Vem de Sinop, cidade de 150 mil habitantes no Norte de Mato Grosso, um exemplo que ganhou audiência nacional nas redes sociais no combate à generalização de ações preventivas nestes tempos de Coronavírus. A Associação Comercial local fez o que nenhuma congênere se lançou a fazer no Grande ABC. Não é questão de tamanho territorial ou qualquer outra coisa que pesa na diferenciação. É o velho regional ante o novo mato-grossense.
Nossas instituições estão entregues às baratas do compromisso social. Fingem existir, mas não passam de redutos burocráticos. Imitam o Estado incompetente. São farinhas do mesmo saco de gatos interesseiros. Com as exceções de praxe que só confirmam a realidade dos fatos.
Seria injusto afirmar que os dirigentes locais do que chamaria de Clubes dos Comerciantes envelheceram e perderam o viço. É providencial reconhecer que ao longo de décadas essas entidades jamais deram sinais de vitalidade. São mais festeiras que fazedeiras.
As Associações Comerciais (e imprecisamente industriais) de cada um dos sete municípios da região são a consagração da mesmice sem influência social e econômica relevante.
Foi assim no passado, continua a ser assim no presente. São bastiões do mais puro individualismo que se múltipla até o limite do grupal. Fazem da subjetividade de atendimento à classe de empreendedores um mote sem raízes reformistas. Vivem por viver enquanto o mundo, mesmo sem o vírus, já se transformava.
Para que os leitores mais apressados ou que desconhecem a história de LivreMercado/CapitalSocial, lembro que integra o acervo do melhor jornalismo regional do País exatamente 321 textos que fazem referência protagonista ou acessória às associações comerciais do Grande ABC. E a maioria dos textos está longe de ser complacente. A baixa produtividade institucional em favor do empreendedorismo é metástase que se agrava a cada nova temporada.
A Associação Comercial e Empresarial de Sinop (ACES) teve a coragem institucional de sair do quadradismo dos versos dos terroristas e buscou conscientizar os empreendedores a desempenharem atividades que priorizam medidas de higiene para evitar contágio do Covid-19.
Tudo começou quando a prefeita Rosana Martinelli atendeu há três semanas apelos para autorizar o funcionamento de um número maior de empresas, incorporando na ação orientações sobre cuidados que devem ser redobrados e mantidos permanentemente.
Questão de sensibilidade
O presidente da entidade, Klayton Gonçalves, não deixou de conferir a importância da chefia do Executivo ao dizer ao jornal Só Noticias exatamente o seguinte: “Nossa prefeita teve a coragem em autorizar a abertura de mais empresas, houve muita união e compreensão dos empresários de forma geral que novamente estão dando sua parcela de um grande reconhecimento por parte do presidente da República para a companha de uma modesta associação que busca defender o comércio de Sinop de forma geral”.
E completou: “Mostra que estamos no caminho certo e também é preciso reconhecer que a parceria com a DLC (Câmara dos Dirigentes Lojistas) que muito se empenhou em conseguir a doação de álcool 70 para inúmeros estabelecimentos comerciais”.
O idealizador da campanha que tanto sucesso faz em Sinop é o publicitário Cleiton Laurindo, da Agência CAP. Ele teve como base do trabalho a premissa de que “é hora das empresas cuidarem dos clientes e colaboradores para manter a situação sob controle e ter impactos econômicos menores sobre o mercado”.
Destaque de Garcia
O exemplo de Sinop chamou a atenção do experiente jornalista Alexandre Garcia que, num de seus últimos artigos, destacou as medidas tomadas pela Prefeitura: “Há poucos dias, com base em decreto do governador, a prefeita foi para a TV anunciar, tendo como metas a saúde e a preservação da economia, a reabertura do comércio”. E completou: “Reabertura sem aglomerações, com distanciamento de dois metros, máscaras, higienização de mãos e lugares, com a recomendação de ficar em casa quem não tiver absoluta necessidade de sair. Hotéis, feiras livres, lanchonetes e restaurantes reabertos, mas não escolas. A Justiça restringiu a abertura, que não atinge missas e cultos, academias e ginásios. Na decisão, o juiz argumentou “uma agenda do bom senso”.
