Imprensa

Livre Mercado, que Deus me livre

DANIEL LIMA - 03/09/2009

Deixe-me fazer a seguinte pergunta ao leitor:

 ”Você confiaria sua saúde coronária, abalada segundo o último exame médico, a um urologista?”.

 Mais uma pergunta ao leitor:

 ”Você confiaria sua saúde urológica, abalada segundo o último exame proctológico, a um cardiologista”?

Pode parecer estupidez, mas o disparate é exatamente esse quando se trata da revista Livre Mercado, do contador Walter Santos.

O homem que chefia o setor de vendas da Editora Best Mídia e Marketing, a empresa que Walter Santos inventou para dar cobertura legal à revista Livre Mercado, foi escalado para redigir (com perdão da definição, que obedece apenas à formalidade explicativa) a Reportagem de Capa da edição de agosto. É um trabalho sofrível sobre o Rodoanel que, envelopado com capa que se desdobra graficamente, assemelha-se a um conto do vigário versão editorial.

Para quem não entendeu, repito: quem escreveu a Reportagem de Capa de Livre Mercado de Walter Santos do agosto que se foi é nada menos o diretor comercial –ou seja, o proctologista travestido de cardiologista ou o cardiologista executando funções de proctologista. Para não pegar completamente mal, Cristiano Horcel, o profissional em questão, aparece no expediente como diretor-executivo. É apenas um disfarce. Quem acompanha o dia-a-dia da editora de Walter Santos sabe que a nomenclatura vai muito além. Cristiano Horcel é o segundo mandabrasa da companhia. Ele também trabalhou alguns meses na área comercial de LivreMercado dos meus tempos. Foi, já à época, de uma fidelidade canina… a Walter Santos.

Requisitar os préstimos de urologista para complicações do coração ou de cardiologista para os males urológicos só poderia dar no que deu, porque ou se morre de ataque cardíaco antes da hora ou se entrega inutilmente o traseiro à inspeção desastrada. Quem sofre as dores são os leitores, cobaias do experimento.

Não resisti ao desperdício de tempo compulsório de ler alguma coisa na revista Livre Mercado. É obrigação profissional ler, mesmo quando não se quer ler, porque ler faz parte do jogo crítico. Não formo juízo de valor apenas de orelhada. Uma batida de olhos por algumas páginas já é suficiente para aferir a qualidade de uma publicação. Um bom médico não precisa mais que espiar os olhos do interlocutor para desconfiar de que a saúde anda debilitada. Não é preciso comer o prato inteiro de uma feijoada para conhecer o sabor. Livre Mercado é aquela coisa malfeita que causa indigestão intelectual.

Livre Mercado remete a Nelson Rodrigues — é bonitinha mas ordinária.

A Reportagem de Capa de agosto sobre o Rodoanel é um atentado ao pudor de qualidade. Compará-la com uma Reportagem de Capa dos tempos de LivreMercado sob o meu comando, de minha equipe, também sobre o Rodoanel, seria heresia.

Cristiano Horcel, dizem alguns, andou frequentando faculdade de jornalismo. Dizem até que deixou a academia com o canudo. Sei lá se é verdade e nem quero saber porque, de fato, jornalista não é. É um homem de vendas de cuja competência prefiro não especular. Até uns tempos atrás vendia cosméticos. Talvez esteja aí a explicação para a Livre Mercado se preocupar tanto com a plástica chinfrim. Até aparece num programa de televisão postado no Youtube dando receitas de embelezamento. Quanto ao jornalismo, asseguro que manipula textos com a finalidade explícita de lustrar egos. Como não é do ramo, desqualifica outros jornalistas que eventualmente estejam na Best Work Mídia.

Por exemplo: o sempre solícito Divanei Guazzelli, a quem ajudei a recuperar-se para o jornalismo depois de ser demitido do Diário do Grande ABC, está lá na Livre Mercado. É o último dos moicanos que serviram a LivreMercado dos meus tempos. Esteve comigo menos de um ano, teve a iniciativa de ler todos os meus livros para entender a missão que lhe competia naquela revista que fez história. Uma pena que Walter Santos, Cristiano Horcel e outros mais não tivessem a humildade de Divanei Guazzelli, um profissional esforçado e dedicado. Foge, é verdade, de confrontos. É seu estilo, que respeito. Mesmo com sua personalidade dócil, Divanei Guazzelli teria produzido matéria jornalística menos próxima da bajulação medíocre do diretor de vendas Cristiano Horcel.

