Economia

Alternativas com
viário e turismo

VERA GUAZZELLI - 05/08/2003

São Bernardo desenha um plano de desenvolvimento econômico que coloca a lente em alternativas domésticas de crescimento. Altamente dependente de um setor automotivo globalizado por excelência e em meio a mais uma crise interna que faz tombar as montadoras, a cidade quer agora pôr as fichas na logística e no turismo para fomentar empreendimentos menos atrelados à atividade mais competitiva do mundo. A Capital econômica do Grande ABC perdeu 30% de receitas de ICMS nos últimos cinco anos e espera reverter o quadro de desindustrialização explícita e desemprego em alta com incentivo a potencialidades locais.

"Temos de trabalhar a qualidade de São Bernardo como o principal fator de atratividade, propagandear o que temos e oferecer ambiente cada vez mais favorável aos negócios" -- afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Hermes Soncini. A Prefeitura tem na manga da camisa dois importantes instrumentos para virar a página do processo de perdas. Mas a efetivação tanto de um megaprojeto viário sob avaliação do BID quanto das possibilidades turísticas apontadas pela Ruschmann Consultores está condicionada à capacidade do governo local de exercer o efetivo papel de prospecção. Diante das limitações orçamentárias do setor público e da asfixia econômica que protela investimentos da iniciativa privada, não há como esperar milagres.  

A Prefeitura de São Bernardo, no entanto, parece disposta a fazer sua parte e planeja investir quase o valor de um orçamento anual na reformulação do sistema viário em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. O projeto envolve 25 obras e intervenções urbanas para construção de um Anel Viário Periférico e reúne quesitos imprescindíveis para transformar-se num dos pilares de sustentação da atividade econômica do Município. A obra foi projetada para fazer fluir o tráfego pesado e de veículos, facilitando a ligação dos bairros da cidade e criando rotas alternativas aos principais corredores de circulação. Também estão previstos minianéis e ligações subterrâneas entre os dois lados da cidade separados pela Via Anchieta, além de novos viadutos e trevos de acesso à rodovia.

A despesa será dividida entre Prefeitura, que investirá US$ 110 milhões, e BID, que emprestará US$ 165 milhões a juros de 3,5% ao ano. O investimento total do projeto, de US$ 275 milhões, representa cerca de R$ 800 milhões ao câmbio atual (dólar a R$ 2,9), quantia bem próxima do orçamento de R$ 988 milhões programados para 2003. A reformulação é proposta dentro do que a Prefeitura e o Estado consideram a modernização da melhor esquina do País, já que o plano prevê também a conexão de São Bernardo com o Rodoanel. 

Além de reforçar a infra-estrutura, o cruzamento de rodovias e vias expressas pode criar ambiente favorável para instalação de empresas de logística. Não por acaso a Fetcesp (Federação das Empresas de Transporte de Carga do Estado de São Paulo) planeja participar de esforço direto com investidores e Prefeitura para construir na cidade um dos quatro centros integrados de logística do Rodoanel, com 1,5 milhão de metros quadrados. Em relação à cidade, a reformulação do sistema viário vai saldar uma dívida de obras que durante décadas deixaram de ser realizadas na periferia, a região que mais cresceu nos últimos anos. Algumas obras já estão em andamento com recursos exclusivamente municipais, como a diminuição dos congestionamentos no trevo do km 18 da Via Anchieta com alargamento da pista de acesso, o prolongamento da Avenida Lauro Gomes do Carrefour até o Paço Municipal e o alargamento da Avenida Tiradentes. "Infra-estrutura tem peso preponderante na atração de empresas e é importante componente no planejamento estratégico de qualquer negócio" -- entende o secretário Hermes Soncini. 


Turismo no alvo -- A cirurgia viária promete impactar também o impulso do turismo. Recente radiografia elaborada pela Ruschmann Consultores desvendou um setor que só era conhecido empiricamente para mostrar que a maioria dos turistas que frequentam São Bernardo vem do próprio Grande ABC ou de São Paulo e 60% gostam do que encontram e pretendem voltar. Os dados foram obtidos por meio de 2,5 mil entrevistas aplicadas na tradicional Rota do Frango com Polenta, em casas noturnas, Parque Estoril, Prainha do Riacho Grande, Cidade da Criança e Estância Alto da Serra, entre outros locais. 

"A intenção é que as informações sejam compiladas analiticamente e utilizadas como ferramenta de identificação dos pontos fracos, de eventual reposicionamento do negócio e para o planejamento de novas atividades" -- espera o diretor de Turismo, Paulo Tinoco. Mesmo antes da conclusão dos trabalhos, é possível dispor de dados para subsidiar novas diretrizes. Cerca de 60% dos entrevistados gostariam que a cidade melhorasse a divulgação das atrações noturnas e da gastronomia, 45% dos frequentadores vão aos restaurantes da Rota do Frango mais de sete vezes ao ano e 95% dos visitantes da Cidade da Criança pretendem retornar ao parque.

A Cidade da Criança, aliás, acaba de ganhar nova expectativa de sobrevida. O parque infantil já consegue respirar sem ajuda de aparelhos e entra na fase decisiva do tratamento contra a insensibilidade político-administrativa que quase levou à morte um dos cartões postais da cidade. O remédio que pode levar à cura definitiva do espaço de lazer terá de agir sobre o mal do abandono para reconquistar, mesmo que gradualmente, o batalhão de 700 mil visitantes que lotavam o endereço nos anos 80 e que foi reduzido a 150 mil em 2002. 

