Economia

Por que se faz
Carnaval com o IPTU?

DANIEL LIMA - 05/03/2003

Administradores públicos e agentes econômicos e sociais do Grande ABC têm pela frente desafio que exige muito trabalho. Trata-se de instalar os debates sobre os custos dos impostos municipais, especialmente do IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana), o mais próximo possível do planejamento responsável e transparente, em vez de o tema, como chuva de verão, tornar-se ferramenta para uso político-eleitoral a cada início de temporada.

Sem se dedicarem aos impostos municipais como estratégia de desenvolvimento econômico sustentado, gerenciadores públicos vão ter mais e mais dificuldades para encaixar a peça de competitividade no mosaico de atratividade econômica que pretendem montar numa região desindustrializada e duramente atingida pela perda de transferências de recursos estaduais e federais. 

A nova temporada de cobrança de IPTU em Santo André voltou a ter tempero de demagogia política. Quarta colocada em 2002 no ranking regional per capita de receita do Imposto Predial e Territorial Urbano, Santo André resolveu acelerar o passo e recuperar o terreno perdido desde os tempos de prefeitos negligentes com os impostos municipais. O resultado causou desconforto para a gestão de João Avamileno: aos contribuintes comprovadamente penalizados juntaram-se velhos e novos políticos colecionadores de derrotas eleitorais mas renitentes candidatos a votos nas próximas eleições. 

O perfil do IPTU nos municípios brasileiros é uma caixa preta a que apenas os agentes públicos das pastas de finanças têm acesso. Somente a Prefeitura de Santo André decidiu liberar extratos com parte de informações relevantes, depois de bombardeada por uma minoria de oportunistas de plantão que se utilizaram da legitimidade reclamatória de contribuintes esfolados. Os dados da Prefeitura desclassificam algumas das palavras de ordem dos barulhentos oposicionistas políticos. 

A mais frequente bandeira desfraldada pelos grupos políticos que pressionaram o Paço de Santo André na esteira de contribuintes efetivamente penalizados trata de condenação sumária de percentuais elevadíssimos de aumento do IPTU. Cantaram aos quatro cantos que reajustes de mais de 1000% tinham fortes ligações com o Código Criminal e não com políticas públicas. As manifestações no Legislativo de Santo André atingiram duramente 18 dos 21 vereadores que, em dezembro do ano passado, aprovaram a nova Planta Genérica de Valores e as alíquotas do IPTU. Entoaram-se coros de agressividade inferiorizados em intensidade apenas por xingamentos explícitos. 

Contra a unanimidade burra de medir o tamanho dos erros do Paço Municipal pelos percentuais aplicados individualmente, os relatórios oficiais da Prefeitura com a lista de pagamentos do tributo são demolidores. Quanto maior o percentual de correção, mais sólida a constatação de que o IPTU de Santo André — e o Grande ABC não é diferente disso — é um samba do crioulo doido. 

Há muitos casos emblemáticos de que o IPTU de Santo André foi um peça de patética politicagem de gestores dos tempos de fartura industrial. Um contribuinte que sofreu reajuste de 3.274,02% no carnê deste ano pagou cota única no valor de R$ 11,55. Outro, pagou apenas R$ 21,73 de cota única mesmo depois do reajuste de 1.661%. Um terceiro, que viu o IPTU aumentar em 4.886,05%, pagou cota única de R$ 21,90. 

Como se observa, não é pela análise superficial de percentuais e mesmo de valores absolutos que se deve considerar sensata ou insensata a cobrança do novo IPTU em Santo André. Há diversidade de casos que exige estudos específicos. 

Para o secretário de Finanças de Santo André, Antonio Carlos Granado, que assumiu o cargo em janeiro último e não participou da reavaliação dos valores do IPTU, não mais que 10% dos carnês emitidos pela Prefeitura se enquadram na moldura de equívocos. Metade desse universo refere-se à cobrança exclusiva como uso comercial de imóveis de dupla função (comercial e residencial). Do universo de 150 mil imóveis, cerca de 7,5 mil contribuintes foram efetivamente prejudicados e, por isso, reavaliados. O imposto será proporcional ao uso misto. 

Outro tanto de carnês de injustiçados, segundo Granado, referem-se a dois segmentos de contribuintes. O primeiro de propriedades excessivamente taxadas por conta de a geografia tributária extrapolar fronteiras previamente padronizadas. Ou seja: há bairros cuja tipologia predial e econômica foi superestimada pelas características da vizinhança mais próxima e seus moradores acabaram tendo sobrecarga tributária. 

O segundo grupo, que completa o tripé de estimados 15 mil contribuintes prejudicados no universo de 150 mil, são famílias cujos rendimentos não acompanharam a valorização dos imóveis que habitam, ou mesmo cujos rendimentos foram rebaixados a níveis mais incisivos que os próprios imóveis, por força do esvaziamento econômico de Santo André. 

Aumentos anunciados — O aumento relativo do IPTU na carga tributária dos municípios é uma sinfonia anunciada desde que o Grande ABC começou a viver os transtornos do esvaziamento industrial. De receitas residuais nos anos 80 e mesmo até a implantação do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal, o IPTU passou a constar das prioridades arrecadatórias das prefeituras brasileiras para compensar, no caso da região, o decréscimo dos repasses do ICMS, historicamente a principal fonte de receitas dos municípios. 

