Fui surpreendido nesta tarde com telefonema do jornalista Wilson Moço, um dos editores do Diário do Grande ABC. Ele me solicitou um texto de até dois mil caracteres sobre a morte do jornalista Fausto Polesi, um dos fundadores daquele periódico e meu chefe durante 15 anos (de 1970 a 1985). Sei lá se o material que enviei ao Wilson Moço será mesmo publicado na edição de amanhã do jornal. Não mantenho relações amistosas com o dono da publicação, Ronan Maria Pinto. Somos opositores no campo jornalístico, esportivo e corporativo. Enxergamos determinadas situações de forma bastante diferente.
Não escondo de ninguém minhas desavenças. Talvez o texto que tenha preparado sobre Fausto Polesi seja jogado no lixo, apesar das boas intenções de Wilson Moço. Tomara que esteja errado e que o Diário tenha evoluído no tratamento àqueles que não lhe são compulsoriamente adesistas. Como exemplar é a atuação da TV Globo, alvo de críticas do jogador Sócrates mas nem por isso afastado da programação nestes dias de complicações gastrointestinais do ex-craque do Corinthians.
Coincidentemente, quando o telefone tocou e Wilson Moço estava do outro lado da linha, me preparava para escrever sobre Fausto Polesi nesta revista digital.
O que escrever sobre alguém que acaba de morrer e com o qual mantive relação de absoluta harmonia como funcionário mas que, mais tarde, como acionistas da Editora Livre Mercado, empresa da qual o Diário do Grande ABC tinha participação majoritária, nos envolvemos em alguns confrontos?
Mais que isso: o que escrever sobre Fausto Polesi se, naquele 2004, quando estava prestes a assumir o cargo que foi dele durante quatro décadas, convidado pelo ramal dos Dottos após escaramuças jurídicas que culminaram com o afastamento dos Polesis, tive a posse adiada, acusado injustamente que fora de participar daquele emaranhado corporativo?
Sei que tudo isso parece confuso, e de fato é. Por isso prefiro lembrar de Fausto Polesi apenas pelo viés da experiência de repórter e editor. Tempos de Diário do Grande ABC soberano no jornalismo regional. Tempos em que o jornal buscava referências de qualidade no então invejável Jornal do Brasil.
Desse Fausto Polesi só tenho boas recordações. Sempre nos respeitamos. Jamais impôs mesmo que subjacentemente qualquer tipo de pressão que resvalasse na ética profissional, na liberdade informativa, no respeito individual.
Nem quando se meteu no cargo de presidente do Esporte Clube Santo André, numa enrascada que somente o atual comandante do jornal, Ronan Maria Pinto, conseguiu superar em termos de dificuldades, nem naquele tempo, começo dos anos 1980, Fausto Polesi interpôs restrições jornalísticas.
E não há como negar que a situação era incômoda. Escrever com liberdade num jornal cujo diretor de Redação acumulava o cargo de presidente de uma equipe que por um triz não foi rebaixada de divisão, de um presidente que contratou um show caríssimo com os então disputadíssimos Menudos num Estádio Bruno Daniel sob chuva torrencial, num espetáculo que fracassou tanto em público como em bilheteria, escrever naquelas condições não era nada agradável.
Pois Fausto Polesi sempre nos deu ampla liberdade. Quando digo ampla liberdade não quero ser politicamente correto, porque não sou. Ele de fato não se intrometia. O que escrevi naquele período foi de inteira responsabilidade individual. Com evidentes cuidados, mas sem frustrar a realidade dos fatos.
Fausto Polesi foi um municipalista empedernido à frente de um jornal regional explicitado na própria marca muito bem sacada por Edson Danilo Dotto, um dos fundadores da publicação.
Fausto Polesi era Santo André acima de tudo. Respirava Santo André. Transpirava Santo André. Homem de boa-fé, acabou capturado por alguns grupos da cidade em que nasceu. Grupos que, igualmente, colocavam Santo André acima de todos os demais municípios. Gente de boas intenções na maioria dos casos, mas gente que enxergava o Grande ABC pela cartografia de Santo André.
Seria bajulador se dissesse que Fausto Polesi foi meu mestre no jornalismo.
Primeiro porque, ao menos comigo, jamais se preocupou explicitamente. Raras foram as intervenções em meus trabalhos. Possivelmente porque nos faltava tempo naquela correria sem hora para terminar.
Segundo porque sou o resultado de minhas circunstâncias de leitor e de fazedor de informação. Não tenho um único nome que possa acentuar como paradigma profissional. Da mesma forma que na música, no teatro, no cinema, na literatura, em diversas manifestações culturais, não tenho um modelo acabado, também no jornalismo sou multifacetado e continuamente em transformação. Só no futebol o preto e o branco, também de Fausto Polesi, não admitem complementaridades.
Fausto Polesi foi importante na minha carreira profissional, iniciada antes de conhecê-lo naquela casinha que sediava o Diário do Grande ABC na esquina próxima do edifício só construído mais tarde. Com ele aprendi a elasticidade da liberdade que editores e repórteres devem contar para exercitar a profissão.
Poucas vezes vi alguém trabalhar tanto, todos os dias, dedicadamente, como Fausto Polesi. Aquele quarto andar do Diário do Grande ABC mantinha-se iluminado até tarde da noite. Quando as luzes se apagavam, Fausto Polesi estava a caminho do elevador. Respirava jornalismo como os jornalistas de verdade. Foi empresário de comunicação por acaso.
Agora que Fausto Polesi se foi, não vai faltar gratidão às inúmeras jornadas críticas que exercitou durante décadas à frente do Diário do Grande ABC. Parte da sociedade é mesmo chegada a injustiças: demoniza em vida o que enaltece pós-morte. Mais que isso: usa para situações análogas dois pesos e duas medidas, porque aos mortos presta reconhecimento tardio, e aos vivos mantém discriminações.
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06/12/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (40)