"A Prefeitura está disposta a colocar a Cidade da Criança novamente em evidência" -- garante o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Hermes Soncini, que dá ênfase ao significado da recuperação do teatro e da igreja patrocinada com recursos municipais e que devem ser entregues ao público neste mês. O secretário acredita que a Cidade da Criança não perdeu atratividade e vale-se de outros dados da Ruschmann Consultores para subsidiar sua percepção e as futuras ações. 

A consultoria apontou que 47% dos frequentadores da Cidade da Criança moram em São Bernardo e 20% em Santo André. Pelo menos 77% são compostos por familiares. "Temos de buscar o público das escolas e de outras cidades da região e de São Paulo" -- mata a charada o diretor da Grantour e um dos permissionários do parque, Nercês Gaspar Alexandre. "O pulo do gato é divulgar a Cidade da Criança, criar um departamento profissional de marketing que ajude a potencializar a propaganda boca-a-boca" -- emenda o diretor da Somatur e também permissionário, Francisco Spadella. 

Spadella, Alexandre e menos de meia dúzia de outros pequenos empreendedores integram o grupo de heróis da resistência que sobreviveu aos altos e baixos do parque nas últimas três décadas. Nos tempos de funcionamento à plena carga, eram cerca de 50 permissionários. Hoje 80% dos espaços destinados às lojas estão vazios e 70% dos quiosques inexplorados. Oficialmente, Prefeitura e permissionários ainda não sentaram à mesa para lavar a roupa suja, mas a iminência do diálogo abre brechas para assuntos polêmicos como a redução dos 25% de taxa de aluguel pleiteada pelos operadores privados de brinquedos.  

A administração pública calcula que as obras de reforma vão incrementar em 20% a frequência nos próximos meses. Para tornar a projeção real já informou a novidade, por meio de fax, para 400 escolas. O contato teve a intenção de reavivar o interesse pela Cidade da Criança e despertar o educador para a ocupação cultural dos espaços e do complexo. Dentro desse contexto, está prevista a revitalização da minitransamazônica, da ferrovia Madeira-Mamoré e do Rio Negro, além da sinalização das espécies vegetais. 

Os permissionários também iniciaram reformas em brinquedos como o Trenó Aquático e o Mundo Encantado. A Prefeitura opera 10 brinquedos, Grantour 13, Somatur, cinco, e Mônaco, outros cinco. Todos estão cientes da necessidade de modernização visual e tecnológica das atrações, mas sabem que não podem transformar o parque num sedutor Hopi Hari para não descaracterizar o espaço exclusivamente infantil. 

No embalo da revitalização da Cidade da Criança, o prefeito William Dib acredita também ter encontrado a fórmula para ressuscitar os estúdios cinematográficos Vera Cruz, ao propor a formação de um quadrilátero de lazer e negócios formado ainda pelo Fórum da Justiça em ruínas e a recém-reformada Faculdade de Direito. Mesmo após o fiasco do projeto do governo estadual que pretendia reerguer a Hollywood brasileira, Dib acredita ser possível apelar para o espírito empreendedor de investidores dispostos a explorar comercialmente esses espaços públicos. 

A idéia inicial seria montar um complexo de negócios e entretenimento a partir da cessão de áreas para construção de hotéis, exploração de pavilhões para feiras e congressos, além da transformação da Faculdade de Direito em um centro permanente de convenções. O próprio prefeito reconhece que cultura ainda é investimento de retorno comercial questionável, mas aposta no carisma do nome Vera Cruz e na infra-estrutura do entorno para potencializar a rentabilidade do futuro empreendimento. 


Ações pontuais -- Enquanto torce pela concretização de todo esse planejamento estrutural, a Prefeitura trabalha em ações pontuais para amenizar -- mesmo que a conta-gotas -- a retração da atividade produtiva.  A Iesbec (Incubadora de Empresas de São Bernardo) abriga 11 empresas e já coleciona lista de nove patentes produzidas em pesquisas. Com três anos de atividades, é a primeira do Grande ABC a iniciar a montagem de um pólo tecnológico em terreno já adquirido pela Prefeitura, às margens da Via Anchieta, em frente à Volkswagen. A construção do novo prédio está prevista para 2004 e a capacidade é para 26 empresas. 

Recentemente a Jireh Automação, uma das incubadas, recebeu o prêmio Quality Service da IQS (Internacional Quality Service) e poderá utilizar o selo da entidade em todos os produtos. A Jireh destacou-se com a produção de uma estação de montagem automatizada para a Scania Latin America e de duas bancadas de testes para componentes automotivos para a Dura Automotive Systems. "A manutenção da produção é fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentado do Município. Se não houver o econômico e a consequente geração de emprego, fica muito difícil manter o social" -- compara o secretário Hermes Soncini, ao chamar a atenção para a demanda por serviços públicos em uma das cidades do Grande ABC mais castigadas pela explosão demográfica periférica. 

Apesar do desfavorável cenário macroeconômico cujos ventos apontam para nova rodada de desemprego nas montadoras e autopeças, o secretário garante que há pelo menos meia dúzia de empresas de médio porte interessadas em transferir-se para São Bernardo. Cauteloso, evita dar pistas até que as negociações estejam efetivadas. De concreto, por enquanto, apenas o arrendamento das instalações industriais da recém-desativada Toshiba do Brasil pela fabricante de motores Kolbach. A empresa vem de Santa Catarina para ocupar um dos vários galpões vazios da cidade, traz a promessa de 160 empregos e de recontratar os funcionários demitidos pela multinacional japonesa. 


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