É nítido como água cristalina, como a queda dos reflexos do goleiro Rogério Ceni, como a barriguinha de Ronaldo Fenômeno, que o Diário do Grande ABC utiliza-se do movimento dos servidores municipais de São Bernardo, Diadema e Mauá para desgastar o Partido dos Trabalhadores.
Pena que o tratamento jornalístico seja tão primário, razão pela qual desperta suspeita.
A sensação é de que tudo se resolve na superficialidade, que o PT é um patrão insensível como seriam os patrões do passado, excomungados por sindicalistas petistas.
Pode até ser verdade, é bom que se diga, mas a condicionalidade é suficiente para cobrar jornalismo mais preciso, menos reticente. E, portanto, mais esclarecedor.
Até mesmo para que as matérias do Diário do Grande ABC saiam da esfera da perseguição para, eventualmente, ingressar no território da comprovação.
Exige-se apenas jornalismo que esqueça cores partidárias e seja objetivamente explicativo. É isso que se espera da Imprensa em qualquer lugar do mundo. Até mesmo para que a surrada expressão “liberdade de imprensa” não seja cada vez mais “liberdade da empresa”.
O que me move a escrever é o que canso de ponderar informalmente e também nestas páginas digitais: como jornalista que não se conforma com o noticiário rastaquera da maioria dos jornais diários e como assinante do Diário do Grande ABC, tenho a obrigação à manifestação quando desejar.
Não pretendo instituir manual para decifrar o que está por trás de cada parágrafo no jornalismo impresso, porque a missão é tão espinhosa quanto prolongada, mas no que for possível colaborar, colaborarei.
Sou privilegiado, na verdade, porque acredito que muitos outros leitores e assinantes gostariam de dispor de espaço e, sem falsa modéstia, de capacidade de impressão dos pensamentos e dos conhecimentos. Escrever, como se sabe, não é para qualquer um. Assim como cantar, advogar, empreender, chutar o pau da barraca, fazer gols e tantas coisas mais.
Qual é o grande nó jornalístico das matérias do Diário do Grande ABC quanto à movimentação dos servidores de São Bernardo, Diadema e Mauá, todos sob gerenciamento petista? Simples, muito simples: o Diário do Grande ABC não apresenta diagnóstico profundo das peculiaridades orçamentárias de cada Prefeitura em confronto com gastos com a folha de pagamentos dos servidores.
Seriam as reivindicações justas ou estão inseridas num contexto de comprometimento da capacidade de investimentos sociais das prefeituras às quais os trabalhadores estão vinculados?
Se se dobrarem às reivindicações salariais as prefeituras petistas não poderiam sofrer as mesmas acusações de liberalidade que sofre o governo Lula da Silva, que retirou o funcionalismo federal do congelador de oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso?
Qual foi a política de recursos humanos dos antecessores dos atuais prefeitos de São Bernardo, Diadema e Mauá?
Está certo que os petistas que administram os três municípios pagam o pato da herança reivindicatória dos sindicalistas que se mobilizaram com extremismos para retirar as relações trabalhistas do Grande ABC da senzala ocupacional. Mas, mesmo assim, mesmo considerando que há ônus do passado a cobrar a fatura no presente, não se deve impor críticas ou ressalvas aos petistas no governo exclusivamente pelo passado.
Dar substância aos dados orçamentários do presente é a melhor resposta que o Diário do Grande ABC ofereceria aos leitores, em vez do panfletismo.
Teriam ou não as prefeituras de São Bernardo, Diadema e Mauá condições de atender às demandas dos funcionários públicos?
Quais as explicações para a briga de foice no escuro de bloquear qualquer decisão que possa acrescentar mais custos salariais do funcionalismo?
Quais são os números oficiais de cada Município para fortalecer posicionamento das administrações municipais?
Como se constitui a grade de vencimentos do funcionalismo público de cada Município, distribuindo o contingente entre variadas faixas salariais para se alcançar algo que poderia ser espécie de tabela para a medição de privilégios e discriminações?
Não seria melhor ter estas e outras respostas para editorializar o noticiário?
Presidente do Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto perdeu uma grande oportunidade de minimizar os erros cada vez maiores de uma Redação em frangalhos. Bastava, entre outras medidas, que tivesse mantido o Conselho Editorial de 101 membros que lhe deixei de herança quando ali estive no comando da publicação, durante longos nove meses.
Vários daqueles conselheiros poderiam ser chamados a colaborar tanto em assuntos de gestão pública quanto de outros temários. Aliás, foram escolhidos exatamente para isso. Ao descartá-los, o Diário do Grande ABC fez clara opção pela arrogância do noticiário.
O Diário do Grande ABC é um veículo órfão de profundidade jornalística tanto quanto outros jornais diários mais representativos. A diferença é que está longe de contar com algo razoavelmente bem sedimentado em textos.
Por isso mesmo o noticiário burocrático sobre a crise dos gerenciadores petistas locais no relacionamento com o funcionalismo público, entre outras abordagens, escancara as deficiências.
A bem da verdade, também nenhum outro veículo de comunicação da região, convencionais ou digitais, tem dado tratamento competente ao assunto. A diferença é que não mergulharam no partidarismo político do Diário do Grande ABC.
Algumas informações que repasso na sequência podem acrescentar farol de milhas às lanternas em pane elétrico que direcionam a cobertura do Diário do Grande ABC.
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, quem detinha a maior média de vencimentos salariais públicos no Grande ABC em 2008 eram os servidores de Santo André, com média de R$ 2.834,08. Antes que a gestão de Aidan Ravin seja canonizada, porque o que não falta na praça é gente para soltar fogos a qualquer movimentação que resvale em confronto partidário, convém repetir que se trata de dados de 2008. Portanto, antes de Aidan Ravin tomar posse.
Sabem os leitores que Prefeitura ocupa a segunda posição em média salarial do funcionalismo público? São Bernardo, com R$ 2.617,92. As demais prefeituras, na sequência: Diadema com R$ 2.447,96; Mauá com R$ 1.775,04; São Caetano com R$ 1.663,56; Rio Grande da Serra com R$ 1.034,86; e Ribeirão Pires com R$ 959,59.
É indispensável, de posse desses números, dar elasticidade a série de questões que ultrapassam em muito os limites que atravancam o noticiário baseado única e exclusivamente nas reivindicações dos respectivos sindicatos de servidores. Exceto Santo André, os três municípios que em 2008 registraram as melhores médias salariais da categoria são exatamente os que estão sob o fogo cruzado do Diário do Grande ABC.
Faço, entretanto, uma ressalva em nome da cautela: os números em questão, que, repito, constam do banco de dados do Ministério do Trabalho e Emprego, podem estar enxertados por rendimentos de funcionários públicos não necessariamente municipais. Instâncias estaduais e federais, sobretudo do Judiciário e do Ministério Público, poderiam estar incluídos. O site do MTE não oferece a certeza de que consta dos dados apenas o funcionalismo público municipal. Há indícios de que sejam apenas funcionários públicos municipais.
Muito dificilmente a possível participação de funcionalismo público estadual e federal subverteria o quadro a ponto de mascaramento de dados. A massa de funcionalismo público municipal é expressivamente superior, o que, portanto, ameniza eventuais distorções nas médias apontadas.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)