Não sei como Walter Santos não encomendou a matéria ao fotógrafo-jornalista Ricardo Hernandes, seu fiel escudeiro na arte de repassar informações privativas. Ricardo Hernandes tem a cara da nova Livre Mercado. Sob encomenda, falou em nome dos conselheiros editoriais da revista quando do coquetel que Walter Santos promoveu em março para anunciar a posse da marca. Walter Santos gosta de gente assim.

Sei que um ou outro leitor pode estar dizendo para os próprios botões que estou a atacar a pobre Livre Mercado por despeito, por inveja, por qualquer desses sentimentos menos nobres. Bobagem. Como já escrevi várias vezes, só tenho a agradecer a Walter Santos por ter assumido uma bomba, a bomba dos valores monetários do déficit da revista Livre Mercado que me deixaram antigos acionistas da Editora Livre Mercado. Mas nem assim, vejam só, nem com o sentimento que alguns podem sugerir que seja de gratidão, nem assim, repito, permito-me a covardia de omitir-me diante daquelas páginas do mais puro amadorismo.

Como já cansei de dizer, Walter Santos teria dado provas de que é realmente um bom negociador se não tivesse feito a aquisição da marca Livre Mercado. Primeiro, porque mudou inteiramente a concepção do produto, que, de combativo, passou a permissivo. Segundo, porque não carregaria o peso de, a cada edição, a revista ser comparada com o passado de glórias do melhor produto editorial regional que o País já contou. O título Livre Mercado não cai bem na roupagem editorial do produto de Walter Santos. Ficaria melhor algo como “Chapa Branca”, “Tudo Cor de Rosa”, “Livre Bajulação”. Tudo isso pode ter gosto duvidoso, mas é o que me ocorre de supetão, inspirado pela qualidade de Livre Mercado. Talvez Walter Santos, se solicitado, seja capaz de criar algo mais adequado. Afinal, ele é a própria essência do novo produto.

Quem tem dúvidas sobre o que foi LivreMercado durante 19 anos não pode deixar de conferir o acervo de minha propriedade, que, aos poucos, estará nestas páginas virtuais. Querem um exemplo: digite depois de ler este texto a expressão “pecados capitais”. Leia a análise e compare com a Livre Mercado destes tempos.

Além do aspecto crítico do qual não abro mão como jornalista, até porque o exerço até com maior intensidade em relação aos meus próprios trabalhos, Walter Santos está longe de merecer admiração. A revista que está produzindo é mentirosa, mentirosa e mentirosa, conforme denuncio em Inquérito Policial instaurado na última segunda-feira com a segurança de quem dispõe de provas materiais para combater a série de absurdos que publicou na edição de agosto.

Walter Santos, repito, é mentiroso, mentiroso, mentiroso. E isso é apenas o que de mais suave se enquadra como adjetivo.

Mas, voltando à Reportagem de Capa de Livre Mercado de Walter Santos, vejam só o que escreveu Cristiano Horcel logo nas primeiras linhas, na abertura, o chamado lide:

  • Os quase 62 km do Trecho Sul do Rodoanel Mario Covas — a maior e mais importante obra viária da América do Sul — deverão ser entregues antes da data prevista no cronograma. Isso é uma tendência contrária a investimentos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do governo federal.

Paro por aqui para uma correção indispensável: embora Walter Santos tenha dito alto e bom som que a Livre Mercado não enveredaria pela política (como se a LivreMercado deste jornalista não tivesse sido boicotada o tempo todo exatamente porque não bandeou jamais para partido algum, e como também se política fosse necessariamente pecaminosa), o texto de Cristiano Horcel é de oficialismo sofrível.

As cores tucanas (e não vai aqui qualquer restrição doutrinária, porque não tenho partido) estão escandalosamente expostas quando se confronta a cronologia do trecho sul do Rodoanel e as obras do PAC. Esqueceu o redator (redator?) que o cronograma do Rodoanel foi refeito tantas vezes, mas tantas vezes, inclusive por governadores tucanos, que os novos prazos são resultado de reconfigurações do calendário. Há décadas se projetam datas às obras. O PAC também de atrasos monumentais seguirá o mesmo roteiro, porque o setor público é assim mesmo, com petistas, tucanos, demos e o diabo.

