Localizada na órbita de São José dos Campos, epicentro do Vale do Paraíba, Jacareí tem bons motivos para acreditar que o ritmo do desenvolvimento econômico será intensificado de forma sem precedentes dentro de poucos meses. A principal novidade que promete tonificar o desenvolvimento sustentado da cidade de 200 mil habitantes não vem da iniciativa privada -- como indica o retrospecto do boom econômico do Interior paulista. É o Poder Público que está se pondo na dianteira para fazer Jacareí ingressar no restrito grupo de municípios brasileiros que adotam instrumento de planejamento urbano e econômico conhecido no jargão da administração pública como plano diretor. O PD acaba de ser elaborado após um ano de trabalhos internos da Prefeitura e deve ser implementado até agosto de 2002, depois de discutido com a comunidade e aprovado pela Câmara de Vereadores provavelmente em julho, se tudo ocorrer como planeja o prefeito Marco Aurélio de Souza, do PT.
É fácil compreender o motivo pelo qual um plano diretor se converte em plataforma para o desenvolvimento sustentado de uma localidade. O PD disciplina a ocupação do território municipal da mesma forma que o código civil regula a vida em sociedade e as leis de trânsito dispõem sobre o proibido e o permitido nas ruas e estradas. Um plano diretor eficiente vai muito além da definição de áreas industriais, comerciais e residenciais, pois aprofunda a abordagem e distingue, dentro da área industrial, espaços específicos de acordo com a atividade fabril. Dessa forma, evita eventuais problemas decorrentes da convivência próxima entre empresas que em comum só tenham o fato de pertencerem ao segmento secundário. "Como uma fabricante de produtos químicos e uma de produtos alimentícios" -- exemplifica o prefeito Marco Aurélio.
Ao estabelecer regras claras para a ordenação física das mais diversas atividades produtivas, o PD sinaliza com estabilidade e garantia para o setor empresarial. Afinal, a existência de um projeto econômico-urbanístico oficializado pesa na balança das decisões locacionais assim como a oferta e o custo de mão-de-obra, o preço do espaço físico, proximidade do mercado consumidor, isenção de impostos e outras variáveis que compõem as chamadas vantagens comparativas.
Apesar dos benefícios explícitos, menos de 10% dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros contam com plano diretor. E muitos dos poucos existentes são obsoletos e estão desfocados da realidade das cidades que deveriam atender. Observado pelo prisma do plano diretor, o Brasil é extremamente desordenado. É desse cenário nacional desorganizado que Jacareí pretende emergir nos próximos meses. "Hoje temos uma colcha de retalhos. A implementação do PD representa acima de tudo transparência na ocupação espacial" -- argumenta o secretário de Finanças, Silvio de Oliveira Serrano.
404 quilômetros quadrados -- Além de proporcionar transparência, a adoção do plano diretor permitirá disponibilizar para ocupação industrial uma imensidão de espaço ocioso espraiado em torno das áreas mais densamente ocupadas. O prefeito Marco Aurélio de Souza abre mapa tamanho família sobre a mesa do gabinete para mostrar que apenas 14% da imensa área de 470 quilômetros quadrados do Município é considerada urbana. Há, portanto, enorme potencial representado pela área rural de 404 quilômetros quadrados que pode ser destinada a endereços industriais. O PD tem como missão desencadear um ciclo virtuoso no qual o Poder Público acenaria com o enquadramento legal dos novos espaços e empreendedores privados investiriam em condomínios industriais dotados de infra-estrutura.
Ao considerar o espaço que deve ser colocado à disposição de indústrias, o prefeito desabona a alegação baseada no quadro ocupacional vigente segundo a qual Jacareí não dispõe de grandes áreas para crescer. "A falta de um plano diretor é fator que inibe o crescimento. Disponibilidade de espaço e estabilidade institucional são imprescindíveis para atrair novos investimentos" -- enfatiza Marco Aurélio. Aprovado da forma que se pretende, o plano diretor potencializará a utilização espacial de um dos municípios mais extensos do Estado. O território de 470 quilômetros quadrados equivale a praticamente metade dos 840 quilômetros quadrados ocupados pelas sete cidades do Grande ABC, incluída a área de mananciais que cobre 50% do total da região.
