Economia

Mobilidade social foi para o
espaço no Grande ABC. Veja

DANIEL LIMA - 28/02/2020

Sabe o leitor em quantos textos do acervo desta revista digital, herdeira legítima da revista de papel LivreMercado, tratamos direta ou indiretamente de mobilidade social? Arrisque. Nada menos que 245. Isso mesmo. Há alguns dados sobre os quais não havia me debruçado, mas que merecem abordagem. Antes disso, traduzo em linguagem simples o que é mobilidade social.

Quando o miserável vira pobre e o pobre vira classe média baixa, temos sinais evidentes de que a mobilidade social parece vicejar. Sobretudo se o saldo geral for seguramente positivo. Aliás, apenas se o saldo geral for seguramente positivo. A corrente da mobilidade social se completa quando o classe média baixa vira classe média-média e o classe média-média vira rico.

Estamos conversados? Pois é. Tive a pachorra (quem usava essa expressão era meu velho pai) de dar uma vasculhada nos dados do Grande ABC deste século, tendo como base de partida o ano de 1999. Comparei o Grande ABC com o Estado de São Paulo, com o G-15 (o grupo dos 15 municípios mais importantes do Estado, exceto a Capital do Estado e os municípios do Grande ABC) além de, também, o Brasil como um todo.

Alquimias estatísticas

Esse tipo de confronto, ou de confrontos, é o que interessa quando se pretende tomar a temperatura econômica (além de social, fiscal, administrativa) do Grande ABC. Já cansei de dizer que comparar o Grande ABC de ontem com o Grande ABC de agora pode abrir alguma janela de informação, mas não abre todas as portas da argumentação.

Em muitos casos malfeitores estatísticos fazem alquimias político-administrativas com o uso restrito de dados no tempo. Temos prefeitos que consideram o mundo municipal propriedade de gestão eficiente quando os dados históricos o favorecem. Quando dados também históricos são desfavoráveis, pulam fora. São acrobatas de ocasião que estatelam as fuças na primeira plataforma de avaliação isenta.

Antes de passar aos confrontos, cabe reiterar assertiva sobre a atuação do conjunto dos prefeitos que estão atuando formalmente no Grande ABC.

Quando os considero os piores de safras que já ocuparam os respectivos cargos, sempre numa análise que leva em conta a regionalidade em múltiplas dimensões, não estou exagerando. O conjunto de prefeitos, supostamente acomodados no Clube dos Prefeitos (que, todos sabem, é uma jogada de mestre que se transformou em castelo de areia) é de capacidade organizacional sofrível.

Riqueza acumulada

Orlando Morando e Paulinho Serra, que ocuparam a presidência do Clube dos Prefeitos, fracassaram como fracassará o atual titular da entidade. Sem a sociedade a acossar os prefeitos, nada avançará. O resto é patifaria marqueteira de gente que não faz outra coisa senão enrolar o distinto público. Gente, inclusive, que se imagina produtiva socialmente. São técnicos que se perdem nas especialidades que imaginam dominar, cuja métrica de coragem reformista esbarra na preservação do cargo.

Acompanhem, agora, as transformações socioeconômicas neste século no Grande ABC em relação a outros territórios. Os dados, da Secretaria de Tesouro Nacional, foram sistematizados pela Consultoria IPC, especializada em potencial de consumo. A mesma empresa que levei voluntariamente ao prefeito Paulinho Serra para encaixar o IPTU numa bitola reformista e preservadora das desigualdades sociais. Dei com os burros nágua.

Potencial de consumo é uma especialidade que mede o quanto de riqueza acumulada cada Município brasileiro detém a cada temporada. É espécie de PIB do Consumo. Tem peso elucidativo sobre o desempenho de cada Município muito mais significativo do que o PIB tradicional, embora ao longo dos tempos os dois indicadores se complementem e se expliquem.

Mais perdas que ganhos

Entre as famílias ricas, há diferença muita estreita a separar os resultados do Grande ABC do Estado de São Paulo e do Brasil. Perdemos no período de 20 anos (de 2000 a 2019) 44,80% de famílias da classe mais alta. A queda no Estado foi de 46,03% e no Brasil de 46,62%. Ou seja: o impacto foi semelhante num País que flerta constantemente com o desarranjo econômico. O G-15 Paulista perdeu menos famílias de classe rica: 39,23%. Nada que mereça distinção comemorativa.

Já entre as famílias de Classe Média (que envolve tanto a Classe Média-Alta quanto a Classe Média-Média), os estragos no Grande ABC só foram semelhantes ao do conjunto dos municípios brasileiros. Em 20 anos deste século perdemos 15,9% de famílias de Classe Média, enquanto o País como um todo perdeu 17,94%. No conjunto do G-15 Paulista, o resultado final praticamente não sofreu mudança no período: perdeu-se apenas 0,17% das famílias. Um pouco menos que o 1,42% de famílias de Classe Média apeadas no total paulista.

Proletariado avança

Poderia chamar de Classe Média-Baixa o terceiro grupo de análise, mas prefiro mesmo rotular de Proletariado essa faixa econômica na grade de acumulação de riqueza neste século. Nesse ponto, há semelhança nos resultados envolvendo três das quatro regiões em questão: o Grande ABC foi penalizado com crescimento de 29,42% de famílias proletárias, contra 25,65% do G-15 e 30,23% do Estado de São Paulo. O Brasil teve resultado mais satisfatório, com queda de 23,67% do universo de proletários. Quando se cruzam os dados de Classe Média e Proletariado, no caso do Brasil, vê-se que a redução da segunda turma se deve ao crescimento da primeira.

Capital salva a pátria

Para completar, chegamos à Classe dos Pobres e Miseráveis.  O Grande ABC viu as famílias de Classe Pobre e Miserável reduzirem a participação relativa em 14,86%. Bem menos que a queda de 28,29% no G-15, de 31,91% no Estado de São Paulo e de 38,74% no Brasil como um todo.

A acumulação de riqueza própria da gênese do Índice de Potencial de Consumo da Consultoria IPC corre em raia próxima da quebra do dinamismo econômico do Grande ABC em relação aos demais territórios analisados. E cairia ainda mais não fosse a participação de assalariados da região que trabalham na Capital. São praticamente 25% dos assalariados a congestionar ruas e avenidas para manterem empregos, porque aqui escasseiam e são de baixa remuneração. A riqueza acumulada do Potencial de Consumo é diferente do PIB tradicional porque valem os valores monetários auferidos pelos moradores de cada cidade, independentemente de onde retiram o fruto do trabalho, enquanto o PIB é a soma da geração de riqueza, independentemente do domicílio da mão de obra.

Traduzindo a situação: a velocidade de acumulação de ganhos do trabalho e do empreendedorismo no Grande ABC é muito inferior a todas as demais regiões analisadas. A participação relativa do Grande ABC era de 2.28420% de tudo que se consumia no Brasil em 1999 e passou para 1,70103 em 2019, com queda de 25,53%. Mais que o dobro da queda relativa de participação (12,75%) do G-15 e um pouco menos que isso (13,14%) das perdas relativas do Estado de São Paulo no bolo nacional.

Vou voltar ao assunto para um diagnóstico municipal. São Bernardo e Santo André são os endereços mais castigados pela contração consumista. Enquanto isso, a pior safra entre as piores safras de prefeitos que já atuaram no Grande ABC segue tergiversando com quinquilharias.



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