Economia

Quem disse que Santo André
lidera emprego na temporada?

DANIEL LIMA - 20/09/2019

O desempenho do emprego industrial com carteira assinada nesta temporada segue a rotina dos últimos anos em que a recessão colheu a indústria automotiva de frente: o Grande ABC vai de mal a pior, mas entre os escombros sobra pelo menos um exemplar de fôlego. Trata-se de Ribeirão Pires, com a contratação líquida (entre perdas e ganhos) de 300 trabalhadores no setor. 

Parece pouco? São nada menos que 4,45% do estoque registrado em dezembro do ano passado. Muito mais (mais de 10 vezes, para ser preciso) que Santo André, a terceira colocada regional, com 0,43% de saldo positivo, com 180 novos trabalhadores. Rio Grande da Serra está em segundo lugar com saldo positivo de 2,42% de estoque, com 27 novas carteiras assinadas.

É possível que o leitor se confunda com números absolutos e números relativos. Os marqueteiros sabem disso muito bem e usam de esperteza para propagar, por exemplo, que Santo André lidera a contratação de trabalhadores formais nesta temporada. Pura enrolação. 

Números metabolizados 

Comparar bases desiguais de estoque e de saldo de contratações é malandragem mais que semântica. É estelionato informativo mesmo. Deveria haver uma Lei de Proteção Estatística. A administração de Paulinho Serra não escaparia de punição. É useira e vezeira em avaliações marotas do mercado de trabalho. 

De maneira geral os gestores públicos da região detestam incluir nos números de empregos formais anunciados todo mês pelo Ministério do Trabalho e Emprego dados isolados do desempenho industrial. É claro que todos sabem que emprego industrial é emprego industrial, ou seja, muito mais colecionador de vantagens trabalhistas que os demais. Na média, os salários são 30% maiores. E a indústria ainda carrega o piano regional. Serviços de baixo valor agregado são nossa marca registrada.  

Vamos fazer de conta que o que interessa de fato e para valer mesmo são os empregos em geral, ou seja, em todas as atividades econômicas, inclusive no setor público. Nesse caso, o saldo de Santo André nesta temporada seria de 1,29% do estoque, com 2.498 novas contratações. Bem à frente de São Bernardo, com 23 novas carteiras assinadas líquidas e 0,01% de crescimento do estoque. Ou seja: nada de nada. 

Se na comparação com São Bernardo de Orlando Morando a Santo André de Paulinho Serra só tem a comemorar na evolução do estoque geral de empregos formais, no confronto com São Caetano o bicho pega: são 2.175 trabalhadores a mais na vizinha mais nobre, com crescimento do estoque de 2,00%. Quase o dobro de Santo André, portanto. Então, nessa altura do campeonato, Santo André cai para o segundo lugar no ranking regional. E São Bernardo segura a lanterna. 

Caindo pelas tabelas 

Diadema sofrida de pequenas indústrias teve o estoque de trabalhadores formais em geral reduzido em 0,91%, com 780 demissões líquidas entre janeiro e julho deste ano, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Dessa cota negativa, a indústria contribuiu com 180 baixas.  

Santo André cai para o terceiro lugar no ranking geral de empregos formais desta temporada porque perde também para Mauá, que somou 819 contratações líquidas, ou 1,37% de variável do estoque registrado em dezembro do ano passado. 

Se Ribeirão Pires liderou disparadamente na indústria, o que teria ocorrido nos sete primeiros meses do ano quando se juntam todas as atividades? Simples: Santo André cai para o quarto lugar regional. A antiga Pérola da Serra lidera o avanço regional do estoque com 4,47%, resultado de saldo líquido de 872 empregos formais. 

Santo André escapou por pouco de nova queda no ranking, com os 1,29% de variação positiva do estoque na temporada. Rio Grande da Serra chegou próxima com 1,13%, resultado de líquidas 29 contratações. 

Menos riqueza 

Notaram que a verdade dos fatos nem sempre é a que aparece nos jornais que caem nas lábias de marqueteiros sempre predadores na hora de puxar a sardinha para a brasa de interesses nem sempre éticos? 

O que os jornais não dizem mas deveriam dizer é que o Grande ABC está uma draga no mercado de trabalho com carteira assinada também nesta temporada, apesar do crescimento do estoque por conta de atividades menos nobres como comércio e serviços, de remuneração bem mais modestas e de baixo impacto tecnológico. 

Basta pegar os dados do Brasil como um todo. Nesta temporada, o estoque de emprego industrial nacional avançou 1,03%. Mais de duas vezes a badaladíssima Santo André de marqueteiros infernais. No emprego em geral, com tudo contabilizado, o Brasil registrou neste ano crescimento de 1,20% do estoque. Nesse caso, perde de raspão para Santo André e outros endereços locais. 

