O Diário do Grande ABC está completando 52 anos de circulação, considerando-se o período de News Sellers. Este 11 de maio é particularmente importante para o presidente da companhia, Ronan Maria Pinto. A data simboliza mais uma temporada de controle acionário de um veículo que, a serviço da oposição política em Santo André, contribuiu bastante para botar o então aliado petista na cova dos leões do caso Celso Daniel. Comprar o Diário do Grande ABC era uma das metas sagradas do empresário para reposicionar-se socialmente na região. Pena que, desde 2004, quando assumiu a empresa, a qualidade editorial já fragilizada do Diário do Grande ABC tenha desmilinguido de vez. Tanto que agora frequenta a Série D do Campeonato Brasileiro de Imprensa.
Sem perder muito tempo, porque o dia é longo e os compromissos extenuantes, tomo a liberdade de elencar o que chamaria de Sete Pecados Capitais do Diário do Grande ABC destes últimos tempos, os quais, de fato, agravaram a situação pretérita, sob direção de antecessores. O Diário do Grande ABC antes de Ronan Maria Pinto era mais qualificado, mesmo que impreciso, mesmo que tendencioso, como todo jornal neste País de falsa liberdade de expressão.
Basta recorrerem à leitura de vários capítulos do livro “Meias Verdades”, reproduzido neste site, para se ter idéia do quanto o Diário do Grande ABC fraudou a expectativa de quem pretendia ver a região mais sólida em informações e análises. Portanto, imputar exclusivamente a Ronan Maria Pinto o estado atual do jornal é incidir em flagrante injustiça. Ronan Maria Pinto apenas agravou o quadro de septicemia informativa.
Meias Verdades, a obra que lancei num primeiro de abril de 2003, abrange parte do período em que o Diário do Grande ABC mais investiu na redação, em meados da última década do século passado.
Foi o canto do cisne dos então acionistas. Eram, inegavelmente, tempos de um Diário do Grande ABC muito mais prospectivo, provocativo, participativo e combativo. Tempos em que a redação ganhou proeminência no organograma da organização que sempre preferiu privilegiar a direção comercial. O Diário do Grande ABC relegou historicamente tanto a redação que se tornou um mantra dos diretores a fraseologia gataborralheiresca de que supria a demanda por talentos dos jornais da Capital. O jornal era uma extensão do curso de jornalismo da Metodista.
Apesar de tudo, seria burrice minimizar a importância do Diário do cenário regional. Tanto quanto sacralizá-la.
A “biografia” do Diário do Grande ABC pode não ser tão brilhante como muitos pretenderam fazer crer, mas é importante até mesmo para sustentar contrapontos de quem, como este jornalista, não se conforma com prato feito e jamais se dobrou à farra do boi do “pra frente Grande ABC”, inclusive quando da aquisição do controle acionário da Editora Livre Mercado pela empresa sediada na Rua Catequese. Mantive a linha editorial da revista LivreMercado distante da agenda triunfalista do Diário do Grande ABC.
Vamos, então, aos Sete Pecados Capitais do Diário do Grande ABC sob o controle de Ronan Maria Pinto:
Representatividade – Já se foi o tempo que o jornal era a última palavra regional no que se convencionou chamar de Quarto Poder. A diversidade de opções da imprensa impressa e da imprensa digital combinada com a fragilização do produto tornou o Diário menos influente e menos respeitável. O leitor passou a ter a possibilidade de confrontar informações. A crise empresarial que assombrou o Diário do Grande ABC nos últimos 15 anos, alinhadíssima com as grandes mudanças tecnológicas, sociais, econômicas e culturais de um novo mundo de mídias, pegou-o no contrapé da imprevidência e de disputas internas incontornáveis. A classe política, principalmente, o temia. Agora, há fortes resistências inclusive em ceder os anéis para salvar os dedos, casos específicos das administrações petistas de São Bernardo, Diadema e Mauá. Antes, nem os anéis se colocavam em dúvida.
Respeitabilidade – Se no passado o Diário do Grande ABC ainda detinha tecnologia marquetológica que inflava a importância social e principalmente a qualificação editorial, de uns tempos a esta parte nem isso sobrou. O jornal perdeu a embocadura para vender-se como produto único nesse território. A concorrência de menor porte mas atentíssima às demandas da sociedade tratou de espicaçá-lo com mais arte do que imagina quem está na torre na Rua Catequese e observa com arrogância tudo que se esparrama pelos sete municípios.
