O Diário do Grande ABC e a administração de Luiz Marinho registram perdas sucessivas desde que, há dois meses, como expus aqui neste espaço, resolveram sentar-se à mesa de conveniências de um restaurante chique de Santo André para acertar ponteiros para lá de conflitantes. Ronan Maria Pinto, presidente do Diário do Grande ABC (e também do Saged, empresa que privatizou o futebol da cidade numa operação mais que esquisita) e o prefeito de São Bernardo fizeram o pior dos acordos, porque transparece exatamente o que foi tratado. Aquele encontro foi realizado num palco apropriado para quem gosta de ser visto por frequentadores bem aquinhoados da região, o que tornou mais explícito o resultado final. Entretanto, as digitais do acerto de contas que necessariamente passa pela ampla avenida das páginas do jornal são de tal forma evidentes que, mesmo que se reunissem num discretíssimo convento, os resultados não fugiriam a olhos mais atentos. No fundo, trata-se de imprestável rascunho de obras mais bem elaboradas de mídias e governos assessorados por gente que sabe dar nó em pingo dágua.
O Diário do Grande ABC saiu de um patamar de crítica coercitiva para um quase absoluto silêncio de prostração. A administração petista, por sua vez, conseguiu escapar de um furacão incômodo. A circulação do jornal, como de todo jornal razoavelmente de boa circulação, atinge parte da classe média e do funcionalismo público, principais complicadores de governabilidade.
O contexto mantém a certeza de que o Diário do Grande ABC não serviu antes e não serve agora de referência à leitura crítica da administração de Luiz Marinho.
Primeiro pelo empedernido radicalismo oposicionista ditado por interesses publicitários.
Segundo porque ficou impotente após a aproximação, caminhando com o desconforto e o incômodo de alguém que deixa 30 dias de castigo numa solitária e é exposto ao sol do meio dia. Ou seja: o Diário do Grande ABC deixou de cumprir com a missão de bem informar os leitores, repetindo-se a iniciativa tomada muito antes da posse de Luiz Marinho. O que separa as duas situações é que antes se publicava qualquer coisa, principalmente qualquer coisa, desde que o alvo fosse Luiz Marinho, e agora não se publica praticamente nada. Um estranho acordo, convenhamos.
A administração de São Bernardo, por sua vez, transmite a ideia de que está toda voltada ao calendário eleitoral estadual e federal, como braço do PT na cidadela mais importante do País, a manjedoura que embalou o presidente Lula da Silva.
Ou alguém teria coragem de negar que para o Partido dos Trabalhadores é questão crucial ganhar as eleições ao governo do Estado e a presidência da República na terra do comandante da Nação?
Mais ainda: que somar mais votos que os tucanos no Grande ABC é outro objetivo bem delineado pelas forças petistas?
Passa-se a certeza, pelo marasmo dos últimos tempos em todas as mídias, que a Prefeitura de São Bernardo está envolvidíssima na eleição de deputados, senadores, governador e presidente da República.
Não quero dizer com isso que a gestão de Luiz Marinho e de outras gestões petistas tenham entrado em férias. Mas no campo midiático não existe dúvida de que o aparato montado como estratégia de suporte eleitoral coloca em primeiro plano o atendimento à demanda de votos que o nível de aprovação de Lula da Silva exige em forma de urnas eletrônicas recheadíssimas de novos representantes da agremiação.
A recíproca é verdadeira no conglomerado de partidos que giram em torno do PSDB, igualmente empenhado em dedicar atenção especial ao campo de batalha do Grande ABC, exatamente pela simbologia petista. Não há ingênuos nessa praça de guerra eleitoral. As eleições municipais de 2008 que o digam.
A posição do Diário do Grande ABC, pelos motivos que escrevi em vários artigos, é de boxeador nocauteado. Uma consequência dolorosa para quem se apresentou ao distinto público com arrogância no tratamento ao adversário, a quem ameaçara com derrota fragorosa.
O Diário do Grande ABC, que procurou refúgio financeiro nos tucanos, agora tenta arrumar o meio de campo para se dar bem também com os petistas. Não fossem as barreiras que encontra no partido do presidente da República, os anúncios publicitários do governo federal seriam muito mais volumosos. Mas sempre sobram brechas compensatórias.
Durante um ano e meio o Diário do Grande ABC deu aos administradores petistas do Grande ABC (Mário Reali, de Diadema, e Oswaldo Dias, de Mauá), atenção semelhante à dispensada ao adversário por um peso pesado desafiado numa disputa pelo cinturão de ouro. Praticou-se jornalismo unilateral e escandalosamente desequilibrado.
Bastou sentarem-se à mesa Ronan Maria Pinto e Luiz Marinho após sucessivos adiamentos e medições de força para que tudo se revertesse. A dose, entretanto, foi cavalar. Faltaram especialistas na arte da conciliação para temperar o dia seguinte com um mínimo de respeito aos pobres leitores.
O Diário do Grande ABC saiu de tentativas de incineração da imagem de Luiz Marinho para uma paralisia autocondenatória. Num passe de mágica, o que era incompetência, despreparo, arbitrariedade e tudo o mais desapareceram do noticiário. Nada de supostamente interessante que o governo Marinho venha realizando — eis o outro lado da moeda — aparece nas páginas do jornal. Salvo uma ou outra encenação.
O acordo entre o Diário do Grande ABC e a Prefeitura de São Bernardo acabou por desrespeitar consumidores de informação. Em contrapartida ao fim das bobagens impressas o que restou foi um silêncio intrigante. A vulnerabilidade editorial do Diário do Grande ABC é consequência de apuros financeiros. Não tem nenhuma relação com ideologia, como alguns grandes jornais brasileiros induzem os leitores em linhas editoriais mais que manjadas. O pragmatismo aplicado por Ronan Maria Pinto tem parentesco com o simplismo com que ataca em várias áreas. Ele deveria fazer um curso nos chamados jornalões brasileiros — aqueles que parecem democráticos.
Descer a detalhes dos encontros e desencontros do Diário do Grande ABC e da gestão de Luiz Marinho após os textos que produzi recentemente é perda de tempo. Há um imenso vazio a marcar as novas relações entre os combatentes de ontem e os constrangidos parceiros de agora. Ronan Maria Pinto sabe que não pode flexionar demais os joelhos de aproximação com o petista porque há compromissos com tucanos que não podem ser contrariados. Luiz Marinho sabe que há uma distância estratégica que precisa ser preservada, depois de reduzida numa primeira escala de pacificação.
Diário do Grande ABC e Luiz Marinho apenas se suportam. Ao Diário do Grande ABC o que interessa é controlar a gestão petista em São Bernardo. A Luiz Marinho o que pesa é provar aos coturnos mais graduados do partido que os ideais conciliatórios de Lula da Silva são um mantra a ser valorizado dentro dos limites do possível, entregando-se ou fingindo entregar, se necessário, apenas os anéis.
Leia também:
Diário dá sinais de que pode recuperar equilíbrio informativo
Quando liberdade de imprensa torna-se liberdade à coerção
Vamos mostrar provas da guerra de Ronan Pinto contra Luiz Marinho
Diário do Grande ABC deixa de ser jornal e vira agência partidária
Segue movimentação de peças do acordo Diário-Luiz Marinho
Diário volta a atacar Marinho. Jogo de cena ou pressão dos tucanos?
Diário acerta contas com Marinho e alivia longa perseguição editorial
Total de 1893 matérias | Página 1
06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)