O entusiasmo que Marco Aurélio de Souza demonstra em relação a um instrumento flagrantemente voltado ao adensamento do tecido industrial surpreende pelas circunstâncias. Afinal, a constatação de que tornou-se indispensável operar transformações estruturais para atrair donos do capital e mais indústrias vem de político cujo partido criado no seio do movimento sindical tem se mostrado muito mais afeito a ações corretivas de cunho social do que a atitudes preventivas de desenvolvimento econômico.
Pois quem expõe a aparente contradição ao prefeito não recebe evasivas como resposta. Com transparência desconcertante para quem está acostumado a enrolações típicas de boa parte dos políticos brasileiros, o petista Marco Aurélio vai direto ao ponto. "Eu quero o capital em Jacareí para socializar a riqueza. Não quero socializar a pobreza" -- afirma o prefeito, que assumiu o Executivo municipal depois de dois mandatos como vereador. Aos 41 anos, Marco Aurélio é funcionário licenciado (e não-remunerado) do Banco do Brasil e construiu carreira política com apoio da comunidade católica local.
Em se tratando de prevenção à exclusão social, o dirigente coloca o desenvolvimento econômico sustentado no mesmo patamar de importância das atividades artísticas e culturais priorizadas pela Prefeitura para mobilizar a atenção dos jovens. "A falta de condições financeiras e de opções saudáveis de entretenimento impele à criminalidade na mesma medida" -- acredita o prefeito, preocupado com os números de homicídios. Foram mais de 200 vítimas no acumulado de 2000 e 2001. "A falta de segurança ostensiva é um dos fatores. Jacareí tem um policial militar para cada mil habitantes, enquanto a média do Estado é de um para 400 habitantes" -- observa. O PD é antiga aspiração das lideranças empresariais de Jacareí. Mas dependia da sensibilidade e da disposição do Poder Público para virar realidade.
Suporte do Ciesp -- A implementação do plano diretor é levada a cabo pelo Poder Público, mas a concepção do projeto é fruto de reivindicação dos industriais por intermédio do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de Jacareí. Antes da eleição de Marco Aurélio de Souza, o Ciesp entregou aos candidatos ao Executivo documento com cinco pontos prioritários para a administração que seria empossada em 2001. A necessidade de adoção de plano diretor era um dos pontos cardeais. "A cidade cresceu desordenadamente. É preciso contar com instrumento jurídico que permita pôr ordem na casa daqui para frente" -- destaca Sebastião Rodrigues, diretor-titular do Ciesp naquela ocasião e atualmente à frente de empresa especializada em assessoria para localização empresarial, sediada em São José dos Campos.
A implementação do plano diretor descortina horizonte expandido de novas empresas, empregos e incremento na arrecadação. Marco Aurélio Rodrigues não arrisca a quantidade de novas indústrias que devem ser atraídas para a cidade nos próximos anos, mas está certo de que Jacareí vai crescer como nunca a partir do momento em que o vasto estoque de novas áreas estiver disponível para empresas. "Se Jacareí cresceu sem plano diretor, imagine o salto que dará quando dispuser de planejamento espacial consolidado" -- confia o hoje consultor. "Contaremos com instrumento importante para quem está em busca de onde investir" -- argumenta o assessor da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Turismo, Maurício Pelóia, empreendedor do setor cerâmico que já foi diretor-titular do Ciesp.
O prefeito Marco Aurélio de Souza tem razão quanto ao estágio alcançado pela cidade. Jacareí ocupa a 19ª posição entre os 645 municípios paulistas no ranking de riqueza estadual com base em geração de Valor Adicionado, que representa a produção no cálculo de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). De acordo com o levantamento mais recente, relativo a 2000, Jacareí contribuiu com 0,8278% de todo o Valor Adicionado gerado no Estado, estimado em R$ 2.184.519.027. Ficou encostada em São Caetano, no Grande ABC, e logo à frente de Taubaté, Piracicaba, Limeira e Americana.
