Imprensa

Beleza valorizada

DANIEL LIMA - 08/09/2009

Não esperava receber email tão ácido e desproposital de um leitor, também conselheiro editorial de CapitalSocial. Tudo por conta de suposto preconceito a profissionais que fazem do ramo da beleza, da cosmética, o ganha-pão. Justamente este jornalista, vindo de onde veio, de pais pobres, de família numerosa, ser acusado de preconceituoso? Isso não vale.

Mas, em vez de lamentar o email, agradeço o remetente por proporcionar esclarecimento que pode ser extensivo a eventuais interpretações semelhantes.

O centro da questão é o texto que escrevi na semana passada sob o título “Livre Mercado, que Deus me livre”. Vou fazer o possível, de agora em diante, para omitir o nome da revista da qual fui criador, gestor editorial e o mais persistente colaborador durante 19 anos. Procurarei não desperdiçar meu tempo com a digitação nominal da publicação que virou revistinha. Vou chamar a publicação, de agora em diante, de “Deus me livre”.

Pois foi na “Deus me livre” de Walter Santos, o contador que recupera impostos, embora nem sempre recupere impostos, que escrevi as seguintes frases, referindo-me ao titular da área comercial daquela publicação, Cristiano Horcel, também redator (redator?) da Reportagem de Capa (Reportagem de Capa?) de agosto último sobre o Rodoanel.

  • Cristiano Horcel, dizem alguns, andou frequentando faculdade de jornalismo. Dizem até que deixou a academia com o canudo. Sei lá se é verdade e nem quero saber porque, de fato, jornalista não é. É um homem de vendas de cuja competência prefiro não especular. Até uns tempos atrás vendia cosméticos. Talvez esteja aí a explicação para a Livre Mercado se preocupar tanto com a plástica chinfrim. Até aparece num programa de televisão postado no Youtube dando receitas de embelezamento. Quanto ao jornalismo, asseguro que manipula textos com a finalidade explícita de lustrar egos. Como não é do ramo, desqualifica outros jornalistas que eventualmente estejam na Best Work Mídia — escrevi.

Pois é: o leitor e conselheiro editorial de CapitalSocial, e também de “Deus me livre”, que deveria estar mais preocupado com questões factuais denunciadas nos últimos tempos por este jornalista envolvendo o comandante daquela publicação, sapeca uma saraivada de críticas a este jornalista.

Deve ter seus motivos contra possíveis preconceitos profissionais, mas escolheu o endereço mais equivocado possível para desabafar um desabafo que respeito entre outras razões porque é transparente, assinado, documentado, mas não aceito porque tropeça na essência da objetividade exposta.

Só não revelo a identidade do remetente eletrônico porque não estou autorizado. Basta dizer que é um dos profissionais do ramo mais respeitados da praça, alguém que possivelmente Cristiano Horcel gostaria de ter sido no ramo.

Mal sabe o remetente eletrônico que há alguns pontos que desbaratinam as acusações contra mim.

Como sou membro de família numerosa que se divide em várias classes sociais, de classe média até a menos favorecida, não perdi jamais o contato e o respeito com o mundo e seus contrastes. Os encontros familiares são sempre uma oportunidade de aferir a realidade daquele microcosmo social.

Saí das profundezas de quarto e cozinha em fundo de fundo de quintal de um endereço na periferia de Mauá para um bairro dito nobre de São Bernardo, embora minha vida seja materialmente modesta. Meu contato com a realidade de incluídos e excluídos sociais é intensa e cotidiana. Resido em um sobrado cuja campainha é acionada insistentemente por pedintes. O mundo dos desvalidos vai todo dia à minha porta.

Meus pais eram modestos sobreviventes deste país. Seu Gabriel fez de tudo na vida. Nos dias mais tenebrosos no Interior de São Paulo era um respeitado amansador de burro, carregava sacos de grãos nas costas e, mais tarde, já em São Paulo, ajudou a abrir o primeiro trecho do metrô, linha Jabaquara. Era um homem de músculos e de sensibilidade. Criou filhos e netos. Chegamos a Santo André no final dos anos 1960 em carroceria de caminhão. Um destino parcial do qual tenho orgulho. Muitos homens que passaram por menos dissabores que o meu pai e que abruptamente foram apeados da classe média preferiram estourar os miolos.

Seu Gabriel permeou tudo isso e outras atividades supostamente menos nobres com a carreira de presidente de Liga de Futebol, de juiz de futebol, de piloto de avião, de motorista de caminhão, de comerciante. Seu Gabriel fez de tudo. É meu grande ídolo. Nos momento de fraqueza, inspiro-me na coragem e no senso de responsabilidade familiar dele. A imagem de meu pai é de um homem simples, pouco letrado formalmente e de um coração imenso. Alguém de personalidade. Expulsou o imberbe e futuro craque Leivinha, então no Linense, aos três minutos de um jogo com o Ferroviário de Araçatuba. Era rígido e justo.

Se tudo isso já não servisse para desqualificar qualquer etiquetagem de elitismo, minha vida profissional de preocupação com responsabilidade social está imantada em vários pontos. Um dos mais emocionantes é a descoberta e a condecoração das “Madres Terezas”. Para agravar ainda mais a inconsistência da acusação, conto com duas sobrinhas que atuam exatamente no ramo do remetente eletrônico. Elas montaram um negócio em que a matéria-prima são cosméticos e toda a parafernália que levanta o astral da clientela.

Em resumo, se há alguém no ramo jornalístico com extremo carinho com a atividade do remetente eletrônico em questão, esse alguém sou eu. É claro que não vou chegar ao ponto de dizer que frequento esses endereços e que os considero vitais para fortalecer-me espiritualmente. Tratar do corpo é uma forma de arrumar as coisas também no âmbito metafísico, porque a autoestima integra a engrenagem de realizações pessoais e em muitos casos é o motor de arranque para decisões importantes. Frequento cabeleireiro apenas uma vez por mês, por motivos mais que óbvios. Há mais de 30 anos dirijo-me ao mesmo endereço.

É por ter o sentimento de fidelidade tão aflorado que fiz a menção ao fato de o errático agente comercial da revista “Deus me livre” infiltrar-se na atividade de cosméticos. Cristiano Horcel confundiu as bolas, como mostra a reportagem que assina na “Deus de livre”. Como no setor de beleza, manipulações desastradas também provocam sérios prejuízos no jornalismo. Os efeitos danosos costumam ser temporários nos salões de beleza e mais longevos aos consumidores de informações.

Como argumento final, derradeiro e insofismável, lembro ao remetente uma das capas históricas da revista LivreMercado sob meu controle, não dessa “Deus me livre”. Na edição de julho de 2002, pautada por mim, a jornalista Vera Guazzelli produziu “A outra face de Diadema”, que revelava pioneiramente o pólo de cosméticos desse Município do Grande ABC, estigmatizado pela criminalidade.

Quanto às demais e sucintas teorizações do remetente eletrônico, sugeriria que mais que uma leitura apressada, se dedicasse a uma demorada reflexão sobre textos em que me refiro à revista “Deus de livre”. Será que é difícil captar a mensagem? Que posso fazer? Só não me poderão rotular de omisso.

Será que “Deus me livre” não é a sinalização de algo mais profundo do que um simples trocadilho?


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