Conhecimento – Há muito tempo o Diário do Grande ABC é uma feira livre de informações desconexas e inconsistentes, quando no passado, mesmo com vieses partidários, econômicos e ideológicos, e principalmente com acentuada vocação ao triunfalismo de caixa registradora, apresentava-se todas as manhãs em forma de coleção razoável de reportagens de valor informativo. A política de chão de fábrica de apertadores de parafuso instaurada na redação é a melhor explicação para tamanho rebaixamento. Seria demais esperar que um jornal dirigido por quem não entende de jornalismo e nem suporta a ideia de que deva dar liberdade a profissionais competentes tivesse outro destino. Jornalismo não é competição de futebol na qual os talentos brotam em cada esquina e numa única temporada é possível substituir a decepção de um rebaixamento à Série B do Campeonato Brasileiro por uma decisão de Série A do Campeonato Paulista. Há mais segredos entre um parágrafo e outro do que imagina um simples noviciado na atividade.
Comprometimento – Se no passado do quarteto fundador do Diário do Grande ABC havia comprometimento com o futuro do Grande ABC, mesmo com manobras nem sempre eticamente suportáveis porque é assim em todos os lugares do mundo da mídia, o Diário do Grande ABC destes tempos está expressamente relacionado com interesses mercadológicos rasos. Nada ou praticamente nada que fuja ao raio de ação direta ou indireta do vetor empresarial consta da alça de mira de abordagens substantivas da publicação. O partidarismo político sem comedimento que se implantou na linha editorial em favor de tucanos e aliados prova e comprova que o presidente da empresa, antes acusado de beneficiar-se dos governos petistas como fornecedor de transporte coletivo, é extraordinariamente eclético na arte do pragmatismo, embora o faça de forma tão caricatural.
Autonomia – O mergulho econômico-financeiro que o Diário do Grande ABC vivenciou a partir do começo dos anos 1990, quando começava a esfarelar-se a unidade do quarteto fundador, culminando com a tomada da Bastilha por Ronan Maria Pinto, dobrou os joelhos de independência da publicação. Há muito o jornal que ajudou a amalgamar a sociedade do Grande ABC, para o bem e para o mal, deixou de ter a importância relativa que ostentava com solidez estrutural e que o afastava com certo pudor de mesquinharias palacianas. O jornal tornou-se contraditoriamente senhor e escravo de grupos de pressão política, infestados por empresários sanguessugas do Estado. No passado, depois de consolidado, o Diário do Grande ABC dava as cartas e jogava de mão, mesmo que o contexto político-econômico não permitisse maiores vôos editoriais.
Autenticidade – Quem não dispõe de sustentabilidade econômico-financeira para suportar os solavancos orçamentários e, por isso mesmo, tem de recorrer a maior exposição, acaba por ver o poderio editorial fragilizado. E a subsequente vítima desse processo, que atinge principalmente os leitores que passam a comprar gato por lebre, é a autenticidade da informação. Entenda-se autenticidade de informação como algo o mais próximo possível da realidade, sem espasmos ou golpes sujos de infiltrações arbitrárias e deletérias. O Diário do Grande ABC que recebo a cada manhã me parece cada vez mais desbotado. Aqueles que o representam editorialmente talvez tenham consciência disso, porque forçam demais para vender com exageros determinadas questões cujos protagonistas são sempre os mesmos. O Grande ABC virou uma terra estranha de mocinhos e bandidos rigorosamente divididos em cromos identificadores de agremiações partidárias.
Liderança – A parte mais visível de uma embarcação editorial que já não navega em águas plácidas e, mais que isso, observa que há concorrentes a ameaçar constantemente a veracidade das informações que publica, é o questionamento dos leitores mais apetrechados. Qual seria o grau de confiabilidade que desperta o Diário do Grande ABC destes dias? A pesquisa não deveria ser direcionada apenas a leitores e assinantes. É preciso ouvir também ou principalmente quem abandonou o barco não só movido pelas facilidades da Internet como, principalmente, porque não conseguiu mais ser surpreendido a cada manhã por um produto minimamente moderno e confiável. O Diário do Grande ABC cheira a provincianismo dilacerante. O “Editorial” grandiloquente deste 11 de maio é a sequência irritantemente desprezível de textos que se repetem a cada edição naquele espaço que, concordassem ou não os leitores, tornou-se emblemático de peças-chave de previsibilidade (no bom sentido do termo) e de enraizamento que a publicação pretendia representar — e muitas vezes de fato representou.
Àqueles que recorrerem ao clichê manjadíssimo de simplificação desclassificatória de que não estou respeitando o prato em que comi, por ter estado no Diário do Grande ABC durante 16 anos e ocupado ali todos os cargos possíveis, a resposta é simples e direta: meu compromisso com o jornalismo é tão ensandecidamente anormal para estes tempos interesseiros que não troco uma análise fundamentada por nada deste mundo.
Além disso, só comi no prato aventado porque ofereci a recíproca de muito trabalho, de dedicação completa de profissional que sempre sonhei ter na Editora Livre Mercado, maior e mais fértil experiência de meus 45 anos de jornalismo. Quase tanto tempo quanto o de circulação do Diário do Grande ABC. Com a vantagem de não oferecer aos críticos a menor possibilidade de escreverem algo como “Meias Verdades” sobre minha carreira.
Total de 1893 matérias | Página 1
06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)