Economia

Montadoras e Argentina, uma
combinação mais que explosiva

DANIEL LIMA - 20/08/2019

Não bastassem todas as roubadas em que se meteu a economia do Grande ABC desde que os ventos a favor de investimentos e desenvolvimento industrial sem nenhum esforço organizado do setor público local se fizessem notar, eis que se acrescenta uma enrascada ainda maior: a dupla dependência da economia sempre em convulsão da Argentina e o predomínio avassalador das montadoras nas matrizes econômicas da região.  Uma coisa está liga à outra e as duas fazem estrago imenso.

Depender de uma atividade econômica cada vez mais pulverizada e competitiva no País e de exportações atreladas demais a uma nação de histórico turbulento na economia sempre a reboque da política não é uma recomendação que analistas internacionais sugeririam como razoavelmente interessante.

Em 11 de fevereiro de 2015 escrevi uma análise que chamava a atenção para a dependência automotiva regional do mercado argentino e o desembarque cada vez mais pronunciado de chineses na América do Sul. O que vivemos nestes dias, e pelo andar da carruagem, vai se estender por tempo considerável.

Perdemos mais

O jornal Valor Econômico publicou há três dias o quanto o setor automotivo do Brasil vive o pesadelo de jogar muitas das fichas na Argentina, entre outros motivos porque esse é o nosso limite de produtividade e eficiência.

Com embarques impactados pela crise, o setor automotivo nacional é a causa central do resultado negativo do setor industrial. As exportações do segmento caíram 29,5% no primeiro semestre contra iguais meses do ano passado, escreveu o jornal. “O superávit de US$ 326 milhões do setor automotivo na primeira metade de 2018 deu lugar a um déficit de US$ 826 milhões de janeiro a junho deste ano.

Um dia depois o Diário do Grande ABC abriu manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) para relatar o problema. Pelos números apresentados, a situação do setor automotivo no Grande ABC é pior que a média nacional. Nos mesmos seis meses divulgados pelo Valor Econômico, a queda das exportações para a Argentina foi de 61,37%. Portanto, mais que o dobro da contabilidade nacional no setor.

As indústrias automotivas da região perderam nos seis primeiros meses deste ano, sempre em comparação com igual período do ano passado, US$ 737,7 milhões. Ou seja: foi para o buraco quase todo o resultado negativo do País. Isso quer dizer que a crise atinge mais duramente as empresas do Grande ABC.   O que não é nenhuma surpresa porque, mesmo com investimentos maciços nas unidades locais, perdemos a corrida tecnológica também no território nacional.

Cadê as autoridades?

Sempre que a indústria automotiva da região vira notícia, lembro que não contamos com institucionalidade a impor algum tipo de reação coordenada. Ficamos à mercê dos executivos das corporações locais, em larga margem, sobretudo de montadoras e sistemistas, dependentes de humores de matrizes internacionais.

Autoridades públicas do Grande ABC nada fizeram e nada fazem. Administrar qualquer Município da região é um desafio muito maior, porque exige muito planejamento e ações. E nossos prefeitos, como se sabe, adoram mesmo ser socorristas, desses que desempenham medidas meramente de varejo. E mesmo assim sempre dão com os burros nágua.

Querem uma prova provada do quanto nossos prefeitos são provincianos? Há muitas, mas aproveito a data de aniversário de São Bernardo. Veja o quanto o prefeito Orlando Morando alardeia a finalização das obras do piscinão do Paço Municipal. Tudo bem que teremos efeitos positivos, sobretudo em infraestrutura física, mas não será nada que se apresente como o pó de pirlimpimpim a dar algum empurrão significativo em algo muito maior, ou seja, tornar o ambiente mais apropriado a investimentos.

Tudo é marketing

Da mesma forma atuou ainda outro dia o prefeito Paulinho Serra, de Santo André. Ele fez o maior estardalhaço com a venda do Semasa, empresa de água e esgoto que entrou em espiral deficitária ao longo do período de estatização municipal até que, engolfada por dívidas, trocou de comando estatal e passou a ser mais um ramal da Sabesp, empresa de economia mista.