Além do refluxo industrial, que emagreceu os orçamentos municipais em proporção inversa à avalanche de demanda por serviços sociais, o fim da espiral inflacionária acabou com a negligência tributária. Com inflação e correção monetária, o setor público acertava os ponteiros de ativos e passivos financeiros com operação simples: recolhia os tributos indexados e postergava pagamentos de produtos e serviços corroídos pela inflação. Também os salários do funcionalismo eram desgastados pela inflação. Com o Plano Real, a farra acabou. Por isso a carga tributária nacional cresceu tanto, chegando a 36,4% no final do governo Fernando Henrique Cardoso. O IPTU representa apenas 0,6% do total. 

Entretanto, por mais gulosos que tenham sido nos últimos anos os prefeitos da região, os valores médios do IPTU estão muito aquém dos praticados na Europa e nos Estados Unidos, mesmo considerando-se diferenças econômicas e sociais. O caso de Santo André é emblemático da regra que permeia o imposto. Relatório da Secretaria de Finanças com o perfil dos contribuintes e valores previstos para 2003 abre uma cratera entre a verdade efetiva e os discursos populistas dos tuteladores de contribuintes efetivamente injustiçados. 

Do total de 119.975 carnês residenciais lançados este ano pela Prefeitura de Santo André, um universo de 104.373 — ou 87% do total — pagará até o máximo de R$ 500 no ano. Desse total, 21,63% pagarão até R$ 50 e outros 16,31% entre R$ 50 e R$ 100. Apenas 290 proprietários de imóveis arcarão com mais de R$ 5 mil. 

O problema todo com o IPTU no Grande ABC é que o imposto sempre foi pouco valorizado como ferramenta de desenvolvimento econômico sustentado. Pelo contrário: o conceito de discriminação às atividades econômicas de comércio, serviços e indústria e que privilegia residências ajuda a entender por que o Grande ABC perdeu competitividade econômica. 

A alternativa mais ajuizada para reformatar esse modelo que é linearmente utilizado no Brasil consiste no abrandamento dos valores das atividades econômicas e na readequação dos custos residenciais flagrantemente abaixo de outros impostos estaduais e federais que adensam a carga tributária nacional. Uma iniciativa que prospera no Primeiro Mundo poderia ser replicada na região: o reacerto do IPTU acoplaria a formação de um fundo de recursos financeiros que seria aplicado às áreas contributivas para dinamizar as atividade de comércio e serviços. Dessa forma, áreas centrais e periféricas de cada Município contariam com recursos vinculados ao IPTU para macro e microplanejamento de atividades econômicas.  

IPTU sobe, ICMS cai — Em 1997, primeiro ano de mandato dos prefeitos que se reelegeram em 2000, a arrecadação do IPTU no Grande ABC alcançou nominalmente R$ 51,52 milhões, contra R$ 585,79 milhões de repasse do ICMS. Em 2002, foram R$ 230,10 milhões do IPTU contra R$ 767,58 milhões do ICMS. Em valores nominais, a receita do IPTU cresceu 151,42% em cinco anos, contra 31,49% do ICMS. Em termos reais, considerando-se a inflação do período pelo IGP-M, o IPTU do Grande ABC cresceu 65,52%, enquanto o ICMS repassado caiu 25,59%. Ou seja: enquanto o IPTU aumentava R$ 134,33 milhões, o ICMS era reduzido em R$ 317,68 milhões. Uma diferença de R$ 183,35 milhões, ou algo semelhante ao orçamento anual de Mauá. 

Em 1997, a receita regional com o IPTU representava apenas 15,67% do repasse do ICMS. No ano passado, cinco anos depois, o IPTU saltou para 30% do ICMS. Ou seja, enquanto o ICMS desabava em valores reais — depois da correção monetária —, o IPTU passava por processo inverso. 

Como não existe mágica no orçamento público, é provável que as dores de cabeça que o prefeito João Avamileno sentiu em Santo André se espalhará por outros paços municipais. Afinal, cada vez mais o IPTU vai pesar no bolso dos contribuintes porque nada indica que a repartição futura do ICMS vai dar folga ao Grande ABC. 

Ribeirão Pires da prefeita Maria Inês Soares é o caso mais grave de desbalanço entre receita de IPTU e de ICMS no conjunto de arrecadação desde 1997. Numa comparação ponta a ponta, Ribeirão Pires aumentou de 11,86% para 50,21% o peso relativo do IPTU frente ao ICMS no período pesquisado. Quanto maior o índice de evolução do IPTU em relação ao ICMS, mais a certeza de que se acrescentou receita do imposto municipal e se reduziu a parte que lhe cabe no imposto arrecadado pelo Estado. 

Se o salto de Ribeirão Pires foi de 323,35%, São Bernardo não fica muito atrás, pois saiu de 11,27% de participação do IPTU frente à arrecadação do ICMS em 1997 para 31,96% em 2002. Um avanço de 183,58%. São Caetano vem a seguir, pois saiu de 8,56% de receita do IPTU frente ao ICMS em 1997 para 23,79% em 2002, ou seja, 178,24% de evolução. Pouco mais que os 177,92% de evolução registrada por Mauá, que passou de participação de 6,84% do IPTU nas receitas em relação ao ICMS em 1997 para 19,01% em 2002. 

A combatida Santo André só aparece em quinto lugar nessa comparação, com crescimento de 51,13% das receitas do IPTU em 2002 em relação a 1997, pois passou de 24,33% para 36,77%. Diadema saiu de 22,69% do IPTU sobre o ICMS em 1997 para 28,83% em 2002, ou seja, crescimento de 27,06%. Só a minúscula Rio Grande da Serra quebra esse ritual de fragilização do ICMS e de agigantamento do IPTU, com queda de 44,38%: registrava 19,69% de receita do IPTU em 1997 frente ao ICMS e em 2002 recuou para 10,95%. 



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