Imprensa

Cada um que cumpra sua parte

DANIEL LIMA - 21/09/2009

Jornalista que desiste da missão de informar porque a parte mais ruidosa da sociedade de interesses na qual vive o engolfou de tal maneira a ponto de sentir-se deslocado como agente crítico é jornalista morto.

Quando deixei o Diário do Grande ABC em abril de 2005, encerrando a pedido da diretoria um mandato de diretor de Redação de nove meses, editei o livro “Na Cova dos Leões”. Reproduzi quase todo o legado da coluna “Contexto”. Foram 152 edições em menos de 300 dias de atividades múltiplas.

“Na Cova dos Leões” foi um trocadilho sarcástico com o nome com o qual fui batizado e aqueles tempos de redação.

Fui explícito na apresentação daquela obra que aos poucos reproduzo nesta publicação com subdivisão temática.

  • “Na Cova dos Leões” é uma obra do acaso. Não me imaginei naqueles meses estar gestando novo livro em forma de coletânea. Desconfiei de que pudesse fazer a troca da roupa esportiva molhada de suor por um terno e gravata apropriados para o cumprimento de agenda social quando decidi reler alguns artigos que recheiam uma das mais de três mil pastas que ocupam quase que totalmente o sótão de minha residência. A imagem de material esportivo de jogging substituída por roupa social é proposital porque o jornalismo impresso diário não passa, aos olhos da maioria, de vestimenta de atleta que deve ir para a máquina de lavar roupa imediatamente após a malhação física. Já os livros lembram indumentárias que, bem cuidadas, só são usadas em situações socialmente mais nobres e, portanto, muito mais longevas.

Tenho muito orgulho daqueles nove meses no Diário do Grande ABC porque jamais me deixei encantar e me subordinar ao status de diretor de Redação. Muito pelo contrário: durante todo aquele período, só atendi a um chamado externo, para proferir uma palestra, porque me concentrei mesmo para valer na execução do planejamento estratégico que concebi para aplicação num período de cinco anos.

Agi durante todo o tempo com a naturalidade de quem sabia que mais dia menos dia retomaria o ritmo de trabalho na revista LivreMercado, reduzido naquele período em função das novas tarefas.

À frente do Diário do Grande ABC, jamais dei-me ao trabalho de identificar e precaver-me contra forças de bastidores que me colocaram no olho da rua. Tenho muitas dificuldades para jogar o xadrez corporativo nem sempre ético nem sempre respeitoso. Requisitos de materialismo e carreirismo jamais me tocaram. Vivo tão intensamente a essência de minha atividade profissional que desprezo idiossincrasias. Aliás, é assim também em minha vida pessoal e familiar. Fujo de futricas. Somente como jornalista, exclusivamente como jornalista, sou invasivo. A função assim o exige.

Afinal, por que retrocedo no tempo?

Porque ainda outro dia minha filha Dannyela, religiosa como a mãe, como o irmão, como a avó, como tanta gente de minha família, me ligou em pleno expediente. Queria saber a razão de não frequentar igreja. De fato, ela já sabia, mas me ligou provavelmente por seguir sugestão de alguém.

Creio que não falei mais que cinco minutos. Fui generoso, franco e atencioso. Disse-lhe que o Deus que frequenta meu coração ainda não me indicou o caminho de um templo, de qualquer templo. E que quando indicar, estarei pronto para atendê-lo.

Disse-lhe também que o Deus de meu coração é sempre lembrado, independentemente de ir até um de seus templos.

Também lembrei que minha missão está sendo conduzida com paixão há 45 anos. E que a melhor maneira de continuar em franco amadurecimento é que todos, ela, o irmão, a mãe, a avó, rezem ou orem para que Deus me dê saúde, discernimento, coragem, humildade e senso de justiça para que possa distinguir o bem do mal, sem deixar de conviver com o bem e com o mal, porque esse é o verdadeiro teste de nossos limites.

Senti um certo tremor do outro lado da linha. Uma filha emocionada e convencida de meus propósitos. Insisti para que todos os familiares que me rodeiam se juntem em orações para que a missão à qual Deus me entregou seja cumprida rigorosamente dentro dos princípios da ética e da moralidade. E que jamais me acovarde diante dos poderosos. Que o caminho da harmonia não seja tolhido pela arrogância e tampouco seja acomodatício à omissão interesseira.

A combatividade do jornalismo e a complacência da religião não se excluem, mas há experiências de flacidez do inconformismo indispensável para alguém que, como eu, não se satisfaz jamais em ser apenas transmissor de informações, optando sempre e sempre pela análise, pelo desvendar de interrogações e pelo destravamento de interjeições manipuladoras.

Por isso, minha prática religiosa é solitária, anônima, recôndita, silente. É um ritual emocionado, verdadeiro, agradecido e misericordioso, mas jamais titubeante sobre minhas convicções profissionais, para as quais sempre deverei estar motivado.

O que mais embala minha carreira é que os erros cometidos perdem de goleada para os benefícios. Mais que isso: aprendi com o tempo que o fígado não pode ocupar o lugar do coração, mas também o coração não pode ser condescendente demais por conta de exageros interpretativos da Bíblia.

Assim como minha filha entendeu minha pregação profissional, acredito que os leitores mais constantes também saberão compreender. Nada diferente da missão individual de cada leitor deste site. O problema para alguns é que a trajetória que escolhi colide frontalmente com o que realizam. Quando nossos caminhos se cruzam, os choques acabam inevitáveis. Mas também abundam situações de convergência. Não esqueço as Madrez Terezas e os Imortais, resgatados de uma sociedade de memória curta e língua cumprida.

Nos piores momentos de minha vida, ano passado, quando o mundo parecia cair sobre mim, jamais me ajoelhei para pedir algo diferente a Deus senão discernimento, humildade, clarividência e força espiritual. Não transferi a Ele meus pecados, não ergui meus braços para questionar nada, não atirei nos ombros divinos o fardo que carregava.

Tenho Deus em meu coração e Ele me conduz. Por isso, todas as noites, peço que não me deixe esmorecer jamais.


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