Vem de longe a catástrofe que ganha elásticas proporções na medida em que o tempo não perdoa: como mostraram os jornais da região, a Rota do Frango com Polenta está indo para o espaço; e, como mostrou o Repórter Diário ainda outro dia, na esteira do desfalecimento da Rota do Frango com Polenta, a Rota dos Motéis também está indo ladeira abaixo. Nossa crise econômica tem o formato adicional de cama, mesa e banho. Não bastasse a origem sobrerrodas – das montadoras de veículos e fornecedores.
Sou generoso ao dizer que tanto uma rota quanto outra estão indo para o beleleu, porque de fato já o foram. O que sobram são fantasmas empresariais que mais dia menos dia terão o mesmo destino.
Isso quer dizer que São Bernardo não está perdendo apenas marcas industriais importantes, caso da Ford mais recentemente. A trajetória de desindustrialização reúne dezenas de logomarcas que podem ser encontradas com facilidade. Basta viajar para o Interior do Estado, sobretudo na Região Metropolitana de Campinas. Há um desfilar de logomarcas migrantes ao longo de estradas.
Parte dos problemas
A Rota do Frango com Polenta, outrora atrativo nacional, perdeu o São Judas Tadeu, o Florestal e o São Francisco. Todos a bordo do esfacelamento industrial, mas não só por conta disso.
O emagrecimento das montadoras, sobretudo da Volkswagen, não perdoou uma coleção de problemas e mudanças de comportamento do mercado que, até prova em contrário, é o resultado de sentimentos e ações da sociedade. Ou seja, o mercado não é uma abstração. Tanto quanto o Estado em forma de municípios, por exemplo.
É muita coisa mesmo envolvida na quebra da Rota do Frango com Polenta e também na Rota dos Motéis. Uma das quais, entre as mais importantes, é a apatia da Administração Pública Municipal.
Os agentes políticos de São Bernardo e do Grande ABC como um todo são avessos a parcerias com a iniciativa privada. Consideram eventuais aproximações desnecessárias, quando não pecaminosas, quando não incompatíveis. Parecem acadêmicos de universidades avessos ao mercado, quando se sabe que é o mercado que produz riqueza.
Há também outros fatores difíceis de comprovar, mas especulados com fundamentos relacionados ao grau de corrupção na política nacional.
Nas estradas dá-se o nome de pedágio a tudo que envolva remuneração legal, mesmo que elevadíssima, pelo uso de veículos.
Nos municípios, pedágio tem outro significado, verdadeiramente metafórico, que consistiria em sobrepreço inicial e muitas vezes alongado a investimentos privados cujos responsáveis prescindem mesmo de localização privilegiada. Nesse ponto, com três milhões de consumidores, somos um paraíso aos grandes conglomerados comerciais.
Tiro pela culatra
Temos ao longo dos anos com prefeitos e secretários municipais gente recolhedora de impostos e fabricadoras de ações varejistas, de curto prazo. É utopia investir para valer em cérebros para perscrutar o futuro regional, mesmo o futuro de nichos que ajudam a formatar a cultura empreendedora e a rechear os cofres públicos.
Talvez ainda haja tempo a uma ação coordenada que amenizaria os estragos na Rota do Frango com Polenta e da Rota dos Motéis. Possivelmente a Rota do Frango com Polenta possa ser rebatizada para valer de Rota dos Restaurantes, como assim a identificou um filmete em que o prefeito Orlando Morando, na ânsia de minimizar os estragos na imagem de São Bernardo, produziu a gravação no interior de um dos estabelecimentos que resistem.
Pena que ironicamente, a comprovar que a maré não está para peixe, a produção do vídeo espalhado nas redes sociais, Orlando Morando não tenha reparado que, acompanhado do secretário de Desenvolvimento Econômico Hiroyuki Minami, praticamente eram os únicos frequentadores do estabelecimento. Uma contrapropaganda à iniciativa.
Contribuição zero
Jamais em qualquer Município da região com nichos de determinadas categorias de mercado ou mesmo de vocação comercial acentuada foi contemplada com alguma coisa que possa ser chamada de assessoria especializada para fomentar novos rumos aos estabelecimentos.
Entregues, portanto, aos deus-dará da competição autofágica num Grande ABC cujo potencial de consumo (como temos analisado ao longo dos tempos) se esfarela a cada nova temporada, os empresários do setor de comércio e serviços desferem golpes mútuos que os enfraquece individual e conjuntamente.
