Quando você ouvir ou ler alguém de alto calibre (um prefeito negligente, por exemplo), propagandear a criação de empregos, preste muita atenção. Se forem empregos de serviços, principalmente de serviços, mas também de comércio, o melhor a fazer é ignorar. Não o leve em conta ou prepare a punição em forma de voto em outubro. Afinal, ele, o autor do enaltecimento demagógico, é um estúpido em forma de autoridade.
Desde o Plano Real, há duas décadas e meia, o Grande ABC faz água no mercado de trabalho. Perdemos empregos industriais e ganhamos empregos do terciário. Resultado? Queda acentuada da capacidade de consumo como consequência da estagnação, quando não do retrocesso, da mobilidade social. Tudo se agrava a cada novo rebaixamento do estoque de emprego formal industrial.
Mostramos ontem que o Grande ABC perdeu 88% dos empregos formais de trabalhadores que em 1995 recebiam mais de 20 salários mínimos mensais. Nada menos que 88% do universo desse nicho cada vez mais desmilinguido. Eram 43.389 trabalhadores de elevadíssimos salários quando Fernando Henrique Cardoso comandava a República. Sobraram apenas 4.857 em 2018, quando Michel Temer exercia mandato-tampão da petista Dilma Rousseff, mais que justamente apeada do cargo. Em suma: perdemos praticamente uma Arena Corinthians do melhor emprego disponível.
Crescimento assustador
Agora vamos para o extremo oposto da grade de remuneração controlada pelo Ministério do Trabalho. De trabalhadores formais que recebem até cinco salários mínimos. De gente que só encontrou vaga no comércio e nos serviços, principalmente. Esse contingente aumentou consideravelmente no período de 23 anos. Nada menos que 169% no período.
Esse é o típico caso em que mais é menos, quando comparado ao quadro geral de remunerações. No conjunto da obra, contando-se todas as atividades profissionais regularmente registradas, o Grande ABC de 1994 registrava com 229.550 trabalhadores que recebiam até cinco salários mínimos por mês. Quando Fernando Henrique Cardoso deixou a presidência, oito anos depois, em 2002, já eram 364.706 trabalhadores do Terciário. Agora em 2018, com Michel Temer em Brasília, o estoque subiu para 617.754 trabalhadores. O esquartejamento ficou evidenciado. Menos emprego industrial, mais emprego do Terciário.
Fosse isso o fosso máximo, até que a situação poderia ser amenizada. Mas quando se faz um novo recorte, agora no universo de quem ganha até cinco salários mínimos, os dados são ainda mais preocupantes. Se apertar o cerco e reduzir o contingente ao bloco de quem recebe até três salários mínimos, ou seja, descartam-se os vencimentos de quatro e de cinco salários mínimos, chega-se ao total de 501.710 trabalhadores. Nada menos que 81,21 % dos detentores de carteira assinada que recebem até cinco salários mínimos.
Cuidado com falsificadores
Por essas e outras é importante ter senso crítico aflorado quando algum fraudador da realidade econômica do Grande ABC saltar nas páginas do jornal para enaltecer, por exemplo, o saldo mensal de empregos registrados pelo Ministério do Trabalho.
Primeiro, não há quem esqueça o básico, ou seja, que o saldo quantitativo não condiz com a verdade na maioria dos casos, porque o que vale mesmo para medir a temperatura é a variação percentual do estoque, que respeita tamanhos diferentes dos municípios.
Segundo, porque comércio e serviços de baixíssimo valor agregado, como é o caso do Grande ABC, não fazem verão de Desenvolvimento Econômico. São atividades quase que integralmente de sobrevivência.
Prefeitos charlatães não levam nada disso em conta. Entretanto, como saem por aí em comissão de frente ufanista para vender mentiras, não faltam incautos que acreditem na manipulação. Afinal, prefeito é prefeito e como tal, por mais que a classe política esteja sob questionamento, há sempre quem caia no conto dos números.
De FHC a Temer
A comparação inevitável que coloca de um lado a perda caudalosa de empregos de mais de 20 salários mínimos e de empregos que pagam até cinco salários mínimos nos últimos 23 anos é pedagógica no sentido de que é preciso acompanhar com atenção os estragos provocados pela desindustrialização que não cessa.
Perder mais de 38 mil empregos que garantiam mais de 20 salários mínimos e ganhar 388.204 de até cinco salários mínimos (229.550 em 1994 de FHC e 617.754 de 2018 de Michel Temer) é a prova provada dos danos diretos e indiretos da evasão de empresas industriais, bem como de desaparecimento de unidades do setor ao não resistirem às cíclicas crises econômicas de um Pais que não para de perder competitividade industrial.
Participação residual
O tamanho da encrenca embutida no confronto de salários mínimos (até cinco e mais de 20) também pode ser avaliado pela participação de um estrato salarial em relação ao outro nos 23 anos medidos com exclusividade por este jornalista. Em 1995, no ano seguinte à implantação do Plano Real, os assalariados que contavam com contracheques de mais de 20 salários mínimos representavam 17% do mercado de trabalho na região. Eram 46.029 trabalhadores de um total de 514.551 em todas as atividades econômicas (comércio, serviços, construção civil, Administração Pública, Agropecuária). Vinte e três anos depois (e se preparem para o percentual que virá), a participação dos mais ricos em salários caiu para míseros 1,97% em relação ao mercado de trabalho geral – 4.857 do total de 724.611.
Evolução espantosa
É claro que a miniaturização participativa dos salários acima de 20 salários mínimas teria de ter como contraponto o agigantamento dos trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos. Em 1994 os 229.550 representavam 45,36% dos assalariados no Grande ABC. Na ponta da pesquisa, em 2018, os números finais do mesmo estrato salarial foram alucinantes: passaram a significar 85,25% do total de trabalhadores.
Sair de participação relativa de 45,36% e quase dobrar para 85,25% desperta mais que inquietação. Impõe também um grito de alerta. Não duvidem que algum prefeito de plantão useiro e vezeiro em vender lorotas, contando para tanto com marqueteiros de araque, prepare alguma peça publicitária ou mesmo outdoor e anuncie que o Município pelo qual é responsável aumentou em estratosférica percentual o número de trabalhadores dessa faixa etária. No conjunto do Grande ABC, entre 1994 e 2018, o emprego com até cinco salários mínimos aumentou 169,11% quando se estabelece vínculo com o total de trabalhadores com carteira assinada.
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