Imprensa

Conteúdo e estética

DANIEL LIMA - 10/02/2009

Nestes tempos ultracompetitivos, de disputa palmo a palmo por um lugar ao sol, de ética atirada ao lixo, de esperteza em alta, de credulidade em baixa, o caro leitor sente-se vulnerável aos encantos da estética ou consegue manter acessa a chama de racionalidade do conteúdo?


Sejamos francos: é cada vez mais asfixiante o número de pessoas que se dedicam a impressionar pelo cheiro do perfume abundante (o olfato faz parte da cadeia de reforço do visual), pelo penteado saído de um cabeleireiro diário, pelos sapatos impecavelmente limpos, pela suavidade de uma voz meticulosamente estudada para seduzir, pelo terno finamente recortado, entre muitas armas do arsenal de sensibilização.


Quantas e quantas vezes nos pegamos em flagrante delito de nos deixar levar pelas ondas da estética que sufoca o conteúdo, que aniquila o brilho intelectual, que corrompe a clareza de raciocínio, que destrói a simplicidade do fazer e do ser, tudo subordinado ao entusiasmo do ter, do parecer, do manipular?


É assim em todas as atividades humanas e na mídia, de maneira geral, não é diferente. Aliás, principalmente jornais e revistas reproduzem permanentemente o comportamento individual e coletivo. Afinal, não faltam arquitetos do futuro a captar supostas tendências dos consumidores sem enxergar o contexto, sem se preocupar com o passado, sem compromisso com o futuro.


Se a moda é lipoaspirar o corpo, então se fazem matérias curtas, telegráficas. Se valem os retoques de cirurgiões que anunciam rejuvenescimento em suaves prestações mensais, lá vão os ideólogos do jornalismo de balangandans sempre prontos para enfeitar o pavão com diagramações simétricas na lógica de que, quanto mais criativas no visual, menos qualidades reúnem de material.


Longe de mim qualquer proposta de cultuar conservadorismo jornalístico, como alguns podem supor. Acho inclusive que quando é possível compatibilizar estética e conteúdo, sem que a primeira prevaleça abusadamente a ponto de obscurecer o segundo, nada contra. O problema é que geralmente a estética está a serviço do disfarce da perda de conteúdo. Para quem decifra essas tentativas de enganação, consumam-se verdadeiras operações-Zorro porque a máscara só consegue mesmo esconder a verdadeira identidade dos ingênuos irrecuperáveis.


Tenho horror quando um veículo de comunicação impresso anuncia reforma gráfica. Preparem-se porque invariavelmente vem chumbo grosso. É normalmente o artifício que se utiliza para dar um drible da vaca na inteligência dos leitores. E geralmente o fazem sem pudor nem temor porque os alquimistas de softwares específicos de trambicagem sabem que não faltam incautos na praça que se deixam aprisionar pela tentação do visual ordinário vendido como obra máxima da imaginação criativa.


Costumo dizer que um veículo de comunicação vale de fato pelo que apresenta de trajetória histórica, expressa notadamente no conteúdo e não submetido à síndrome de cabeleireiro ou ao viés de cirurgiões plásticos. As melhores publicações do mundo seduzem pela discrição estética. Estão mais para o corte clássico, resistentes a pretensas revoluções estéticas, imunes, portanto, aos modismos com prazo de validade de uma estação de bajulações.


O problema dos inovadores de pataquadas é que, de maneira geral, porque são aprendizes sem talento, poucos conseguem encontrar o equilíbrio e partem para caricaturas de publicações que, sem abusar dos infográficos e de outros recursos visuais, sabem como contextualizar textos, títulos, legendas e imagens.


Houvesse no mercado uma espécie de Procon do setor editorial, não faltariam supostos profissionais em maus lençóis porque vendem como novidades inovadoras quinquilharias textuais empetecadas por badulaques estéticos. A ordem unida é enganar o distinto público.


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