Já confessei aos leitores que de vez em quando me sinto isolado, com vontade de me entregar ao jornalismo adocicado, infrutífero, morno? Pois é verdade. Felizmente são poucos os momentos de, digamos, depressão profissional, embora também confesse a todos seja exatamente isso que, no fundo, no fundo, considere que de fato mereça a letargia cidadã no Grande ABC, microcosmo desse Brasil que o jovem Charles Darwin acertou na mosca num diário de viagem que a revista CartaCapital reproduz na edição desta semana.
Quando acho que devo fincar os pés num terreno mais sólido e cômodo de equidistância dos temas mais candentes, sempre chega alguém para me cutucar e cobrar que enxerte reflexões omitidas pelo noticiário, ou puxando uma temática que outros não têm coragem ou liberdade de acompanhar.
“Por que você parou com a série do Poderoso Chefão” — indagou-me outro dia um leitor deste blog.
Respondi a ele e aos demais que o circundavam com a franqueza de sempre:
“Acho que estou pregando no deserto, que estou me tornando um chato, que ninguém quer saber de mais nada, que cada um está cuidando do próprio umbigo”.
Todos reagiram. Querem que eu continue com a série.
“O Poderoso Chefão” não tem sido objeto de meus textos porque não há novidade na praça que assim o determine. Não ficarei chovendo no molhado a todo momento apenas para marcar presença. Outros poderosos chefões da mídia verde e amarela e também da mídia internacional estão comendo o pão que o diabo amassou. São tempos de indefinição sobre o destino seguramente autofágico de alimentar de graça o monstro concorrencial da internet tendo como base produtos impressos que custam os olhos da cara.
O estranho caso de Aidan Ravin aparece no meu radar crítico como muito mais emergencial. E o fato de denominar “o estranho caso” não é por acaso. Sou puxado pelas imagens e pelo enredo do filme que, apesar de 13 indicações, não fez muito sucesso na festa do Oscar.
“O estranho caso de Aidan Ravin” é sim uma analogia provocativa ao filme de Brad Pitt porque, como o protagonista, o prefeito de Santo André apresenta sintomas de uma administração recém-nascida mas vítima de envelhecimento precoce.
Benjamin Button nasceu com o quadro clínico e estético de um velho de mais de 80 anos.
É provável que Aidan Button, ou melhor, Aidan Ravin, se ao filme assistiu, torça para que se dê processo idêntico de inversão cronológica e chegue ao final do primeiro mandato em amplo processo de rejuvenescimento, no meio do caminho da trajetória de Benjamin Button, ou seja, no auge da vitalidade física e criativa.
Mas o assunto de hoje não é o confuso prefeito eleito por Santo André. É a expressão de algo que poderia ser reservado apenas a mim e ao travesseiro, quanto muito aos meus filhos, principalmente à Lara, primeiroanista de jornalismo na Metodista e a quem, nos últimos dias, entreguei a tarefa de cuidar de meus arquivos de mais de três mil pastas organizadamente acondicionadas no sótão.
Será que vale a pena praticar jornalismo que fuja da massificação edulcorada sem, no outro extremo, espatifar-se na banda pobre dos sanguessugas de plantão?
Continuo achando que sim, que não dá para mudar de rumo depois de tantos anos de prática. Conheço uns e outros que gostariam imensamente que nem de lantejoulas eu cuidasse, porque me querem mesmo prostrado, liquidado. Eles se sentem intocáveis do alto dos dinheiros arrebanhados, dos subterrâneos da alienação social disfarçada por manipulações do conceito de responsabilidade social ao distribuírem migalhas divulgadas com estardalhaço exatamente pelos jornalistas sem coluna vertebral.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)