Vou surfar na onda do alarmismo provocado pelo Coronavírus para deixar claro que não tem cabimento comparar a epidemia que se alastra paradoxalmente rumo ao desaparecimento com a desindustrialização sistêmica e resistente do Grande ABC, território que segue a fazer vítimas empresariais e trabalhistas.
Uma coisa é uma coisa (uma coisa é passageira, no caso da doença) e outra coisa é outra coisa (outra coisa é a desindustrialização aparentemente irreversível da principal atividade econômica do berço automotivo do País).
O tempo deve provar que os impactos da fuga e da mortandade industrial no Grande ABC jamais poderão sequer ser confrontados com os efeitos do Coronavírus também na região. Desde que, claro, não esteja sendo subestimada a multiplicação do vírus. Por enquanto, as metástases da desindustrialização são profundamente mais devastadoras.
Sei que não é politicamente correto nesta altura do campeonato de inquietação social fazer esse tipo de comparação. Mas sei também que ao fazê-lo coloco o dedo na ferida no momento mais apropriado possível. Porções da sociedade ainda não se deram conta de que a elevada parcela do desemprego regional não é fruto exclusivo de incompetência individual, mas principalmente de um mal econômico que se alastrou e se prolonga no tempo.
O diagnóstico, que poderia também ser chamado de obituário, vale para quem se meteu e se mete a empreender.
Fracassos evidentes
Há tiros nágua que observo a cada dia em minhas caminhadas. Costumo não errar uma projeção. Muita gente ainda não se deu conta de que produto ou serviço errado em lugar errado significa flertar com a decepção e o comprometimento das reservas financeiras familiares.
Já imaginaram quanto custa em saúde pública as dores de quem acredita que encontrou o negócio certo para sustentar a família e logo depois é obrigado a cerrar as portas de estabelecimentos nos quais investiram os tubos? Só aqui no bairro em que moro e no qual faço minhas caminhadas matinais com duas cachorras muitas vezes incansáveis tenho de cor e salteado os endereços que faliram.
Alguém tem dúvida de que, fossem os destroços da desindustrialização compactados num período menos elástico que as três décadas de efeitos ruinosos, tudo já teria sido feito, ou quase tudo teria sido feito, para mitigar os duros ajustes sociais e econômicos que retiraram o Grande ABC da posição de Eldorado do País?
Ouso produzir alguns pontos que colocam a desindustrialização do Grande ABC e os efeitos do Coronavírus também no Grande ABC como provas provadas de que passamos por longos anos de desastre provocador de imensas dores sociais sem que ninguém efetivamente tenha feito qualquer coisa para mudar o rumo dos infortúnios.
Pontos a destacar
Tivéssemos sofrido uma desindustrialização do tipo Coronavírus, tudo seria diferente. Talvez a única vez em que se deu tamanho espaço à comparação tenha sido a repercussão da debandada da Ford, no ano passado. Ali o mundo do Grande ABC e do governo do Estado sempre incompetente nas questões econômicas desabou por algum tempo, como o vírus que está empesteando o mundo o fará também.
A desindustrialização deixou dezenas de milhares de trabalhadores industriais na zona de amargura, submetendo-os a ocupações precárias ou a empreendimentos informais e mesmo formais canibalizados por conta de imprevidências da gestão econômica individual e do Estado, em forma de municípios. Alinhavo, por conta disso, alguns pontos sobre os quais vale a pena debruçar preocupação:
1. O Coronavírus deverá deixar um saldo de letalidade regional bastante discreto e, por mais que se respeite cada vida humana, não haverá termos de comparação quanto aos desdobramentos sociais das perdas industriais.
2. A desindustrialização segue sendo inteiramente desprezada pelas autoridades públicas locais.
3. O Coronavírus tem mais mídia pelo ineditismo da situação e não faltarão prefeitos a ocupar manchetes de jornais impressos e virtuais para demonstrarem solidariedade e atenção. Os marqueteiros que os abastecem de demagogia tratarão de indicar as melhores terapias.
4. A desindustrialização provocou estragos silenciosos e permanentes muitas vezes negados, quando não refutados, por bandidos sociais que se travestem de gestores públicos e mesmo pela Imprensa inadvertidamente imediatista que acredita estar favorecendo a sociedade quando sonega informações desagradáveis.
5. O Coronavírus será a cada dia mais barulhento porque a perspectiva é de que os casos confirmados ganharão escalas ascendentes até que, num determinado momento, como na China, comecem a refluir. E desaparecerão deixando perdas circunstanciais.
6. Os caminhos em que se cruzam a desindustrialização do Grande ABC e o Coronavírus no Grande ABC sumirão do mapa regional o mais breve possível, porque a renitência das perdas econômicas não dará trégua enquanto os indicadores de crise na saúde pública tenderão à perda de letalidade.
A mensagem final que deixo às autoridades públicas, sobretudo aos prefeitos do Grande ABC, é que todos eles deveriam ser contaminados durante longo tempo pelo Coronavírus da Desindustrialização e, então, finalmente, se lançassem a uma empreitada que tarda, que falha, mas que ainda pode ser reparada.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?