Imprensa

Fausto Polesi e Ronan Pinto, uma história que não se repete

DANIEL LIMA - 12/08/2010

Tentei fugir de uma pauta ditada pelas circunstâncias dos últimos dias, mas não consegui. O jornalista que habita em mim desde os 14 anos de idade (ou seria antes, já com oito, nove anos, quando devorei uma coleção de livros de minha mãe Maria, grudados meus olhos na lâmpada junto ao teto porque não enxergava as letras então já embaçadas?) fala mais alto. Traço um paralelo entre dois personagens da vida editorial e esportiva do Grande ABC — o fundador e ex-diretor de Redação do Diário do Grande ABC, Fausto Polesi, com quem convivi durante 15 anos, e o acionista e de fato diretor de Redação do mesmo Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto. Tanto um quanto outro envolveram-se com o Santo André, separados por 25 anos. Fausto Polesi foi presidente emergencial em meados dos anos 1980. Clube-empresa não integrava o léxico esportivo. Ronan Maria Pinto é presidente de fato desde 2007, quando o Santo André virou Saged, empresa que controla as ações e administra o futebol da cidade.

Sei muito bem o que estão vivendo já há algum tempo o editor e os demais jornalistas de esportes do Diário do Grande ABC. No sexto andar, o pavimento no qual habita o poder decisório do principal veículo de comunicação da região, o presidente do Santo André e o diretor de Redação do Diário do Grande ABC ocupam o mesmo corpo e mente.

Ali está Ronan Maria Pinto como esteve no quarto andar Fausto Polesi. Sim, Fausto Polesi sempre preferiu o quarto andar, da Redação, dois pavimentos abaixo dos acionistas. Era mais jornalista que empresário. Apenas torcedor do Ramalhão.

Era este jornalista editor de Esportes do Diário do Grande ABC à época da loucura de Fausto Polesi assumir o Ramalhão. Uma decisão ditada por interesses que jamais resvalaram em contrapartidas econômicas e financeiras. Fausto Polesi carregava o Santo André nas veias. Aliás, não só o Santo André, mas particularmente a cidade de Santo André.

Instalo o verbo no passado apenas sob a ótica jornalística. O velho guerreiro da Catequese está fora de combate público por ter negociado o naco de ações que há seis anos acabaram sob controle de Ronan Maria Pinto. Fausto Polesi saiu de cena profissional sem imaginar que o futuro lhe prestaria reverência. O Diário do Grande ABC que ajudou a fundar e a consolidar com peso enorme de responsabilidade e de conquistas virou um desafio à atual direção, já que a importância relativa na mídia regional é muito menos expressiva.

Fausto Polesi foi instado a assumir a presidência do Santo André num momento de vazio presidencial. Não havia quem se interessasse por aquela bomba que consumira recursos financeiros de outros dirigentes. Sempre fui contrário a ter chefe presidente do clube que acompanhava como jornalista desde o começo dos anos 1970. Temia por conflito de interesses. Torcia para que ele não aceitasse o cargo.

Fausto Polesi assumiu o Ramalhão num momento politicamente crítico porque o presidente renunciante, Lourival Passarelli, mantivera uma briga de foice no escuro com o jornal. O legado era esportivamente contraproducente também. Sob o comando de Passarelli o Santo André construiu uma série de grandes resultados em campo. Passarelli colocou rios de dinheiro na equipe. Era exagerado na paixão pelo clube e nos embates pessoais.

Até que ponto Fausto Polesi saltaria da condição de jornalista, de gestor de Redação do Diário do Grande ABC, em direção ao cargo de editor de Esportes que eu ocupava?

Até que ponto, levado a cabo a proposta de conselheiros do clube para que Fausto Polesi virasse cartola, este jornalista aceitaria o que poderia interpretar como intromissão não do jornalista-chefe, mas do presidente do clube?

Como meu sangue quente suportaria essa arremetida de avacalhação de quem tem o dever de levar a melhor informação ao público?

Não pretendo analisar a gestão de Fausto Polesi à frente do Santo André, embora se o fizesse em nada alteraria o rumo conceitual deste texto. Resumidamente, ele foi vítima de uma série de azares, entre os quais um show fracassado do então estelar conjunto Menudos, num Estádio Bruno Daniel sob aguaceiro intenso. O Santo André perdeu dinheiro e o estádio. Teve de jogar em São Caetano e em Mauá. Felizmente não foi rebaixado, como prenunciavam números classificatórios até as últimas rodadas.

O que quero dizer de Fausto Polesi à frente do Santo André e do Diário do Grande ABC é que ele jamais, em instante algum, moveu um dedo sequer ou fez uma manobra direta ou indireta sequer para desautorizar ou minimizar as funções do então editor de esportes ou de qualquer outro integrante daquela equipe que dirigi e que é um dos meus maiores orgulhos profissionais.

Fausto Polesi sempre soube reconhecer a linha divisória entre Ramalhão e Díário. Com elegância, respeito e atenção. Praticamente não conversávamos sobre futebol no período de duplicidade diretiva. Ele no quarto andar, onde costumava dar expediente prolongado, eu no terceiro, onde trabalhava 14 horas por dia. Tempos em que não existia banco de horas a industrializar créditos trabalhistas. Éramos eu, meus companheiros e a direção editorial loucos por fazer um bom produto. Não víamos o tempo passar. Não vimos nossos filhos crescerem.

Tudo muito diferente destes novos tempos do Santo André empresarial, do Diário do Grande ABC pobre de conteúdo, e de um Ronan Maria Pinto acionista, presidente e investidor do Ramalhão que, lamentavelmente, não distingue jornal de clube, redação de Ramalhão, e, com a covardia de jornalistas que não deveriam receber essa qualificação ou especificação, reeditam, estupram, mancham e deturpam textos produzidos por repórteres. Principalmente quando se quer mandar recados públicos a terceiros, como se combustão espontânea fossem.

Ramalhão e Diário do Grande ABC viraram uma coisa só quando se trata de interesses do comandante do jornal e do futebol.

Dizem que Ronan Maria Pinto tem um consultor editorial. Deve ser algum mentor desastrado na arte de gerenciamento de risco. Um paspalho que, não fossem suficientes as dores de cabeça de fazer jornal, inventa de inocular no seio da Redação os ovos da serpente de idiossincrasias do futebol.

Tenho saudade dos tempos de Fausto Polesi, o qual jamais, como colaborador, confrontei como comandante da Redação do Diário do Grande ABC. Sempre soube respeitar meus limites, principalmente quando esses mesmos limites eram igualmente respeitados. Nossos desencontros se deram depois, ele à frente do Diário, eu acionista da Editora Livre Mercado. Mas nada que o tempo não apagasse entre outras razões porque Fausto Polesi jamais moveu-se no labirinto de subjetividades.

Não teria este jornalista vida longa no Diário do Grande ABC de Ronan Maria Pinto. Como, aliás, não tive como diretor de Redação, convidado por ele em meados de 2004, cargo no qual resisti apenas nove meses sem perder a dignidade. Mais tarde, desencantei-me de vez porque descobri que por trás da demissão havia um acordo judicial no qual fui envolvido como moeda de troca. Não pensei que minha pena valesse tanto. Estava ali apenas com o mesmo espírito de sempre, dos tempos de Fausto Polesi. Puramente por paixão jornalística.


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