A Rota do Frango com Polenta e a Rota dos Motéis são provas provadas de um acúmulo de inconformidades, entre as quais a ausência do Estado (no caso, Prefeituras) em forma de coordenação e indução à modernidade.
Consultorias especializadas em competitividade existem há muito tempo e jamais foram sequer cogitadas pelo Poder Público. E o dia-a-dia alucinante dos pequenos empresários em busca de sobrevivência praticamente sequestra a visão de médio prazo dos próprios negócios.
Geração de riqueza
Seria mesmo pedir demais que as prefeituras fossem parceiras estratégicas de empresas do mesmo setor ou interdependentes num mesmo território geográfico. De fato, na maioria dos casos, o que temos mesmo são medidas praticamente coercitivas aos empreendedores em forma de rigidez fiscalizatória e custos extorsivos de impostos – além de abandono ou baixíssima colaboração em questões como infraestrutura física.
A falta de parceria entre os empreendedores (nesse ponto as associações comerciais são uma lástima de burocracia e ineficiência, quando não de politiquismo oportunista) poderia ter sido compensada com iniciativas da Prefeitura que, em última instância, ganharia com o recolhimento adicional de impostos e mais empregos.
Acervo explica situação
Para não dizerem que estou a escrever sem fundamentação, recorro (mais uma vez) ao acervo da revista LivreMercado, predecessora de CapitalSocial, publicação impressa que circulou durante 18 anos na região. Vejam os primeiros parágrafos do texto que assinei para a edição de abril de 1998 (portanto, há praticamente 22 anos), sob o título “Temáticos vão empregar 20 mil”.
Mas, antes disso, um lembrete: os parques temáticos mencionados na matéria jamais foram instalados no Grande ABC. Da mesma forma que a prometida intervenção na Rota do Frango com Polenta e da Rota dos Motéis também nunca saiu dos planos teóricos. Acompanhem alguns trechos de uma reportagem, repito, assinada há 22 anos.
Os dois parques temáticos projetados para o Grande ABC vão agregar, de forma direta e indireta, 20 mil pessoas -- contingente de mão-de-obra semelhante ao da planta industrial da Volkswagen do Brasil, em São Bernardo. A projeção é dos próprios empreendedores envolvidos nos dois negócios. O parque temático previsto para a Avenida dos Estados, em Santo André, ao lado da Balas Juquinha, envolverá investimento de US$ 80 milhões e representará a criação de sete mil empregos, 1,1 mil dos quais diretos. O parque temático programado para São Bernardo custará perto de US$ 130 milhões e deverá contar com 13 mil empregos diretos e indiretos. O empreendimento em São Bernardo não ocupará mais os quase 300 mil metros quadrados da desativada fábrica da Volks Caminhões. Os investidores, que continuam a manter identidade pessoal a salvo de curiosidade, realizaram em março série de reuniões com o alto escalão da Prefeitura de São Bernardo, especialmente com o prefeito Maurício Soares e o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Fernando Longo. Eles representam os interesses da Arrows, organização de capital britânico que soma algumas dezenas de empreendimentos em parques de diversões espalhados pelos Estados Unidos e Europa.
Mais matéria de 1998
(...) A opção pela área na Represa Billings, nas proximidades do Riacho Grande, satisfaz os representantes da Arrows porque aquela região já tem vocação natural para entretenimento e, mesmo sem estrutura e organização, atrai milhares de visitantes nos finais de semana. O secretário Fernando Longo demonstra entusiasmo com a possibilidade do investimento da Arrows e vai mais longe: "A área é extensa o suficiente para comportar um parque temático e ecológico" -- afirma. O secretário Fernando Longo também acredita nisso. Ele afirma que a duplicação da Rodovia Índio Tibiriçá, que liga o Grande ABC à Grande Mogi das Cruzes, antiga reivindicação baseada em dotar a estrada de maior segurança já foi encaminhada ao Governo do Estado.
(...) O secretário municipal garante que as atrações que já existem no trecho da Via Anchieta que envolve a Rota do Frango com Polenta, a Rota dos Motéis e as casas noturnas do Riacho Grande, além do Parque Estoril, estão sendo objeto de planejamento estratégico para série de ações em conjunto com os empreendedores já instalados, entre as quais campanha de marketing. "Temos oito quilômetros de praias na Billings, prontas para ser exploradas de forma responsável"-- afirma o secretário.
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