Historicamente inertes nas questões mais importantes, os Clubes dos Comerciantes do Grande ABC se acovardaram com o advento do Coronavírus. Aceitaram passivamente as decisões dos prefeitos. Não abrem o bico. Ou se o fazem aqui e ali tudo não passa de encenação. As Associações Comerciais seguem o ritual histórico de comporem as raízes frondosas do prefeito de plantão ou, em situações raras, porque movidas a interesses políticos, opõem-se duramente aos titulares dos paços municipais.
Redutos privilegiados
Até mesmo o conceito de continuidade admirativa em forma de reeleições seguidas deve ser relativizado quando se trata da atuação das Associações Comerciais. Raramente na história de cada uma (algumas das quais próximas do centenário) houve ruptura profilática. Os mesmos grupos dirigem as entidades com os mesmo e arraigados vieses. Fingem-se apolíticos, mas o são até o fundo da alma. Em São Bernardo chega-se ao paroxismo, como espécie de capitania hereditária da família Moura.
Não entro no debate de que essas entidades devam ou não ser políticas no sentido partidário e do prefeito de plantão de ser. Isso não importa. O que deveria ser intocável seria um conjunto de cláusulas pétreas em defesa da livre-iniciativa. Como neste momento de tormentosa dúvida entre a vida e o dinheiro, por assim dizer. Cabem as duas porções da mesma laranja de resoluções.
Falta no Grande ABC alguém minimamente semelhante à prefeita de Sinop, Rosana Martinelli. Ela determinou à Procuradoria Geral do Município que recorra da decisão do desembargador Mário Vidal, que suspendeu no último dia 15 a autorização para funcionamento das feiras livres, bem como do consumo local em bares, restaurantes, padarias, conveniências e similares “que impliquem em aglomeração de pessoas”. O magistrado reformou uma liminar do juiz Mirko Gianotte que, na semana anterior, autorizou o funcionamento dos estabelecimentos até às 22 horas e com 30% da capacidade.
Nenhuma morte
A prefeita explicou que ao tomar conhecimento da decisão de Vidal, determinou à Procuradoria que recorresse imediatamente. A liminar concedida pelo desembargador afeta a atividade de cerca de 900 empresas no Município e atinge milhares de funcionários. “Como gestora eu quero que a economia do Município não seja afetada, principalmente na questão do desemprego. Acho que todos têm que ter a oportunidade de trabalhar. Claro que com as devidas responsabilidades e cuidados que os empresários têm que ter. Eu tenho que dar esse voto de confiança, mas sempre ressaltando as medidas preventivas e de segurança”, disse a prefeita.
Fico cá imaginando a leitura que os prefeitos do Grande ABC farão deste texto. Todos optaram pelo conforto da proibição, seguindo a trilha do governador do Estado. Sei que não se podem desconsiderar especificidades do Grande ABC e daquela cidade mato-grossense no combate à pandemia. Já perdemos mais de 30 pessoas para o vírus chinês, enquanto Sinop segue invicta.
Pouco empenho geral
Mas há meios de compatibilizar economia e cuidados sanitários para mitigar os estragos principalmente nos pequenos negócios. O problema é que há uma combinação sinistra de inapetência ao trabalho envolvendo prefeituras e as chamadas lideranças comerciais da região.
O Grande ABC velho de guerra está esclerosado institucionalmente. As associações comerciais fazem parte de um enredo de decadência sem ter chegado à glória em momento algum. E a sociedade quando reage mesmo que localizadamente, como foi o caso da tentativa de uma carreata no Jardim Santo André pela abertura do comércio, encontra no Poder Público Municipal e no Judiciário medidas proibitivas.
É muito mais fácil negar do que trabalhar alternativas que levem em consideração a adaptação de medidas já aplicadas em outros territórios.
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