Quem ganha mais de 20 salários mínimos no Grande ABC deve erguer as mãos aos céus. A desindustrialização prevalecentemente sindicalista dos anos 1980, que se acentuou com a chegada do Plano Real em 1994 e se consolidou de vez com o PT no governo federal neste século, também feriu de morte os empregos dessa faixa salarial. O Grande ABC é o retrato fiel do fracasso de tucanos e petistas que ocuparam Brasília. Além, claro, da inapetência dos grupos políticos locais que não entendem patavina de economia, mas são diplomados em demagogia.
O governo do Estado não entra no balanço porque o governo do Estado sempre foi omisso, quando não populista nas questões econômicas. Haja vista João Doria e os presentes fiscais às empresas de vários setores, entre os quais as montadoras de veículos.
Em 2006 fizemos denso estudo comparativo dos valores salariais em diversas faixas monetárias. Outros textos foram produzidos antes e depois disso. Hoje vamos mostrar dados atualizados até 2018. Fomos despertados a essa que será uma breve série sobre o assunto pela reportagem do Diário do Grande ABC de domingo.
Período mais longo
Com estudos do professor Sandro Maskio, da Universidade Metodista de São Bernardo, o jornal mostrou o crescimento do emprego de até três salários mínimos na região nos últimos 10 anos. Também faremos análise dessa faixa etária, alargando o período a 23 anos, ou seja, desde o Plano Real, ponto central de transformações profundas na economia brasileira e particularmente no Grande ABC.
O foco de hoje é específico num nicho emblemático do empobrecimento regional: os rendimentos de trabalho que ultrapassam 20 salários mínimos. O Grande ABC perdeu no período de 23 anos (de 1995 a 2018) nada menos que 88% desses profissionais. Uma catástrofe que explica a quebra da mobilidade social na região. O total de 88% de perdas de empregos de mais de 20 salários mínimos significa 38.532 carteiras profissionais a menos. Praticamente a lotação da Arena Corinthians.
Perder profissionais que amealham altos salários é um chute nos fundilhos do consumo. E perder dezenas de milhares significa mesmo catástrofe à mobilidade social.
Os indicadores socioeconômicos do Grande ABC, tradição de análise de LivreMercado/CapitalSocial nos últimos 30 anos, são mais que esclarecedores. São um grito de alerta às autoridades públicas e às instituições classistas que se mantêm inertes, como se o barco chamado Grande ABC não estivesse à deriva.
Vou mais longe: muito dessa gente que fica o dia inteiro matracando questões políticas nas mídias sociais deveria reservar uma parcela do tempo de ativismo partidário a assuntos mais nobres. Como o empobrecimento contínuo do Grande ABC.
PT supera FHC em perdas
Os números dos empregos de trabalhadores com vencimentos acima de 20 salários mínimos são mesmo ainda mais contundentes quando saltam do percentual de rebaixamento de 88% em 23 anos e se materializam em quantidade absoluta. O Grande ABC contava com 43.389 trabalhadores no topo de assalariamento em 1995, um ano após a implantação do Plano Real do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso.
Oito anos depois, com o encerramento do período fernandohenriquista, sobraram nas empresas 22.412 empregos que garantiam mais de 20 salários mínimos. Uma queda de 48,3%. Aí vieram os 14 anos de governos petistas, completados nesse período de análise pela tomada do poder pelo emedebista Michel Temer. Resultado em 2018: apenas 4.857 trabalhadores de altíssimo salário.
Trata-se de queda de 78,32% entre o fim do governo FHC e o período quase integralmente comandado pelo PT de Lula da Silva. Quando se comparam os dados a partir do primeiro ano do governo FHC e o período deste século sob o controle petista e os efeitos colaterais do impeachment da presidente Dilma Rousseff, o rebaixamento do emprego de mais de 20 salários mínimos no Grande ABC é de arredondados 88%.
Cadeia de infortúnios
Se o governo Fernando Henrique Cardoso proletarizou o emprego no Grande ABC, num efeito colateral do jogo bruto imposto às pequenas e médias indústrias locais em benefício das montadoras de veículos (já escrevi muito sobre isso), o governo petista acrescentou ainda mais nitroglicerina no paiol de empobrecimento.
É claro que também pesaram os efeitos ruinosos da política fernandohenriquista nessa equação, mas o peso do sindicalismo, que se sentiu ainda mais poderoso tendo um ex-sindicalista na presidência, acrescentou ainda mais discriminações e corporativismos. Os chamados comitês de fábricas, que se espalham por São Bernardo e Diadema, são um convite a novas e caudalosas deserções industriais.
Produziremos nos próximos dias mais análises sobre as transformações no perfil dos empregos formais no Grande ABC nos últimos 23 anos. Procuraremos agregar mais dados. Já temos todos os resultados da região, mas pretendemos acrescentar outras geoeconomias, como fizemos na análise publicada em junho de 2006 nesta revista digital.
Veja análise de 2006
O que pretendemos demonstrar, como daquela vez, é que a crônica do emprego de qualidade destruído é mais acentuadamente uma deformação do tecido econômico do Grande ABC do que em qualquer outro espaço municipal no Estado de São Paulo e mesmo no âmbito nacional. Foi o que fizemos há 14 anos com a produção do texto “Governo FHC proletariza classe média da região”. Vejam alguns trechos daquela análise.
O Grande ABC crescentemente classe média no embalo de três décadas da indústria automotiva mergulhou na maior crise socioeconômica de sua história a partir da segunda metade dos anos 1990, até tornar-se reduto prevalecentemente proletário. Foi por água abaixo sem choro nem vela a decantada mobilidade social, traduzida como a possibilidade prática de miserável virar pobre, de pobre virar classe média-baixa, de classe média-baixa virar classe média-média, de classe média-média virar rico e de rico virar milionário. Os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, entregues à abertura econômica combinada com série de descuidos, tornaram os sete municípios do Grande ABC maiores vítimas da precarização do mercado de trabalho no Brasil. O rebaixamento de salários é um dos mais contundentes rescaldos da transposição apressada do nacional-desenvolvimentismo para a globalização, casa de marimbondos em que o Brasil se meteu nos anos 1990. O Grande ABC combinou quebra de valores salariais com monumentais perdas de empregos industriais, alma e coração de sustentação da classe média.
Mais perdas do Grande ABC
O desbalanço entre perda de empregos formais de mais de 20 salários mínimos e aumento de empregos formais de até cinco salários mínimos é latente nos estudos do IEME, sempre com base em números oficiais do Ministério do Trabalho. O acréscimo de 59% do pelotão de trabalhadores de baixos vencimentos mensais (a faixa de até cinco salários mínimos significa, em valores de hoje, no máximo R$ 1.750) no Grande ABC contrasta com a média de 37% no G-3I (Campinas, Sorocaba e São José dos Campos) e está acima dos 46% do G-3C (São Paulo, Guarulhos e Osasco). Se o confronto for com a média do G-13 (exatamente os 13 municípios citados), a derrota é fragorosa: a massa de trabalhadores de até cinco salários mínimos cresceu apenas 12,3% no período de oito anos do governo FHC, incluindo-se os números do Grande ABC. A proletarização salarial na Região Metropolitana de São Paulo (17,6%) é menos de um terço da média registrada no Grande ABC. O Estado de São Paulo contabilizou 27,6%. A média nacional, mesmo elevada, de 43%, está aquém da dos sete municípios da região.
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