Era uma vez uma pequena cidade-dormitório da Grande São Paulo, parada do trem de subúrbio da Sorocabana, que decidiu declarar guerra contra a maior cidade do País para crescer. Há 15 anos, a Prefeitura de Barueri apelou para a redução de alíquotas do ISS (Imposto Sobre Serviço) para atrair empresas da vizinha São Paulo, onde o ISS era de 5%. Para tanto, reduziu o imposto para taxas que chegam 0,5%. O tempo passou, Barueri cresceu e hoje sequer está preocupada com projeto que tramita no Congresso para limitar a 2% a alíquota mínima do ISS. Com condomínios empresariais e residenciais do porte de Alphaville e Tamboré, a cidade tem hoje orçamento equivalente ao de Osasco, a maior cidade do oeste da Grande São Paulo, mas com população três vezes maior. O prefeito de Barueri, Gilberto Macedo Gil Arantes (PFL), acredita que, caso aprovada, a nova lei não causará impacto para o município. Sua preocupação está voltada para uma nova onda de desenvolvimento que Barueri poderá viver com a chegada do Rodoanel.
O prefeito Gilberto Arantes talvez seja o mais feliz do Brasil e motivos não faltam. A cidade tem a sétima maior arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado de São Paulo, orçamento de R$ 418 milhões, nenhuma dívida ou precatório e conta com apoio de todos os 19 vereadores da Câmara Municipal. Quando deu o primeiro tiro da guerra fiscal, em 1987, o orçamento da cidade era de R$ 56,6 milhões em valores atualizados. Gilberto tem a cabeça tranquila para pensar no futuro do Município que administra há cinco anos, pois foi reeleito com 90,24% dos votos em 2000. A causa de tanta felicidade é a chegada contínua de empresas atraídas pela baixa tributação, a começar pelo ISS, que tem taxas pouco acima de zero durante período de 10 anos. O IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), outro fantasma fiscal das empresas, em Barueri tem valores simbólicos.
A baixa tributação exerce o poder mágico de atrair investimentos para a cidade. Em 1997, Barueri somava 9.731 empresas, das quais 740 indústrias, 3.432 estabelecimentos comerciais e 3.562 empresas de serviços. No ano passado, o número de empresas na cidade era de 15.806, com 1.160 indústrias, 5.629 estabelecimentos comerciais e 9.017 de serviços -- um crescimento de 62,4% em cinco anos. Primeiras beneficiadas pela isenção fiscal, estão ali sediadas empresas de leasing de bancos como Unibanco, Finasa e Itaú. Na área de informática, também favorecida pelos tributos baixos, se destacam HP, Epson, Compaq, Acer e Nec do Brasil. Atuam ainda no Município sedes de empresas como General Eletric, bancos Fiat, Excel e Bandeirantes, além de C&A, DuPont e Café Pelé.
Atrativos -- A isenção fiscal foi iniciada na gestão do então prefeito Rubens Furlan, hoje deputado federal pelo PPS, de quem Gilberto Arantes foi secretário de Esportes e de Obras durante duas administrações. Por sinal, a continuidade da política administrativa da cidade nos seguidos mandatos de Furlan e Arantes é outro chamariz de empresas que fogem de mudanças bruscas na troca de prefeitos ou de partidos. Se agências de classificação de riscos pudessem fazer um índice para Barueri, certamente seria de Primeiro Mundo. Os municípios da Grande São Paulo, principalmente a Capital, que perderam milhares de empresas para Barueri, não gostaram da política de baixa tributação implementada por Rubens Furlan, considerada exemplo pioneiro e mais acabado de guerra fiscal entre municípios.
"Quando estabeleci a política de baixa tributação, não pensei nas consequências que causaria nos outros municípios. A angústia como prefeito de uma cidade que precisava de recursos era tão grande que não tive essa preocupação" -- admite o deputado Rubens Furlan. Hoje o parlamentar culpa o governo federal por toda a polêmica da guerra fiscal, pois não há legislação tributária adequada. Rubens Furlan revela que antes de guilhotinar os tributos municipais precisava ficar implorando para o governo estadual atuar na cidade. "Se o governo quer o salve-se quem puder, então eu vou me salvar. É a lei da sobrevivência, num mercado difícil em que os empresários vão para onde lhes oferecerem melhores condições" -- afirma o deputado do PPS. Rubens Furlan rememora sem constrangimento a equação que tirou Barueri da miséria. "Antes recolhia 5% de nada e hoje a Prefeitura arrecada 0,5% de um faturamento brutal" -- resume o parlamentar. O ISS saltou de 20% para invejáveis 40% do orçamento municipal.