Espertamente — e isso faz parte do jogo político, ao qual jornalista de fato e competente não se deixa iludir — o governo do Estado vende o mote de antecipação do prazo de entrega. Sempre haverá um Cristiano Horcel da vida a cair na armadilha porque não é do ramo jornalístico sério. Até porque seu negócio é vender publicidade, uma área nobre, mas que não tem nada a ver com jornalismo de verdade. Pelo menos no léxico de empresas de comunicação que respeitam os leitores.

Nesse ponto, e antes dos parágrafos finais, abro parênteses: se alguém tem dúvida do senso crítico apartidário deste jornalista, não precisa ir longe para verificar. Basta acionar o mecanismo de busca deste veículo de comunicação. Digite “Cartas ao Presidente”. Fecho parêntese.

Para completar, a entrevista que encerra a Reportagem de Capa de Livre Mercado, também de autoria de Cristiano Horcel, asfixia a missão jornalística. Comparem as declarações do deputado estadual Orlando Morando que estão nas páginas de Livre Mercado com as declarações do mesmo deputado em entrevista a este veículo de comunicação, sob o título “Morando condiciona sucesso do Rodoanel”. O título da entrevista à Livre Mercado diz tudo sobre o espírito da matéria comercial: “O maior presente das últimas 5 décadas”.

De fato, de fato, nem parece o mesmo entrevistado. A responsabilidade, entretanto,  não é do entrevistado, mas do entrevistador.

Se a Livre Mercado pobre de guerra prefere ficar de quatro para um representante do governo estadual, poupando-o de eventuais constrangimentos porque faria parte do enredo a adocicação do material dito jornalístico, o entrevistado vai cumprir seu papel sem a menor cerimônia.

Agora, como foi o caso deste CapitalSocial, se o deputado é metralhado, no bom sentido, por questões que vão muito além dos fogos de artifício da obra, as respostas naturalmente serão outras. Como o foram.

Em resumo, nas páginas deste CapitalSocial Orlando Morando jogou a bomba da competitividade econômica do Grande ABC no colo dos prefeitos locais. Não diria que esteja completamente certo, mas é uma parte do enredo que Livre Mercado escondeu porque, como diz seu grande condutor, o contador Walter Santos, não está na praça para fazer política. Pois é exatamente o que tem feito. Acredito que os leitores são todos trouxas.

Recorram os leitores mais uma vez ao dispositivo de busca de CapitalSocial, Digitem “Rodoanel” e vejam quantos textos já estão selecionados para consulta. Reparem no conteúdo. Vejam se tem algum parentesco com as lantejoulas da revista de Walter Santos. Para facilitar a vida do leitor, reproduzo alguns parágrafos do texto da coluna “Contexto”, que assinei por nove meses no Diário do Grande ABC, quando ali estive Diretor de Redação. Sob o título “Meio cheio, meio vazio”, encontro naquele texto de 17 de junho de 2004 (portanto há mais de cinco anos) os seguintes enunciados:

  • (…) Quando, entretanto, se coloca na mesa de debates nossa capacidade de oferecer respaldo à reestruturação produtiva, eis que nos deparamos com uma logística interna que assusta os investidores. Não bastassem ruas e avenidas sempre atravancadas em horários em que a velocidade dos negócios faz a diferença, ainda temos de suportar a demora pelas obras do Rodoanel e do Ferroanel que, pior dos mundos, podem tanto nos levar aos céus quanto ao inferno se não forem acompanhadas de completa reforma do Custo ABC que, queiram ou não, tanto nos sangra” — escrevi.

Fui pioneiro no apontamento crítico de que o trecho sul do Rodoanel carrega dupla personalidade, porque tanto pode trazer como levar riquezas do Grande ABC já desindustrializado demais. Mais tarde, especialistas em logística e em processos de produção industrial avalizaram o alerta. Na entrevista à CapitalSocial, Orlando Morando também não refuta a possibilidade. Mais que isso, confirma-a.

É claro que a revistinha de Walter Santos não faz a menor menção a isso. O critério editorial, além de confundir responsabilidade editorial com seletividade comercial, sofre de um mal maior, que é o desconhecimento, a ignorância. Falta-lhe lastro do passado que ajuda a compreender o presente e a balizar o futuro.

Quem acha que passado não serve para nada, deveria conhecer um pouco da biografia de Ben Bernanke, a maior autoridade financeira dos Estados Unidos, titular do FED (Federal Reserve, o banco central). Ele foi mantido no cargo pelo governo Obama porque é o mais importante estudioso da primeira Grande Depressão e suas causas.

A especialidade de Walter Santos é arquivo morto, não memória viva.


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