Imprensa

Quem ganha a disputa pelo controle da pauta na mídia do Grande ABC?

DANIEL LIMA - 05/04/2011

Mídia minimamente respeitada em qualquer ecossistema em que atue é mídia que não perde o controle da pauta, por mais que em determinadas situações possa parecer convenientemente flexível às forças de pressão. Controlar a pauta jornalística é como controlar um jogo de futebol. Não adianta dominar as ações durante determinado tempo se no final do jogo quem ficou com as melhores posições foram os adversários, donos do placar.

A maioria da mídia regional não sabe e não consegue ter o jogo da pauta sob controle. Entrega-o de mão nem sempre beijada. No âmbito políco-administrativo, então, o que aparece é muito mais que a falta de descontrole. São acintosas represálias por ter percebido que a pauta há muito foi sequestrada. Aí, em vez do controle da pauta, tem-se o descontrole da pauta.

O que é descontrole da pauta? É sair atirando a torto e a direito contra quem, até recentemente, por conta da pauta roubada ou da pauta negada, ou da pauta negociada, sobravam lantejoulas. Ou então lambuzar-se em gentilezas após longa temporada de pontapés improcedentes. Pauta de viés saltitante lembra saltimbancos. As vítimas preferenciais são sempre os leitores.

É claro que não vou contar o pulo do gato da pauta sob o domínio de quem não quer perder o rigor de fazer jornalismo com seriedade, porque revelar certos segredos custa dinheiro em forma de consultoria.

Chega o que já repassei a terceiros, inclusive em forma de Planejamento Estratégico, caso do legado ao Diário do Grande ABC quando ali cheguei pela segunda vez em meados de 2004. Mas nem isso me causou problemas, porque o Diário do Grande ABC não tem tônus para atuar sequer como sanguessuga editorial. É na maioria das vezes caricatura mal-ajambrada. Diria até que se o jornal conseguisse aplicar metade dos conceitos que lhe deixei, me sentiria feliz senão como jornalista traído, ao menos como leitor exigente.

Pouco adianta tentar empregar conceitos de primeira linha se a equipe é de quinta categoria. Sucesso corporativo é a combinação de competências individuais e arranjos coletivos. Não existe modelo bem-acabado de liderança como norma. Nem sempre o discreto é mais eficiente que o mais inquieto, da mesma forma que o rebelde às vezes perde feio para o pacificador, mas não necessariamente essa fórmula dá resultado. O futebol de múltiplas especialidades é ilustrativo.

Meto o bedelho na pauta regional porque não há na praça mais que meia dúzia de profissionais que, como eu, pode dizer que conhece o mercado editorial. Sempre atento às informações e à cronologia dos fatos e das versões, das jogadas sem graça até as jogadas de muita graça, quando não de outras coisas, cheguei à conclusão que a pauta regional está viciadíssima.

São os mesmos agentes de sempre, públicos e sociais, principalmente. São filhos da pauta, para não dizer outras coisas. Com o suporte de assessores e principalmente com o respaldo da comunhão de bens entre donos dos veículos e os protagonistas das cenas quase sempre de tragédia grega, eles tomam conta do barraco de informações. O que vale é o que dizem, não o que de fato ocorre nos sete municípios.

Sei que não é fácil obstá-los do noticiário, mesmo com as repetitivas e inúteis intervenções dos que mais trafegam entre os donos dos veículos, mas há sempre uma saída interessante quando se pretende provar que a pauta não está tão engessada assim.

Cansei de fazer manobras acrobáticas na revista LivreMercado, cujas relações comerciais com determinadas companhias privadas e também com o Poder Público não me agradavam pelo amadorismo, voluntarismo e oportunismo, quando havia vasto campo exploratório no sentido social da aproximação. Mesmo com todos os cuidados descobri que nem toda pauta que parecia combustão espontânea de fato o era. Havia fora da redação quadrilha a manipular conceitos de comunicação inspirados nos cafundós do mundo.

Mas nem mesmo aquelas situações mancharam a reputação da publicação. O peso da seriedade e de uma coletânea de inquietações editoriais sempre foi muito maior que molecagens. Criei o Conselho Editorial para dar suporte principalmente ao Prêmio Desempenho Empresarial, Cultural e Social porque descobrira a possibilidade de vir a ser usurpado por falsas espertezas que prometiam o mundo e o fundo a terceiros espertalhões.

Lembro-me de episódio especificamente especial, porque sofri assédio de um representante de alto coturno da Editora Livre Mercado. Pretendia-se que determinada empresa ganhasse o título de Melhor dos Melhores do Prêmio Desempenho. Era um final de jornada quando o telefone tocou e a proposta do outro lado da linha me pegou surpreendentemente calmo. Respondi-lhe que nada atrapalharia o projeto dele, desde que ligasse pessoalmente aos 18 conselheiros que formavam o grupo que definia os vencedores.

É claro que ele desistiu da ideia. Felizmente a empresa sugerida pelo lobbista perdeu o título. Jamais torci tanto por uma derrota, embora estivesse convencido de que também mereceria levantar o troféu. E o conquistaria se as circunstâncias que a levaram à disputa fossem mais bem exploradas em ações legítimas de marketing. Perder significou a confirmação da barreira ética que impusemos ao lobbista. Vencer mesmo que com méritos seria um desastre. Mas não movi uma palha para interferir no resultado.

Também nos tempos de nove meses de diretor de Redação do Diário do Grande ABC tomei conhecimento de que havia ataques por todos os lados para fazer crer que determinado caso era matéria essencialmente jornalística, quando, de fato, fora encomendada por forças de pressão tanto externas quanto internas. Daí ter causado péssimas repercussões a decisão que constava do Planejamento Estratégico que preparei para a empresa e que foi levada adiante, de convite a conselheiros editoriais a participar em revezamento de reuniões de final de tarde que definiam o que o jornal publicaria no dia seguinte.

Jamais na história daquele jornal houve tanta transparência, tanto compromisso com a sociedade civil. Não havia jogo de cena. Por isso não durou quase nada. Acabei trocado por uma sentença judicial. Não pensei que valesse tanto. Ou que o beneficiário valesse tão pouco. Ou não valesse absolutamente nada.


Leia mais matérias desta seção: Imprensa

Total de 1859 matérias | Página 1

16/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (14)
13/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (13)
11/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (12)
09/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (11)
05/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (10)
03/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (9)
21/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (8)
15/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (7)
08/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (6)
02/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (5)
25/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (4)
16/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (3)
10/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (2)
04/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (1)
13/06/2024 CapitalSocial: atacado do atacado e livro histórico
09/05/2024 Perguntas para o deputado Manente
08/05/2024 Veja as perguntas ao sindicalista Martinha
07/05/2024 Veja todas as perguntas ao vereador Carlos Ferreira
06/05/2024 Ao Judiciário e ao MP: acusado faz ameaça