Na polêmica da guerra fiscal, o deputado federal Ricardo Berzoini (PT) fica do outro lado da trincheira. Autor de um projeto de emenda constitucional que estabelece alíquotas mínimas e o recolhimento de ISS onde o serviço é prestado, Berzoini teve suas teses parcialmente acolhidas na emenda que prorroga a CPMF e que estabeleceu a alíquota mínima de 2% para o ISS. "A guerra fiscal causa perda da capacidade tributária, com uma cidade abaixando o imposto e depois todas as outras fazendo o mesmo. No final, todas saem perdendo. Isso não pode acontecer num País como o nosso, onde o Poder Público precisa ter capacidade de executar políticas sociais" -- argumenta o deputado petista, segundo quem o que resolveria mesmo seria alíquota fixa para o ISS, estabelecida pela Constituição Federal.
Dinheiro atrai dinheiro -- As críticas à política de guerra fiscal são ignoradas por Barueri, que faz da baixa tributação uma estratégia de desenvolvimento. A questão fundamental é que Barueri se beneficiaria de impostos de muitas empresas que ali mantêm apenas a sede fiscal, já que têm a maior parte das atividades em outros municípios, que arcam com o peso da manutenção urbana e seus custos sem a contrapartida de arrecadar tributos. Nem mesmo o projeto que limita a 2% a alíquota mínima do ISS e que faria a cidade perder um dos principais atrativos assusta o prefeito de Barueri. "O impacto desse projeto poderá ser até mesmo favorável. Seria besteira a empresa voltar para São Paulo porque estamos aqui ao lado e agora temos o primeiro trecho do Rodoanel" -- confia Gilberto Arantes.
O prefeito não perde o sono por causa das mudanças na legislação tributária porque a isenção fiscal praticada há 15 anos desencadeou um processo em que a chegada de novas empresas e empreendimentos fez chover investimentos na cidade. Dinheiro passou a chamar mais dinheiro e a isenção inicial deixou de ser o único atrativo de Barueri. "Muita gente acha que a política de baixa tributação pesa na vinda de novos investimentos, mas o empresário leva em conta toda a infra-estrutura da cidade" -- ressalta.
A começar pelo Rodoanel, Barueri tem na localização a primeira vantagem. O trecho oeste do anel metropolitano, que deverá ter 32 quilômetros de extensão, liga cinco das mais importantes rodovias do País: Bandeirantes, Anhanguera, Castelo Branco, Raposo Tavares e Régis Bittencourt, responsáveis por 58% do total de veículos que passam diariamente pela Grande São Paulo, significando um total de 250 mil veículos, dos quais 54 mil caminhões. O trecho oeste responderá por 47,8% da carga que entra e sai da Grande São Paulo, correspondendo a 243,5 milhões de toneladas ao ano.
Barueri situa-se no meio do trecho oeste, às margens da Rodovia Castelo Branco, que se transformou na avenida de entrada para a vida econômica do município. Todos os dias, cerca de 150 mil pessoas utilizam 60 mil veículos para se descolarem até as empresas de Alphaville, em congestionamentos que viraram marca do vigor econômico da cidade, apesar dos aborrecimentos para os motoristas. A chegada do Rodoanel provocou rápida valorização dos terrenos na cidade. No Centro, ainda longe dos espaços sofisticados de Alphaville e Tamboré, o metro quadrado está avaliado em R$ 1,5 mil. A estratégica ligação rodoviária tende a reforçar a tendência do Município de se consolidar como um avançado centro logístico.
Com 208 mil habitantes, Barueri tem 100% das ruas pavimentadas para atrair novas empresas, além de oferecer água encanada para 95% dos imóveis. A rede de esgoto atende 85% dos domicílios. A Prefeitura é responsável por todo o Ensino Fundamental (da 1ª a 8ª série) em 45 escolas, 14 das quais construídas por Gilberto Arantes. A Prefeitura também mantém 21 Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil, a pré-escola), oito maternais e oito bibliotecas.
Na área da saúde, o Município mantém uma maternidade, três prontos-socorros e 14 ambulatórios. "A rede de saúde deveria atender 500 mil pacientes por ano, para uma população de 208 mil habitantes, mas atendemos na verdade a 2,4 milhões de pessoas moradoras de cidades vizinhas, quatro vezes mais do que seria nossa responsabilidade" -- aponta o prefeito, que sublinha serem essas e outras obras e serviços inteiramente custeadas pela Prefeitura. "Não tivemos parcerias ou ajuda do governo do Estado. Só este ano é que mudou um pouco" -- reclama. Mesmo sem a participação do Estado em obras de porte no Município, a Prefeitura disponibiliza atualmente cerca de 10% dos funcionários para trabalharem em órgãos públicos estaduais e federais como distritos policiais, Fórum, posto do INSS e do PAT (Posto de Atendimento ao Trabalhador).