A arrecadação de Jacareí girou em torno de R$ 140 milhões em 2001, dos quais cerca de R$ 60 milhões referentes a repasse de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Para 2002 a Secretaria de Finanças estima R$ 160 milhões. A diferença de R$ 20 milhões seria alcançada com aumento de arrecadação de ICMS, IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ISS (Imposto Sobre Serviços), de acordo com o secretário de Finanças, Silvio de Oliveira Serrano.
O parque industrial é composto de empresas como Lanobrasil, Freudenberg, Adatex, Pegaso e Rhodia Poliamida, todas do ramo têxtil; Cognis, Fademac, Rohm and Haas Brasil, Sud-Chemie Brasil e White Martins Gases, do setor químico; Grupo Inepar, IKK do Brasil, Imasa Máquinas Agrícolas, Latasa, Latapackball e Schrader Bridgeport, na área metalúrgica. Jacareí sedia também a Cebrace, fabricante de vidros, as cervejarias Kaiser e Brahma, a Gates do Brasil, na área de artefatos de borracha, e a VCP (Votorantim Celulose e Papel).
A VCP de Jacareí é protagonista do maior investimento privado da cidade e um dos maiores do País. A unidade do conglomerado liderado por Antônio Ermírio de Moraes recebe investimento de US$ 600 milhões para aperfeiçoamento do processo produtivo e elevação da produção de celulose das atuais 450 mil toneladas/ano para 850 mil toneladas/ano. "A duplicação da capacidade produtiva será atingida em janeiro de 2003" -- afirma o gaúcho Carlos Monteiro, gerente-geral de Engenharia de Projetos da VCP, uma das maiores empregadoras da cidade com 900 funcionários -- outros 300 serão agregados ao término do projeto de expansão. A VCP só perde para a Prefeitura, a campeã, com quatro mil funcionários, que absorvem 52% da arrecadação.
A VCP conta com quatro unidades de papel e celulose no Estado. A decisão de investimento na planta de Jacareí foi estimulada pelo Poder Público com incentivos como isenção de ISS (Imposto Sobre Serviços) relacionado aos trabalhos de construção civil. Que não são poucos. A empreitada mobilizou mais de mil operários. Em contrapartida, a Prefeitura exigiu que parte dos operários fosse contratada da própria cidade.
Se o segmento industrial atingiu estágio avançado de desenvolvimento, o mesmo não se pode afirmar do setor comercial. Em Jacareí o pequeno comércio de rua ainda reina soberano porque a cidade não dispõe de shopping center. A ausência de um templo de consumo no Município que figura entre os 20 maiores do Estado mais rico da Federação está relacionada à proximidade de apenas 20 quilômetros de São José dos Campos, que soma cinco grandes shoppings.
Entre Rio e São Paulo -- O desenvolvimento industrial de Jacareí ao longo das últimas décadas encontra explicação na tese acadêmica em voga nas escolas de administração e negócios segundo a qual o florescimento das cidades está sempre relacionado à proximidade de recursos logísticos como portos, ferrovias e rodovias. Jacareí tornou-se uma das principais economias paulistas em razão da localização privilegiada à margem da Rodovia Presidente Dutra, uma das mais antigas do País e que liga São Paulo e Rio de Janeiro. É por estar no meio do caminho das principais metrópoles brasileiras que Jacareí cresceu acima da média. Como se sabe, o Sudeste brasileiro é responsável por 60% da geração de riqueza do País, e desse naco majoritário a maior parte gravita em torno das Capitais cortadas pela rodovia privatizada com o nome fantasia NovaDutra.