O que me intriga é uma desconfiança. Trata-se do que chamaria preliminarmente de falseamento numérico do estoque de trabalhadores do setor de serviços de Santo André e de São Caetano. Há empresas documentalmente nos dois municípios que, por contarem com tentáculos além-fronteiras do Grande ABC, capitalizam contratações espúrias. Traduzindo: são empregos, ou parte de empregos, de papel. A ilação não é irresponsável e vale também para o setor de construção civil. São retalhos de guerras fiscais. 

Números sob suspeita 

Vou ficar apenas no setor de serviços. Nesta temporada, Santo André aumentou o estoque em 1.764 profissionais, ou 1,50% ante dezembro do ano passado, enquanto São Caetano registrou 2.038, ou 3,64% do estoque. Esses volumes distorcem o desempenho dos dois municípios ao criarem cenário de formalidade que não resiste à prática.  

Sei que é pouco provável provar essa desconfiança mais que sólida, mas ainda vou tentar. No caso da construção civil em São Caetano a manipulação parece evidente: o Município, segundo dados oficiais do Clube dos Construtores, está à mingua em termos de novos lançamentos e de vendas, mas só nesta temporada contabilizou 606 novos trabalhadores, ou 5,75% do estoque do setor.

O estoque de carteiras assinadas na construção civil de São Caetano é o maior da região, com mais de 12 mil trabalhadores. Supera Santo André e São Bernardo com os pés nas costas. Não é normal. A guerra fiscal dos anos 1990 com o prefeito Luiz Tortorello à frente deixa marcas. 

São Bernardo no prejuízo

Voltando ao caso da líder Ribeirão Pires, acho que é uma pauta interessante para os jornais locais descobrir o que se passa naquele território. Sobretudo no mercado de trabalho industrial. Possivelmente alguma fábrica ali desembarcou (quem sabe de outro endereço regional?) e com isso tenha impactado os números de efetivados na temporada. 

Quem não tem dormido bem é o prefeito Orlando Morando. São Bernardo está estagnada no estoque geral nesta temporada (quando se trata dos últimos 12 meses o saldo é negativo, de 0,05% do estoque) e contabiliza 1.092 baixas de carteiras assinadas no setor industrial. 

Considerando-se que nem todo o contingente previsto de sem-emprego da Ford foi para os arquivos do Ministério do Trabalho, parece pouco provável que a temporada termine fora da zona de turbulência vermelha. Não bastasse isso, os argentinos fecharam as torneiras de importação de veículos e comprometem previsões mesmo que modestas. 

Enquanto a indústria brasileira, mal ou bem, acrescentou até julho 73.755 novos trabalhadores ao estoque, ou 1,03% em relação a dezembro do ano passado, o Grande ABC soma perda líquida de 1.155 postos de trabalho. Ou seja: a recessão que insiste em se instalar aqui é muito mais teimosa que a recessão que virou uma pífia reação industrial no mercado de trabalho neste ano. Vamos precisar de mais quanto tempo para sair desse encalacramento?

Confiança abalada

Com tudo isso que vem do passado e não encontra ancoradouro seguro no presente, o ICEI (Índice de Confiança da Indústria) do Grande ABC só poderia estar sob estresse. Tanto que caiu para 56,4 pontos em agosto, bem abaixo dos 61,5 pontos apurados em fevereiro deste ano. A revelação foi anunciada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federações das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Os dados regionalizados estão sob a tutela do Observatório Econômico da Universidade Metodista de São Paulo. 

Os 56,4 pontos de confiança são uma marca bastante precária, quase no limite do preocupante. Afinal, abaixo dos 50 pontos há entendimento de que a avaliação é negativa. Pouco acima dessa marca, portanto, não é muito diferente. 

A confiança dos representantes da indústria no Grande ABC está abaixo da média nacional. O Índice de Confiança da Indústria baixou de 64,5 pontos no final de 2018 para 59,4 pontos em agosto deste ano. Comparando os dados, a indústria do Grande ABC registra três pontos aquém da média nacional. 

O boletim da Metodista atribui a baixa no humor industrial “especialmente à incapacidade de o atual governo emplacar uma política econômica que fomente o crescimento do País”, segundo o professor Sandro Maskio, coordenador de estudos do Observatório Econômico. 

A avaliação é incompleta e desbalanceada: a macroeconomia é inteiramente desfavorável à indústria. Especificamente o setor automotivo, motor de arranque e coração da economia regional, está abaladíssimo com a crise na Argentina, que reduziu em quase 40% a importação de veículos. 

Mais que os desarranjos verbais do presidente Jair Bolsonaro e nuances congressistas de sabotagens à Lava Jato, o quadro internacional afeta o mundo industrial, caso especialmente complexo das disputas comerciais entre norte-americanos e chineses. Sem contar, claro, o passado de algazarras de déficit público incontrolável do governo petista, associado à roubalheira generalizada. Tudo isso ataca o coração do empreendedorismo industrial. 



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