O título “Réquiem para LivreMercado” é deliberadamente provocativo e, apenas para que seja entendido por todos os leitores, remete à cerimônia religiosa apropriada para funeral. Para entender até onde pretendo chegar é preciso confrontar situações semelhantes. A diferença entre o empresário Ronan Maria Pinto que adquiriu o controle acionário do Diário do Grande ABC sem escolher porções boas e porções podres da empresa e o também empresário Walter Santos, proprietário da Best Work Consultoria Empresarial, que adquiriu apenas a parte boa da Editora Livre Mercado, representada pela revista durante quase duas décadas sob controle editorial deste jornalista, é que o primeiro é um gentleman e o segundo flerta com a molecagem.
Ronan Maria Pinto comemorou os 50 anos do Diário do Grande ABC no ano passado numa festa de gala no Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, diante de mil convidados. O tom da festividade foi a reverência aos fundadores da empresa. Ronan Maria Pinto comandava o Diário então havia apenas cinco anos. As famílias Dotto e Polesi foram efusivamente saudadas. Um livro fartamente ilustrado reconstruiu a trajetória da publicação.
Quem conhece detalhes do Diário do Grande ABC que Ronan Maria Pinto encontrou não pode desconsiderar a grandeza do gesto do empresário com o qual, todos sabem, mantenho divergências profissionais, mas, nem por isso, me fecharia à dignidade do reconhecimento de virtudes.
Walter Santos comemorou a cessão da marca da melhor revista regional do País com um discurso ofensivo, grotesco, desrespeitoso e kamikaze diante de um grupo de 80 convidados, a maioria dos quais conselheiros editoriais da publicação. O evento foi realizado há quatro semanas. Ontem à noite reuniu convidados, agora para apresentar o que chama de nova revista. Desta vez, alertado por este jornalista, não repetiu as idiotices anteriores.
O problema de Walter Santos chama-se Daniel Lima. Walter Santos disse publicamente que pretende despersonalizar LivreMercado. Ronan Maria Pinto não sofreu dessa psicose com relação aos fundadores e comandantes do Diário do Grande ABC durante quase meio século.
Walter Santos disse também que o Conselho Editorial é incompetente, embora utilizasse outras palavras. Seus assistentes de palco, moleques por ofício, também fizeram algazarras éticas e morais. Tudo sob olhares dos convidados que, preparados para uma festa, desarmaram-se de retoques analíticos. Não esperavam tantos disparates. Chegaram até a aplaudir as ofensas que receberam.
Seria melhor se Walter Santos tivesse economizado um pouco do muito que consumiu nas duas festas e em outras empreitadas ligadas à publicação e tratasse melhor os ex-funcionários da Editora Livre Mercado, os fornecedores da Editora Livre Mercado e o diretor de LivreMercado, com os quais tem débitos financeiros. Bastaria não esticar demais os compromissos firmados em cartório para o pagamento de todos eles em troca da marca que tanto pretendia colocar no portifólio de empreendimentos. Agiu como se execrasse a própria decisão de ter adquirido uma marca que, mais tarde, enxotou.
Bastaria também que honrasse os prazos estabelecidos para outros pagamentos. E que não negasse na sequência dos acontecimentos, agora longe dos holofotes, o que assegurou aos conselheiros editoriais na primeira festa: a compra integral da marca Prêmio Desempenho Empresarial, em vez de 50% que não lhe dão direito de comandar unilateralmente o evento. Walter Santos sabe que o modelo dos negócios que conduz não casam com o estilo deste jornalista.
Walter Santos é um empresário arrojado, destemido, mas carrega deformações de capitalistas sem limites. Foi por isso, aliás, que acabou dono da revista LivreMercado. Ele difere completamente deste jornalista. Não consigo conciliar complicações bancárias, gerenciamento administrativo e controle financeiro. E muito menos conviver com o pragmatismo excessivo de agentes de publicidade. Acho que sou normal, porque o jornalismo me toma tempo demais. Walter Santos é diferente. Acha que sabe tudo. Inclusive de jornalismo. Basta ver que, diante de um diretor de Redação omisso, assinou o editorial da nova LivreMercado.
Entreguei a Walter Santos a melhor revista regional do País certo de que ele saberia fazer bom uso, mesmo reconhecendo que seu ímpeto mercantilista fala mais alto e que a ignorância na área editorial lhe seria companheira incômoda em grau semelhante ao risco para os leitores. Walter Santos não tem humildade para entender que somos primeiros em algumas coisas, segundos em várias, terceiros em muito mais e últimos em tantas outras. Ele acha que pode ser a estrela da companhia em todas as áreas. De trapezista a domador de leão. De bilheteiro a contorcionista. Ele é o próprio circo.
Fiquei feliz com a negociação da marca LivreMercado porque retirei um peso enorme dos ombros. Estou com série de projetos e agradeço a Deus a todo momento pela oportunidade que me deu de dar sequência a uma atividade profissional que abracei aos 14 anos de idade. Engoli muito sapo de arrogância e grandiloquência de Walter Santos até assinar o contrato de cessão da marca. Se ele imaginava que me submeteria ao ditatorialismo disfarçado de boas maneiras, enganou-se redondamente.
É um direito de Walter Santos fazer de LivreMercado a revista que quiser, como o produto bonitinho mas ordinário que me chega à mão. A chamada nova LivreMercado vai às ruas depois de uma preparação de cinco meses de fato, porque o Departamento Comercial atua exatamente durante este tempo, embora vários dos membros trabalhassem à época para LivreMercado ainda sob controle deste jornalista. Entendam como quiserem essa informação.