Proximidade com o mercado consumidor representava vantagem comparativa inalienável em meados do século passado, mas deixou de ser fator preponderante de sucesso empresarial com a queda da importância dos custos dos transportes no cômputo do preço dos produtos. É claro que reduzir despesas ligadas ao deslocamento de produtos e serviços continua sendo importante -- e as inovações constantes do segmento de logística de transportes são prova disso -- mas a necessidade de estar colado ao mercado consumidor virou pó com o passar dos anos em consequência da criação de novas estradas e rodovias, do desenvolvimento de equipamentos de transporte mais rápidos e econômicos, além da ampliação do valor agregado de muitos produtos, que reduz a importância relativa da variável transportes.
É por reconhecer a impossibilidade de depender exclusivamente da condição logística no limiar do século XXI que o prefeito Marco Aurélio de Souza se empenha na implementação do plano diretor. "Vamos adicionar instrumento de ordenação espacial a uma herança locacional que sempre nos favoreceu" -- anima-se o dirigente público.
Ações estruturadas de marketing também integram o escopo para atrair novos investimentos. A Prefeitura promoveu licitação para contratar empresa de publicidade incumbida de propagar as oportunidades geradas pelo plano diretor a potenciais investidores. Além do serviço especializado, a Prefeitura conta com parceria valiosa do Ciesp, considerado como uma mídia espontânea por Marco Aurélio. "Quanto mais forte for o parque produtivo, maior a oportunidade de ganhos de eficiência e produtividade através de negócios entre empresas no mesmo território -- observa Mário Del Nunzio, diretor-titular do Ciesp que assumiu em setembro de 2001.
A massa crítica do Centro das Indústrias torna adequada a qualificação de mídia espontânea. A instituição agrega quase uma centena de associados entre as cerca de 200 indústrias de Jacareí. Mas a representatividade dos associados na produção industrial da cidade atinge 90% porque as maiores empresas estão associadas, além de dezenas de micro e pequenos negócios. Além de Jacareí, a abrangência do Ciesp estende-se aos municípios vizinhos de Santa Branca e Igaratá.
"A grande vantagem de Jacareí é a pulverização da atividade industrial em diversos segmentos" -- opina Mário Del Nunzio. "Jacareí não é como o Grande ABC dos automóveis, Americana dos produtos têxteis e Franca dos calçados, entre outros exemplos onde a produção está ligada predominantemente a setores específicos. A diversificação deixa a cidade menos vulnerável aos efeitos socioeconômicos negativos de grandes impactos setoriais ditados por fatores externos" -- argumenta o diretor-titular do Ciesp.
A ruptura mencionada por Mário Del Nunzio diz respeito tanto à reorganização de cadeias produtivas gerada por choques de competitividade internacional como às plásticas que o Grande ABC e Americana se submeteram para adaptar-se à globalização econômica. Sem falar em variáveis incontroláveis como os atentados terroristas que colocaram nuvens negras no horizonte da aviação civil e que afetaram a vizinha Embraer, obrigada a cortar 1,8 mil empregados.
"Nosso produto industrial está dividido entre grandes empresas dos ramos químico, têxtil, de bebidas, celulose e papel, além de várias especializações em metalurgia que vão de autopeças até latas de alumínio para refrigerantes. Além disso, Jacareí conta com centenas de pequenas empresas, que de pequenas só têm o porte enquadrado conforme o número de funcionários" -- conta Mário Del Nunzio.
Entre os pequenos no porte mas grandes nos serviços estão pratas-da-casa como a Danil Maquetes, criada em 1978. Com 30 funcionários, a Danil é peça-chave nas estratégias de prospecção comercial da Embraer. Sua especialidade é produzir artesanalmente -- com exatidão de escala dimensional -- miniaturas de jatos em fibra de vidro expostos ao redor do mundo em feiras internacionais. "Da qualidade de nossas maquetes depende, em grande medida, a assinatura de contratos milionários de fornecimento para as principais companhias aéreas do mundo" -- explica o diretor David Leite, que criou a Danil depois de trabalhar por quase 20 anos na área de modelagem da Embraer.
É para incentivar o ecossistema socioeconômico formado por grandes empresas de atuação internacional e pequenas notáveis de suporte local que o Poder Público aposta agora no ordenamento do espaço produtivo engendrado pelo plano diretor.
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