Imprensa

Outros poderosos chefões (4)

DANIEL LIMA - 12/03/2009

A Folha de S. Paulo de ontem, quarta-feira, mostra como a manipulação da informação conduz a conclusões equivocadas de leitores menos atentos ou crédulos em excesso. Tanto a manchete (principal) de primeira página quanto a da página interna poderão facilmente ser levadas às programações televisivas de partidos políticos, porque têm a força de uma meia-verdade e o prestígio de uma publicação recomendada em todas as escolas de jornalismo como exemplo a ser copiado — por mais que o jornalismo impresso diário muitas vezes exiba a altivez e a segurança daquele protagonista do maior sucesso de Vicente Celestino.

Vamos, pois, aos fatos.

Eis a manchete principal de primeira página:

  • ”Queda do PIB no Brasil é uma das piores do mundo”

Agora a manchete da capa do caderno “Dinheiro”:

  • Crise bate mais forte no país e PIB cai 3,6%”.

Qual é o problema de abordagem do material da Folha de S. Paulo para ser rotulado de meia-verdade? Simples, muito simples.

No breve texto de primeira página e nos principais parágrafos da matéria interna, o tom é o mesmo. Reproduzo os primeiros parágrafos da página interna para estratificar o conjunto dessas informações:

  • A divulgação da forte retração da economia brasileira no último trimestre de 2008, 3,6% na comparação com o trimestre anterior, fez ruir o discurso oficial segundo o qual o Brasil seria um dos países menos afetados pela crise econômica global. Se considerado apenas o período de outubro a dezembro, a reviravolta sofrida pelo país foi uma das mais agudas do planeta. Levantamento feito pela Folha com 37 países aponta que apenas cinco — Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia, Indonésia e Estônia — afundaram tão ou mais rapidamente que o Brasil na onda recessiva detonada a partir de setembro. “Estou convencido de que o Brasil sofrerá menos do que qualquer outro país com a crise econômica surgida nos Estados Unidos”, dizia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 10 de outubro. Em dezembro, o ministro Guido Mantega (Fazenda) ainda dizia esperar um crescimento em torno de 3% a 3,5% no último trimestre, na comparação com o mesmo período de 2007 — a taxa porém não passou de 1,3% em uma economia que até então crescia a um ritmo de 6,8%.

Leram atentamente o jornalismo da Folha de S. Paulo. Qual é o problema, então? Simples, a própria Folha responde nos parágrafos imediatamente seguintes, todos desconsiderados na chamada de primeira página, todos secundários na matéria de página interna, todos cartas fora do baralho tanto na manchete principal de primeira página quanto de página interna. Leiam:

  • … Esse ritmo vigoroso da economia brasileira pré-crise ajuda a explicar por que o PIB aqui teve retração mais forte que nas outras grandes economias. Enquanto a expansão ganhava ritmo no país, com alta do PIB em 12 trimestres consecutivos, os Estados Unidos, por exemplo, já viviam recessão desde dezembro de 2007. A parada aqui, por causa do ritmo mais intenso, acabou mais forte também. E o fato de o Brasil ter sofrido uma retração maior do que nos outros países no último trimestre do ano não significa que a crise aqui seja maior. América do Norte, Europa e Ásia registram já recessão em vários países importantes, com previsões mais pessimistas do que as feitas para o Brasil.

Parece mais que evidente que a Folha de S. Paulo tratou de esculhambar com a Folha de S. Paulo. Mas não custa, para eventuais leitores com dificuldades de entendimento, um enredo metafórico.

Imaginem o Brasil um atleta acostumado a aumentar em 5% o ritmo de velocidade de 40 quilômetros por dia durante muito tempo e, por conta de contratempos de saúde causados mais por efeitos externos de poluição do que de uma dieta desleixada, baixe o ritmo para 20 quilômetros diários durante os três últimos meses do ano, com possibilidades de reação discreta nos meses seguintes. Agora imaginem os Estados Unidos e tantos outros países que, descuidados, obesos, reduziram gradualmente a velocidade de 50 quilômetros por hora para menos de 10 quilômetros por hora e não têm perspectivas de recuperação tão cedo. É claro que no último trimestre do ano a perda média de velocidade dos Estados Unidos e de outros países será inferior à apresentada pelo Brasil porque os efeitos do desgaste anterior em contraposição à vitalidade nacional influenciaram decisivamente essa assimetria. 

Pois a Folha de S. Paulo pinçou esse trimestre como o perfil do corredor verde e amarelo até o ponto limite de, constrangida ou não, impedir que o bom jornalismo fosse assassinado ao relatar na parte inferior da matéria os anteparos que jamais poderiam deixar de constar da abertura dos textos e, principalmente, das manchetes.

Às vezes tenho a sensação de que os editores dos grandes jornais brasileiros imaginam que os leitores sejam mesmo um bando de idiotas.



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