Imprensa

Quem gostaria de ter acesso
a entrevistas indesejáveis?

DANIEL LIMA - 25/02/2010

Vai depender de manifestação confidencial dos leitores a execução de uma proposta editorial para este site que certamente causará alvoroço em cidadelas indevassáveis a questionamentos. Trata-se do seguinte: que tal série de entrevistas potencialmente indesejáveis com dirigentes públicos, privados, sociais e culturais do Grande ABC?


Explico a diferença entre entrevista consensual e entrevista indesejável.


Entrevista consensual é comum nos meios de comunicação. O entrevistado é procurado pelo entrevistador antes da formulação das questões. Estabelece-se modus vivendi que elimina embaraços. Evita-se, por assim dizer, algo mais contundente. Não necessariamente prevalece ambiente de camaradagem, de levantar de bola, mas também não se aplica o princípio de dente por dente, olho do olho. Entrevista consensual é como divórcio consensual. Estabelecem-se regras de convivência.


Entrevista indesejável é raridade na Imprensa entre outros motivos porque não se realiza de fato. O potencial entrevistado que se sente incomodado acaba fugindo da raia. Não se dignará sequer a responder uma das questões, quanto mais todas. É o jornalismo em formato de divórcio litigioso.


Entrevista indesejável não pode ser confundida com entrevista coercitiva, porque não se obriga o entrevistado a responder. Entretanto, há certa semelhança em nome da responsabilidade social. O entrevistado da entrevista indesejável pode negar-se a responder, sim, mas aí é que entra a novidade que pretendo adotar neste site caso leitores se manifestem favoravelmente à modalidade, sob a garantia de que não revelarei seus nomes.


A diferença entre entrevista indesejável e entrevista coercitiva é que a primeira pode não ser respondida, mas todas as perguntas serão levadas ao conhecimento dos leitores, enquanto a segunda destrói a alternativa de publicar apenas as perguntas e se acomoda no plano de intenções não realizadas e, portanto, descartadas. É o vácuo completo onde deveria existir no mínimo uma repulsa.


Não achamos justo formalizar uma proposta editorial de entrevista coercitiva porque o contraponto é a não publicação das perguntas sem respostas. Preferimos, em último caso, a versão de entrevista indesejável, de perguntas compulsoriamente publicáveis quando não respondidas.


Vou traduzir a suposta barafunda dessa inovação jornalística difícil de operacionalizar na mídia convencional, impressa, mas que não provoca maiores prejuízos espaciais na mídia digital: se leitores deste site se manifestarem favoravelmente à introdução dessa novidade, já na semana que vem enviarei a primeira bateria de perguntas a um entrevistado que se sentirá desconfortável, sem dúvida, porque lhe serão encaminhados pontos de análise sobre os quais provavelmente jamais foi levado a responder.


Há de fato carga de constrangimento em entrevistas indesejáveis, não vamos negar, mas o que será do jornalismo se prevalecerem como prevalecem de forma quase massacrante perguntas adocicadas ou no mínimo digeríveis sem complicações maiores?


É melhor para os leitores contar com todas as respostas de perguntas que não invadam o terreno mais acidentado ou não contar com resposta alguma de entrevistado nada disposto a questionamentos mais ousados?


Confesso que faço esse tipo de sugestão de caso pensado. Isso quer dizer que tenho sim alguns alvos na mira de um jornalismo independente que não se conforma com o estado paquidérmico da institucionalidade do Grande ABC. Tem gente demais em cima do muro da inoperância de classe, mas cuja imagem não sofre abalo diante da consolidada constatação de que estamos de mal a pior nos confrontos com a mobilização institucional de outras áreas do Estado.


Convém ressalvar que, posto em execução esse projeto, só identificaremos com a chancela de entrevista indesejável os casos de escancarada sonegação de respostas. Quem contrapor às perguntas o desdém da omissão será sim identificado neste site, bem como os leitores terão acesso durante muito tempo ao buraco proporcionado pela negativa à entrevista. As perguntas estarão aqui à espera de respostas. Não nego que o sentido implícito da estratégia será o desgaste do entrevistado fugidio. Querem pior castigo que o buraco negro de respostas não emitidas? A emenda soará pior que o soneto, porque a indagação ganhará foro de verdade sólida.


Quem se comportar conservadoramente sobre essa estratégia editorial desconhece a opção preferencial deste jornalista pela transparência. Está num dos trabalhos deste CapitalSocial (Cidadania perde de goleada para BBB) uma entrevista que concedi aos então conselheiros da revista LivreMercado. Na ocasião, me coloquei à disposição na Internet para responder a qualquer tipo de indagação sobre o trabalho à frente daquela publicação que, infelizmente, depois que passou para as mãos inábeis e os olhos gordos do recuperador de impostos Walter Sebastião dos Santos, entrou para a clandestinidade de veículos de comunicação que não se encontram nem mesmo em feira livre. Quem não tem medo da verdade não foge de qualquer pergunta.


Levada adiante, entrevista indesejada será de fato uma grande oportunidade inclusive para, quem sabe, acabar com a desconfiança de que há determinadas figuras do Grande ABC que jamais se quedariam ao jogo democrático da informação independente. Quem sabe eles surpreendam e respondam sem hesitar.


Creio que o pior de tudo de uma suposta entrevista indesejável é indesejável de fato se tornar — sem resposta e colocada à execração pública neste site.


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