Imprensa

Exame despreza Lula

DANIEL LIMA - 27/07/2009

A revista Exame, da Editora Abril, é uma das minhas leituras preferidas. É preciso relativizar o que são leituras preferidas para evitar mal-entendidos. Democrático que sou, culturalmente pendular entre a direita e a esquerda que sou, não tenho por hábito estabelecer juízo de qualidade com base no aparato ideológico. Exame é a melhor revista na especialidade. Está à altura das melhores publicações internacionais. Assino-a há 300 anos. Leio-a avidamente entre outros motivos porque é impossível pontificar em regionalidade sem embrenhar-me em informações nacionais e internacionais.

Exame ajudou-me e ajuda-me a apurar qualificações profissionais. É um espelho que todo jornalista deve mirar — apesar de contrapor-se ao lulismo de forma preconceituosa. Exame é Exame e está acabado.

Diferentemente deste jornalista, Exame lambe Fernando Henrique Cardoso. E para ser coerente, jamais qualquer um de seus jornalistas foi visto no Grande ABC para relatar algo sobre o qual sou especialista — a derrocada econômica determinada pelo ex-presidente, durante oito anos de hecatombe regional.

Exame é uma senhora revista, disso ninguém pode duvidar. Infelizmente, fracassou ao tentar sustentar um filhote metropolitano na Grande São Paulo, como Veja São Paulo, do mesmo grupo editorial. Algo que só fortalece e glorifica os 19 anos de circulação da revista LivreMercado sob meu comando editorial. LivreMercado era uma espécie de Exame do Grande ABC, como diziam os leitores mais assíduos. Hoje é outra coisa.

O que tenho de diagnóstico, então, sobre a revista Exame?
Ora, a edição desta quinzena, sob o título “Voltamos a crescer”. A matéria é longa, substanciosa, convincente e tudo o mais, até porque, convenhamos, o Brasil do governo Lula da Silva vem dando show de bola diante da crise instalada em todos os continentes. Em outros tempos, quando o mundo girava a todo vapor em prosperidade, o Brasil tropeçava nos erros genuinamente nacionais.

Como afirma Exame, transcrevendo uma declaração de um economista, “na comparação com os outros, o preço pago por nós foi pequeno. Incluímos muita gente no mercado de trabalho nos últimos anos e isso não foi afetado de forma radical: essa é a base de nossa volta ao crescimento”.

De cabo a rabo, a reportagem de Exame é um corolário do sucesso da economia brasileira neste momento em que o mundo praticamente inteiro dança a dança de horrores. Executivos, empresários e economistas desfilam elogios à política macroeconômica. “Se o Brasil é hoje um dos melhores lugares para investir no mundo, o Nordeste se transformou num dos melhores lugares para investir no Brasil” — escreve Exame.

Diria que, pinçando aqui e acolá frases do autor da matéria e dos entrevistados, há certo exagero, como se a queda da taxa de investimentos que contratam o PIB (Produto Interno Bruto) de amanhã, não devesse preocupar. Mas tudo bem: em nome de certo triunfalismo comum à Exame, perdoam-se pirotecnias editoriais.

O texto publicado por Exame é o texto com que sonhei escrever sobre o Grande ABC nas duas últimas décadas, retirando-se, é claro, os excessos.

Lamentavelmente, não tive oportunidade. Durante os 19 anos de LivreMercado, comemos o pão que o diabo amassou. A série “Metamorfose econômica”, que já ultrapassa 200 mil caracteres (algo como 60 páginas de formato revista) vem reconstruindo esse período de profundas transformações no Grande ABC. Os profissionais de Exame e de outras revistas de economia são mais felizes, portanto, porque têm matérias-primas para erigir monumentos de recuperação.

Então, o que há de errado na Reportagem de Capa de Exame? Simples, simples e simples: os Civitas não vão muito com a cara do pernambucano Lula da Silva, com as pernas do ex-metalúrgico Lula da Silva, com a língua do ex-candidato presidencial Lula da Silva e parecem não perdoar as vitórias no campo eleitoral e no campo administrativo do presidente Lula da Silva.

Simplesmente, esqueceram os méritos do governo Lula da Silva, do Banco Central e dos ministérios mais diretamente relacionados com a saída rápida do Brasil de uma enrascada internacional. Nenhuma, nenhuminha vez sequer o governo federal surge em cena, mesmo que de passagem, como protagonista da resistência verde-amarela. O Brasil, para Exame, é um País sem governo. Desgovernado não, mas sem governo.

É claro que a reportagem não chegou ao desplante de, além de ignorar o governo federal, entronizar o protegidíssimo antecessor, que, a bem da verdade, colecionou alguns méritos. Nada que ao menos resvalasse nos passivos de uma agressiva internacionalização da economia sob a gelatinosa segurança de uma moeda artificialmente valorizada, entre outros pecados. Posso escrever sem traumas sobre os dois últimos presidentes eleitos, porque votei tanto num quanto noutro em todos os turnos em que chegaram na frente. Diria que se acertasse (sem juízo de valor) nos palpites dos jogos de meu time de coração como nos votos presidenciais, seria campeão cinco vezes por ano.

Escrever sobre a situação atual da economia brasileira sem dedicar um parágrafo sequer às políticas econômicas e sociais do governo Lula da Silva corresponde a ir a um jogo do Corinthians e não reparar ou não dar importância ao tal Ronaldo Fenômeno, camisa nove às costas. Pois a Exame, a venerada Exame, conseguiu cometer esse sacrilégio.

E olha que foi por acaso que me dei conta dessa estupidez editorial porque como disse, leio sem prévio julgamento ideológico, partidário ou de qualquer tipo. Exame conseguiu superar-se no vezo ao governo federal. Nem mesmo quando cita o crescimento do Nordeste menciona a tal de Bolsa Família, uma das razões dos investimentos privados àquela região sempre esquecida.

Vou continuar lendo Exame com sofreguidão, até porque entre as revistas especializadas em Economia e Negócios é imbatível como fonte de informações, embora — e agora faço a ressalva de quem não preciso ser automaticamente preventivo, mas apenas cauteloso — canse a minha beleza com a perseguição burra ao governo federal de plantão, tanto quanto protegia o sociológico de mil e uma trapalhadas.


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