Imprensa

Por que decidiram velar o corpo de Fausto Polesi no Legislativo?

DANIEL LIMA - 25/08/2011

Velar o corpo do jornalista Fausto Polesi no Legislativo de Santo André equivale a velar meu corpo na sede do Clube dos Prefeitos ou na sede da inútil Acigabc, Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC, entre outras opções do cardápio de entidades de desempenho muito aquém das necessidades regionais. Fausto Polesi passou a vida inteira esmurrando improdutividades legislativas assim como este jornalista distribui cacetadas à escassez de regionalidade e de responsabilidades sociais das entidades públicas e de classe.

Possivelmente a ideia de homenagear aquele que foi o grande condutor editorial do Diário do Grande ABC ao longo de mais de 40 anos tenha sido com a melhor das intenções, mas choca-se frontalmente com o legado de um combatente incansável das peraltices públicas.

Tenho os dois livros que Fausto Polesi assinou, mas, na pressa de redigir este texto na manhã desta quinta-feira, enquanto o corpo dele ainda descansava no salão nobre da Câmara de Vereadores de Santo André, encontro apenas um dos exemplares, de “Editoriais”. Lembro-me bem de ter sido convidado à noite de autógrafos. Foi um encontro sem rebuscamentos. Fausto Polesi não era adepto de lantejoulas cerimoniais.

“Editoriais” foi lançado em 23 de setembro de 1982. A assinatura de Fausto Polesi está ali, sob uma dedicatória que revelava seu poder de síntese: “Ao amigo Daniel de Lima, que é brigador dos bons, na defesa de ideais, meu abraço”.

Constam daquela obra 157 textos que Fausto Polesi publicou em forma de editorial no Diário do Grande ABC. Mais tarde, escreveu na “Toca da Onça”, o tal exemplar que não encontro na pressa dessa manhã.

Volto ao assunto inicial: por que velaram o corpo de Fausto Polesi no Legislativo de Santo André com tantas opções disponíveis, como a sede da Acisa (Associação Comercial e Industrial de Santo André) o Poliesportivo do Esporte Clube Santo André, a sede da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais. Em todas essas instituições Fausto Polesi foi dirigente de ponta.

Por que justamente o Legislativo de Santo André se Fausto Polesi tinha horror às ineficiências e às sinecuras dos poderosos ou supostos poderosos?

Querem ver só? Pois transcrevo alguns trechos do editorial “Quando o dragão descansa, o povo sossega”, retirado do livro “Editoriais”:

  • Nunca, em tempo algum, o Poder Legislativo no Brasil alcançou notoriedade pelo valor e atuação de seus membros. Contam-se nos dedos os momentos de real grandeza das Casas de Lei, salvando-se nas diversas legislaturas apenas alguns poucos parlamentares, sustentando o argumento de que a existência dos Legislativos é indispensável ao exercício democrático. No geral, contudo, a conduta dos vereadores, deputados e senadores tem sido abaixo da crítica, levando o leitor a encarar com indiferença a instituição, além de levá-lo à formalização de conceito nada lisonjeiro aos legisladores. Chegou-se até a cunhar a frase de que todo o político é ladrão.
  • O mais dramático, para os destinos da Nação, é que a grande maioria dos detentores de cargos legislativos, em resposta à contundente sentença popular, tem agido exatamente como é pintada, sendo comum ouvir-se o desabafo desses maus brasileiros: já que dizem que somos desonestos, vamos entrar em conchavos e mamatas; pelo menos, as acusações terão fundamento. E quando não é a atitude acintosamente corrupta, no sentido de obtenção de benefícios próprios, os parlamentares ousam gastar o dinheiro do povo em festas regaladas e instalações suntuosas, como a responder às insinuações do povo com desafios.
  • A partir do vereador, os integrantes do Poder Legislativo têm ferido de morte a instituição, que só se mantém pela coragem e espírito cívico de alguns denodados. Diante do espetáculo triste que se vai vendo, o recesso parlamentar, ora em desenvolvimento, tem o sabor de uma trégua à comunidade, que poderá se ver livre dos atos maléficos de seus representantes por certo tempo. Diz-se poderá, porque no caso do Município o prefeito tem o poder de levantar o recesso e convocar uma sessão extraordinária, o que sempre é temerário aos interesses do povo, uma vez que os vereadores reunidos em regime de deliberação constituem incontornável perigo aos altos objetivos comunitários, como têm dando prova alguns Legislativos, cuja maioria de integrantes é dócil e obediente às ordens do Executivo.
  • O descanso das Câmaras Municipais, que deveria ser acompanhado de certa angústia pelo povo, pois este ficaria privado pelo tempo de 60 dias da ação fiscalizadora dos vereadores, acaba sendo saudado como alívio. Haveria necessidade de perguntar-se qual a razão desse julgamento ferino do povo? Não, não há. A razão é a flagrante distorção da prática do dever, intrínseco ao mandato popular.

Há outros artigos em “Editoriais” que abordam a atuação dos legislativos. Todos sob pancadaria ética de Fausto Polesi. Daí não ter explicação convincente a escolha do local para velar seu corpo até a manhã desta quinta-feira. Sei que o assunto é constrangedor, mas a bem da verdade histórica de um jornalista que enfrentou escaramuças internas para sustentar grau de independência editorial que está a léguas de distância do que se observa nestes dias, esse reparo é apenas uma forma de, de alguma forma, evitar interpretações danosas à imagem do homenageado.

Fausto Polesi, do quarto andar do Diário do Grande ABC, não observava de bom grado o Paço Municipal de Santo André diante de seus olhos.


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