Na realidade, de nova LivreMercado não tem absolutamente nada, apenas uma diagramação feita por profissionais do atraso porque a tornaram provinciana, uma caricatura de mau gosto de publicações de ponta. Uma cópia mal-ajambrada que une malabarismos, acrobacias e invencionices. Só os leigos caem no conto da estética mambembe. Quando se substitui simplicidade ditada por escassez orçamentária por breguice de novo-riquismo, a emenda fica pior do que o soneto.
Também editorialmente LivreMercado não tem praticamente nada de novo, mas sim de incompleta. O que chamam de novo não passa da reprodução sem o mesmo cuidado editorial de seções consagradas durante quase duas décadas, todas produzidas por jornalistas que deixei de herança para o dono da publicação.
Cases empresariais e matérias de serviços são tradição da revista. Faltaram matérias que posicionam a publicação no espectro de regionalidade. Quando repassar para o site de CapitalSocial o acervo de 19 anos de LivreMercado, os leitores vão entender a diferença entre o modelo chamado de novo apenas como encenação de marketing e o produto que marcou a história do jornalismo regional ao sair da mesmice de informação rasa e que se consolidou como manancial de análises e questionamentos.
O problema de Walter Santos é que ele detesta questionamentos. Especialista em recuperação de tributos, em arquivo morto, jamais terá sensibilidade jornalística.
LivreMercado deste março completa 19 anos e somente não circulou durante um mês nesse período, exatamente em fevereiro, já sob a responsabilidade de Walter Santos e apesar de insistentes alertas deste jornalista. Pura bobagem, porque para Walter Santos era preciso reservar forças para tentar alcançar impacto extraordinário neste mês, diminuindo-se assim o contágio dos 19 anos sob outra direção.
Abriu-se um buraco no cronograma histórico da publicação que jamais se consertará. Sempre faltará uma edição de fevereiro quando se escrever a trajetória de LivreMercado. Essa é uma mancha que deve ser creditada exclusivamente a Walter Santos.
A vacância seria algo como se Ronan Maria Pinto suspendesse durante uma semana a circulação do Diário do Grande ABC, economizasse os custos e, em seguida, fizesse uma grande festa para anunciar o controle das ações. Ronan Maria Pinto não fez evento algum para comemorar a compra do Diário do Grande ABC. Ele investiu muito tempo depois de assumir a empresa numa festa de 50 anos, dos quais apenas cinco estavam sob sua jurisdição.
LivreMercado de Walter Santos não tem nada a ver com LivreMercado de Daniel Lima. Nossa opção sempre foi por jornalismo comprometido com transformações. E continuamos a exercitá-lo nestes tempos, enquanto nos reprogramamos, em nosso blog. “Metamorfose econômica” é série que nos identifica mais e mais com informação qualificada e pouco interessada em construir pontes artificiais de relacionamentos que outros veículos tentaram no passado e buscam no presente sem ter como resposta dignidade editorial.
LivreMercado de Daniel Lima era um veículo de influência. LivreMercado de Walter Santos é um veículo de aparência. LivreMercado de Daniel Lima era um veículo jornalístico. LivreMercado de Walter Santos é um veículo abre-alas de recuperação tributária.
Walter Santos deveria fazer um curso de bons modos e de reconhecimento profissional com Ronan Maria Pinto. A lição da festa dos 50 anos do Diário do Grande ABC lhe seria bastante útil.
Talvez o dono da Best Work não tenha entendido ainda que adquiriu uma marca valiosa, de história respeitada, e não um boteco qualquer. E que por isso mesmo seu comportamento empresarial não ficará imune à transparência pública.
Da mesma maneira que me submeto diariamente à avaliação dos leitores, LivreMercado de Walter Santos ficará sob vigilância editorial deste jornalista. Até para que não venda mentiras como a informação de que “nesta nova fase, a linha editorial ganha reforço também em área como indústria automotiva”. LivreMercado sempre acompanhou o setor automotivo do Grande ABC. Produziu matérias históricas, entrevistas históricas, análises históricas.
O jornalismo do Grande ABC merece um empreendedor menos preocupado com o próprio umbigo. E que não passe recibo de otário de comprar uma marca e, em seguida, egocêntrico, chicoteá-la, maltratá-la e glorificá-la apenas a partir do marco zero sob sua interventoria.
E, para completar: não acredito na qualificação de uma publicação cujo diretor de Redação aparece em quinto plano no expediente, abaixo do presidente, da diretora administrativa financeira, do diretor superintendente e do diretor executivo. A não ser que seja um jornalista de quinta categoria. A julgar pela única matéria que assina na edição entregue ricamente envelopada, o diretor de Redação de LivreMercado não tem faro jornalístico. Ele entrevistou o vice-presidente da General Motors do Brasil, José Carlos Pinheiro Neto. Um texto chinfrim, repetitivo em relação ao que os jornais já publicaram, e deixou passar a boiada de uma declaração perdida no meio da matéria. Pinheiro Neto disse dispor de uma pesquisa que mostra a inviolabilidade da imagem da GM no Brasil, apesar da marca perder lustro nos Estados Unidos, à beira que está da falência. Essa é a grande matéria a ser explorada.
LivreMercado realmente mudou para melhor, conforme escreveu (escreveu?) Walter Santos na “Mensagem do presidente” –espaço tradicionalmente reservado ao editorial e assinado, também tradicionalmente, pelo diretor de redação.
LivreMercado foi desta para uma melhor. Amém.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)