Paulinho Serra e Orlando Morando, que viveram momentos de amizade até que o segundo descobriu que o primeiro não andou cumprindo algumas missões, têm praticamente o mesmo DNA de gestão pública. Ou seja: falam, falam, mas mudanças significativas, dessas que ficam para a história, dessas que constroem o futuro, dessas que catapultam a sociedade rumo a uma situação menos danosa do que as que receberam, mas fazem muito pouco.  Eles são especialistas em varejo. Fosse o varejo privado, das grandes redes, ainda se salvariam, porque a concorrência é desafiadora. Eles são varejistas autárquicos. Medem eficiência consigo mesmos. Ou com antecessores igualmente epidérmicos.

Falta de compromisso

Enquanto isso as crises cíclicas do setor automotivo nos castigam mais duramente. Naquele texto de fevereiro de 2015 escrevi, entre outros pontos: 

 Veículos são nossa estrutura social e econômica. Sem as montadoras e as autopeças a Província já teria ido à bancarrota, porque não tivemos capacidade de diversificar a pauta de produção. Como as montadoras e as autopeças iremos à bancarrota gradualmente, como estamos indo, também porque não flexibilizamos alternativas de oferecer retaguarda econômica à sociedade. A Argentina, da qual nos tornamos dependentes demais no setor automotivo, deveria ser pauta obrigatória do Clube dos Prefeitos do Grande ABC. Também deveria ser agenda compulsória das entidades de classe empresarial e sindical. Deveríamos ter atenção especial com a economia da Argentina assim como temos nas competições sul-americanas de futebol quando a mídia aflora uma rivalidade que chega à estupidez. Deveríamos futebolizar no bom sentido o mercado automotivo argentina para não sermos colhidos no contrapé, como no ano passado, por exemplo” –  escrevi há quatro anos e meio.

Dividindo bonança

A maior dificuldade de a economia automotiva do Grande ABC conviver em paz e progresso com os argentinos é que nos períodos de consumismo dos portenhos os chineses mostram ainda mais suas garras e nos tomam grandes nacos de exportações, mesmo com as benesses de acordos bilaterais que protegem ineficiências que custam caro aos consumidores. E quando a crise se agiganta, perdemos musculatura própria diante da retração de consumo e temos de encarar os chineses bem mais resilientes.

Já naquela matéria de fevereiro de 2015 expliquei que os chineses estavam e continuam em primeiro lugar entre os parceiros comerciais da Argentina. “Eles deram um jeito de jogar o Brasil para o acostamento das relações comerciais. As vendas de bens de capital cresceram 83% entre os integrantes do Nafta, bloco formado por Estados Unidos, Canadá e México. Apenas os chineses superaram o Nafta, com EU$ 3,32 bilhões em vendas no ano passado ante US$ 2,95 bilhões daquele bloco. Também os países da União Europeia estão à frente do Mercosul nas relações com a Argentina em bens de capital, com vendas de R$ 2,93 bilhões. O Mercosul liderava desde 2010 e caiu para a quarta posição com US$ 2,09 bilhões. Sempre que se ler Mercosul, nesses casos, é melhor substituir por Brasil” – escrevi.

Combinação lógica

O Grande ABC não despenca ano a ano em indicadores econômicos e sociais relevantes porque há uma ordem diabólica a nos amaldiçoar. Perdemos terreno sucessivamente porque nossas autoridades públicas, principalmente, são incapazes de liderar alguma coisa que seja determinante à mudança de rota. Prefeitos preferem agir como mascates. Sempre com o apoio de uma classe insensível de marqueteiros, crentes de que a sociedade é idiota o suficiente para acreditar em lorotas.

Alguns arremedos de acordos circunstanciais, como o anunciado ontem que colocaria funcionários demitidos da Ford em São Bernardo como candidatos preferenciais a eventual processo de reforço da planta da General Motors em São Caetano só escancaram a fragilidade do setor no Grande ABC porque induzem à conclusão elementar de que não existe alternativa próxima das moradias dos agora sem-carteira assinada. Quanto mais vejo prefeitos locais cantarem de galo no campo econômico mais tenho certeza de que a situação segue incontrolável. Um ônus mais que justo à vagabundagem institucional. 



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