Não adianta tapar o sol da manipulação semântica com a peneira da burrice de raciocínio: o balanço dos primeiros seis meses do mercado imobiliário do Grande ABC é catastrófico. Tão catastrófico que o passado recente, destruidor, tende a ser esquecido, embora não deva e nem possa. Vivemos crise econômica recorrente e prolongada -- e o mercado imobiliário é porta-estandarte sintomático.
Quem leu por aí alguma coisa diferente do que vou apresentar (exceto no jornal Diário Regional, que retratou a situação com equilíbrio e sabedoria) deve jogar no lixo as fontes de informação. É gravíssima a situação, amenizada, mas não negada pelo Clube dos Construtores comandado pelo empresário Marcus Santaguita.
Que tipo de avaliação os leitores podem fazer quando se anuncia, como se anunciou terça-feira, que o mercado imobiliário da região movimentou a venda de 769 unidades verticais novas? Vamos traduzir os números, porque os números em si não querem dizer nada.
Seriedade dos números
Os 769 imóveis novos comercializados não passam de 4% de tudo que se vendeu no G-8, o grupo dos municípios formado pelos sete do Grande ABC e a Capital. Sim, colocar a Capital nesse saco de explicações é fundamental. O Clube dos Construtores nos tempos do manipulador presidente Milton Bigucci sempre propagandeou, com números fraudulentos, que o mercado regional representava 30% das vendas da cidade de São Paulo.
Como tudo mudou (Bigucci foi tirado da presidência e Marcus Santaguita passou a tratar de estatísticas com a mesma empresa que cuida de todo o conglomerado do Secovi, entidade da qual o Clube dos Construtores é satélite) há uniformização de metodologia. Ou não há mais feitiçarias numéricas para enfeitar o pavão regional.
Os sempre anunciados e glorificados 30% de vendas no mercado imobiliário do Grande ABC em relação à Capital eram mesmo uma mentira deslavada, sobre a qual a Imprensa em geral jamais se mobilizou e CapitalSocial sempre denunciou.
O PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC equivale a 20% do PIB da Capital. PIB é um indicador importante, mas não retrata, como o Potencial de Consumo, a realidade interna de um Município. Produção e geração de riqueza, o princípio do PIB, não significam necessariamente distribuição local. Potencial de Consumo é outra coisa. Mais próxima da realidade de cada Município.
Já o ITBI do Grande ABC, imposto que mede a temperatura de negócios imobiliários, oscila em torno de 10% de participação no confronto com a Capital. Ou seja: de fato, potencialmente, o Grande ABC tem um mercado imobiliário que equivale a 10% do da Capital. Fora isso, exceto em situação muito especial e rara, poderia ter algum avanço, discreto avanço.
Menos de 4% é demais
Agora chegamos ao ponto que queria: nestes primeiros seis meses de 2019 a venda de imóveis verticais novos no Grande ABC representaram 4,6% do mercado da Capital. Traduzindo: a recessão que impacta o Grande ABC de forma mais incisiva porque dependemos demais do setor automotivo, não é a mesma recessão que abala a vizinha Capital. O mercado imobiliário é emblemático do empobrecimento da região.
A Imprensa regional faz certo estardalhaço com números de lançamentos de imóveis, indicador importante, mas secundário quando se trata de avaliar com precisão o ambiente econômico. Por isso o boi da comercialização deve ser dominado pelo chifre da objetividade. Nos primeiros seis meses deste ano a região vendeu 769 imóveis novos, enquanto na Capital foram 18.745 unidades. No total do G-8 foram 19.514 vendas. São Paulo ficou com 96,06% e o Grande ABC com menos de 4%.
Olhem para o ITBI de 10% de participação regional e entendam que estamos muito aquém do ideal histórico. Dos 30% de Milton Bigucci, então, só mesmo os covardes ou mal-informados acreditavam.
Primeiro da fila
A queda de vendas de unidades novas verticais na região vem desde que a recessão econômica começou, primeiro aqui, depois no País, porque o setor automotivo sempre puxa a fila do desconforto. Para se ter ideia mais precisa do tombo (além dos dados comparativos com a Capital), no primeiro semestre de 2014 o Grande ABC teria comercializado 3.296 unidades. Ou seja: 77% % mais. É claro que se deve desconfiar daqueles números. O fator falsificador Milton Bigucci estava atuante. E delirante.
Mas, com muita boa vontade, descontando as manipulações de Bigucci aqui, acrescentando umas pitadas de credibilidade agora com Marcus Santaguita, tudo indica que o tombo girou em torno de 50%. Não é pouca coisa, convenhamos.
É muita coisa inclusive para quem, de posse dos dados deste ano, cantarola vitória da gestão que não tem nada a ver, para valer, com grandes mudanças. Caso do prefeito de Santo André, Paulinho Serra. No primeiro semestre deste ano Santo André é o endereço regional que mais comercializou imóveis verticais novos, 443 no total. Muito abaixo do primeiro semestre de 2014, num total de 1.139 unidades.
Como bem lembrou o jornalista Anderson Amaral, do Diário Regional, o primeiro semestre deste ano é o pior resultado para o período desde que se iniciou a pesquisa do Clube dos Construtores. É verdade que sempre é importante ressaltar que os números do passado, com um corte a partir da presidência de Marcus Santaguita, não devem ser levados à sério em qualquer trabalho jornalístico responsável: Milton Bigucci adulterou o quanto pode o cenário regional. Ele era especialista em ficção. E jamais foi penalizado por isso.
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