De Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular de ciência política da USP, na Folha de S. Paulo de 10 de outubro: “Com honrosas exceções, a renovação política que tantos consideravam essencial à democracia chegou pelas mãos da extrema-direita, pouco comprometida com os valores, instituições e procedimentos democráticos. Ainda não sabemos se levará a cobiçada Presidência, mas seu desempenho no Parlamento e nos estados já autoriza dizer que o estrago foi considerável”).  

Alguma coisa nesses resultados precisaria ser explicada para que os leitores pudessem refletir. Faltaram informações ou as informações não foram captadas pelo instituto de pesquisa? Para que serve uma consulta aos leitores se os resultados, muito além dos números, não se tornam públicos.  

Não existe dúvida de que a Folha de S. Paulo foi capturada por uma intelectualidade de vários campos de conhecimento humano, mas que marcha unida numa única direção que menosprezo a inteligência alheia.  Os articulistas representam um esquerdismo sofisticado na arte de seguir o mesmo destino interpretativo. Poucos escapam do sequestro do pensamento conservador. Aliás, o uso de “conservador” e assemelhados é um permanente jogo de subjetividade desclassificatória. Os esquerdistas são “progressistas”. 

(De Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em geografia humana, na Folha de S. Paulo de 13 de outubro: “A disputa não é entre dois extremistas simétricos. Hoje, só há um extremista: meu adversário, que usa a democracia como plataforma para iniciar uma aventura autoritária. Derrotá-lo não é escolher o PT, mas escolher a democracia”).  

A suposta pluralidade da Folha de S. Paulo é vendida como cláusula pétrea pós-reforma iniciada por Otávio Frias Filho, morto recentemente. A olhos comuns, que consomem informações de forma irrefletida ou descuidada, temos um produto confiável como fonte isenta de informações. Até que entram em campo os articulistas, muitos dos quais sem traquejo jornalístico, titulares de cadeiras universitárias.   

(De Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha, na Folha de S. Paulo de 14 de outubro: “A candidatura do PSL representa corrente política militarista com demonstrações explícitas de defesa da violação dos direitos humanos, de questionamento dos direitos das minorias, que nega a ditadura militar e a ocorrência comprovada de torturas e que mantêm reiterados flertes à quebrada normalidade democrática. Esses pontos factuais somados parecem mais do que suficientes para definir uma candidatura de extrema direita, aquela que opta por estratégia extrema, além do eixo construído no consenso democrático por direita e esquerda”).  

É esse pelotão de fuzilamento de Jair Bolsonaro que está ativíssimo na disputa presidencial. Alguns deles ultrapassaram o limite do bom senso. Outros não escondem as armas de guerrilheiros travestidos de especialistas. Mais que artigos, escreveram libelos acusatórios. Panfleteiam sem constrangimento em favor de Fernando Haddad, como se o indicado do presidiário Lula da Silva fosse independente a ponto de destruir as barreiras de decisões colegiadas da cúpula do partido, sem as quais não passaria de um professor universitário. Corrupção sistêmica liderada pelo partido do candidato e a violência urbana são pedras de toque do vertiginoso crescimento de Bolsonaro. Não para os articulistas da Folha de S. Paulo. Essa confluência de fatores é ignorada completamente, mitigada ou, principalmente, torna-se porta-bandeira aos ataques à força-tarefa da Operação Lava Jato. 

(De Elio Gaspari, jornalista e colunista da Folha, na Folha de S. Paulo de 26 de setembro: “Uma coisa é certa: por mais que se deteste o PT, ele tem um comprovante factual de respeito à democracia: governou o país durante 14 anos respeitando a Constituição. Ocorreram alguns incidentes de violência, mas eles não afetaram essa constatação. (...). As vivandeiras de hoje sonham com um governo de Bolsonaro”).   

O jornalista Reinaldo Azevedo é o caso mais grave de anencefalia crítica: pretende a cada artigo apontar o rifle do partidarismo e do politiquismo em direção aos bravos representantes da Lava Jato. Já pregou o assassinato da política, segundo ele a principal vítima dos federais. Talvez tenha mudado de ideia ou optado por uma explicação extravagante após os resultados das urnas para o Congresso Nacional com enxurrada de novos eleitos.  

(De Reinaldo Azevedo, jornalista, colunista da Folha, na Folha de S. Paulo 5 de outubro: “O pior aconteceu e está em curso. O Poder Judiciário entrou na eleição. O veto à entrevista de Lula, com censura prévia, afronta as regras de funcionamento do Supremo e os Artigos 5º e 220 da Constituição. A marota quebra de sigilo da delação de Antonio Palocci determinada por Sérgio Moro na boca da urna, é uma aberração. Nos dois casos, a toga tenta fazer sombra na vontade do eleitor.”). 



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