Segurança e água -- Além de baixa tributação, Barueri procura criar as melhores condições para seduzir empresários em busca de novos locais para investimentos. Uma das formas de atrair empresas é oferecer segurança. A cidade tem Guarda Municipal com 640 homens e 100 viaturas. A Prefeitura também executa projeto de revitalização do Centro, mudando o eixo comercial da região para novo local, ao lado da Rodovia Castelo Branco. O terreno de 255,5 mil metros quadrados foi comprado do Exército Brasileiro pela administração municipal.
Outra área comprada pela Prefeitura, de 250 mil metros quadrados, fica às margens do Rio Tietê, próximo à Estação de Tratamento de Esgotos de Barueri operada pela Sabesp, com a qual a administração firmou convênio para receber dois milhões de litros de água tratada para uso exclusivo industrial. As empresas que adquirirem lotes na área terão fornecimento de água constante a um custo médio cerca de 10 vezes menor que o preço normalmente cobrado. A Estação de Tratamento de Esgotos tem capacidade instalada para fornecer 108 metros cúbicos de água por hora.
Para os próximos anos, a Prefeitura planeja investir R$ 12 milhões em um centro de convenções, faculdade municipal, hospital com 240 leitos, prédio do Corpo de Bombeiros e canalização total do córrego Barueri Mirim, até a foz no Rio Tietê. "A tendência de Barueri não é ter mais crescimento populacional, até porque o espaço do Município já é pequeno, mas se desenvolver em áreas industriais" -- prevê o prefeito Gilberto Arantes. A previsão precisa acontecer, pois a cidade vem crescendo em ritmo muito rápido. Entre os censos de 1990 e 2000, o Município pulou de 130.799 para 208.028 habitantes, uma expansão de 59%. De qualquer forma, em apenas cinco anos -- de 1997 a 2001 -- o orçamento da cidade teve um salto de 90,9%.
O principal investimento que transformou Barueri foi Alphaville, projeto urbanístico instalado a partir de 1973 e que hoje tem 14 áreas residenciais e cinco núcleos de comércio e serviços, além de três centros empresariais com 1,4 mil empresas. Alphaville é responsável por nada menos que 65% da arrecadação total de Barueri. A infra-estrutura eficaz e a isenção fiscal tornaram o bairro local preferencial para instalação de indústrias e comércio. A redução especial de alíquotas de impostos para o condomínio continuou até 1985, quando a Prefeitura passou então a arrecadar tributos do comércio e de indústrias instaladas em Alphaville, que tem área de 16 milhões de metros quadrados.
O bairro de Tamboré surgiu na esteira de Alphaville, com 12 milhões de metros quadrados, dos quais 4,4 milhões ocupados com seis loteamentos de alto padrão e condomínios, centro empresarial e o maior shopping da região. Os dois bairros deram perfil pós-moderno para a parte mais desenvolvida da cidade. Foi em Alphaville que em 1989 surgiu a primeira rede de TV a cabo do Brasil, exclusiva para os moradores. Em Tamboré, as futurísticas casas inteligentes já fazem parte da paisagem, assim como cursos de piloto de helicóptero figuram entre os inúmeros serviços especializados disponíveis. A inauguração da marginal da Rodovia Castelo Branco aliviou os congestionamentos, mas mobilizou a comunidade local contra a cobrança de pedágio. Por outro lado, a perspectiva de inauguração do trecho oeste do Rodoanel até junho trouxe de volta moradores e investidores para a cidade.
A Prefeitura de Barueri enfrenta a crescente demanda com estrutura de 7,8 mil funcionários, cujos salários consomem 47% do orçamento municipal. A equipe também dá conta dos poucos problemas urbanos de Barueri, entre os quais a falta de moradias, principalmente para a população de áreas de risco que a Prefeitura começa a remover. Para tanto, o prefeito Gilberto Arantes entrega até julho 940 apartamentos para atender a demanda de projetos de desfavelamento e de regularização de áreas públicas. Essas e outras questões que fogem da ação local, como o estimado desemprego de 10 mil pessoas, são os poucos problemas que chegam a ocupar a atenção de Gilberto Arantes. Mesmo com dois condomínios de luxo, Barueri tem seu lado periferia e favelas onde moram sete mil famílias.
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