Economia

Vírus vai agravar perda de
emprego industrial na região

DANIEL LIMA - 21/04/2020

O Grande ABC do ano passado ganhou disparadamente o título de Capital Nacional do Desemprego Industrial com carteira assinada. Exatamente isso: campeã nacional, porque a conta coloca no tabuleiro de comparações todos os Estados brasileiros.

Pegue os números de empregos industriais despedaçados no ano passado e compare com qualquer Capital do País. A resposta é que encontrará uma catástrofe local.

Quem imagina que durante os primeiros anos após o vírus chinês haveria mudança nesse roteiro, que tire o cavalinho da chuva. A Doença Holandesa Automotiva vai aprofundar as perdas econômicas dos sete municípios. A recuperação do PIB será lenta. Mais lenta do que já vinha sendo. E o setor automotivo já toma providências para mitigar os efeitos da catástrofe.

Podemos assegurar com baixíssima margem de erro que chegaremos ao fundo do poço. Afinal, quando se trata de disputar terreno com competidores nacionais, o Grande ABC sem lideranças em qualquer atividade se comporta mesmo como um pangaré.

Racismo virótico

Antes de prosseguir, uma reflexão sobre a expressão “vírus chinês”. Um ou outro leitor que me acompanha num aplicativo de rede social insiste em me acusar de algo que ele chama de racismo por causa do apontamento genético da Covid-19. Francamente, dá para acreditar que ainda há gente tão desinformada? Nada surpreendente. O que persiste de forma estupidamente teimosa entre extremistas é uma conotação ideológica que, todos sabem, não resiste à constatação da origem cientifico-laboratorial nas fronteiras da China, mais precisamente em Wuhan.

Voltando ao que interessa: não me peçam para antecipar o tamanho do estrago do PIB Industrial do Grande ABC nesta temporada. Não o tenho entre outros motivos porque ainda não fiz curso para adivinho ou algo semelhante. O que posso garantir é que será acima da média nacional. Bem acima, aliás. A dependência exagerada do setor automotivo e entorno, com influência no comércio e nos serviços, é demolidora. Perderemos um bocado de empregos do setor que representa 22% do total dos trabalhadores com carteira assinada na região.

Medindo os estragos

Diferentemente de alguns alquimistas da USCS (Universidade de São Caetano) que ainda outro dia escreveram que a desindustrialização do Grande ABC não é estrutural, mas cíclica, desdenhando portanto dados históricos consolidados, o rebaixamento do universo dos trabalhadores do setor é gravíssimo há muito tempo.

Vamos pegar apenas os dados relativos ao ano passado, quando o bicho-de-sete-cabeças regional sofreu perda líquida de 4.929 empregos industriais com carteira assinada. A queda, quando se leva a variação do estoque, que é o que mais interessa, significou mergulho de 5,46% no estoque do setor.

Medir subida ou descida de estoque de emprego é obrigatório para quem tem compromisso com informação correta. Os números absolutos, no caso os 4.929 empregos perdidos, não significam necessariamente muito porque desprezam contingentes diferentes de trabalhadores.

Querem uma prova? O Estado de São Paulo perdeu no ano passado 12.738 empregos industriais. Contabilizam-se aí os quase cinco mil postos de trabalho do Grande ABC. Quando se compara a perda líquida de emprego com a variação do estoque, o resultado é de queda paulista de 0,54%.

Muito mais que Estado 

Agora chegamos aonde queremos para os leitores entenderem o tamanho da encrenca: a variação do emprego industrial no Grande ABC no ano passado (-5,46%) foi 10 vezes superior à média do Estado de São Paulo, um dos poucos pedaços do Brasil em que a atividade produtiva insistiu em conhecer resultado negativo.

Como sou insistente especialmente porque o ambiente digital é dispersivo, repito a informação: os sete municípios do Grande ABC viram o emprego industrial sofrer baque no estoque de 2018 correspondente em termos relativos 10 vezes maior que o conjunto de 645 municípios paulistas. Se forem retirados os números do Grande ABC do conjunto do Estado, a distância será ainda maior, porque a variação do estoque estadual será menor.

De todas as regiões do País, o Sudeste (Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro) registrou a maior do estoque em relação ao ano anterior. O rebaixamento não passou de 0,16% Estou com preguiça, mas uma olhadela evidencia o salto quântico da catástrofe do Grande ABC que, repito, atingiu queda de 5,46%. O Estado do Rio de Janeiro perdeu 1,01% do estoque de emprego industrial entre 2018 e 2019. Cinco vezes menos que o Grande ABC. 

Quase um Nordeste

No total geral, o Brasil acumulou no ano passou saldo líquido de empregos industriais com carteira assinada de 0,26% do estoque registrado em 2018. Foram 18.341 contratações. A Região Norte registrou saldo líquido de 1,88%, o Nordeste perdeu 0,66% (6.329 postos de trabalho, quase tanto quanto o total do Grande ABC no mesmo período), o Sul avançou 0,90% (saldo líquido de 17.420 trabalhadores) e o Centro-Oeste aumentou em 1,77% o estoque, com 8.232 novos postos de trabalho.

Insisto em chamar a atenção para os dados coletivos do Grande ABC porque a derrocada de 5,46% é explosiva. A Região Metropolitana de São Paulo como um todo (com 38 municípios, além da Capital), perdeu apenas 0,89% dos empregos industriais com carteira assinada no ano passado. Quem mais se aproximou do Grande ABC foi a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com queda de 2,41% no estoque. A Grande Fortaleza registrou menos 2,40%. Somente a Região Metropolitana de Belo Horizonte escapou da derrocada e elevou em 0,43% o estoque industrial.

O estoque de empregos industriais no Grande ABC em dezembro do ano passado (os dados desta temporada ainda não foram divulgados) registrava 170.545 trabalhadores. Em janeiro deste ano, quando a imprensa tratava da saída da Ford, em São Bernardo, como algo que impactaria além da conta a economia da região, mostrei que somente nos três primeiros anos dos mandatos dos atuais prefeitos (o quarto se dará este ano, com o vírus destruindo qualquer expectativa de reviravolta), o Grande ABC somava queda de 9.849 postos de trabalho no setor industrial. Exatamente 3,5 vezes o contingente de 2,8 mil trabalhadores apeados da logomarca da Ford. Ou seja: perdemos mais de uma fábrica da Ford por ano somente naqueles 36 meses.

Hora de demagogia

O que mais me irrita como observador da economia e da institucionalidade do Grande ABC é que o noticiário nestes tempos de pandemia não trata de nada específico sobre os estragos nas fábricas da região. Há apenas referências demagógicas de sindicalistas que, possivelmente tocados pelo nível de exigências, quando não de abusos, ao equipararem pequenas e médias indústrias às montadoras e satélites de suprimento, se dizem preocupados com a saúde financeira das empresas.

Balela. O que eles querem (e é justo que o queiram) é cuidar dos trabalhadores ameaçados de perder o emprego. Como perderão. Afinal, o Custo ABC ainda resiste. Só não se tem a dimensão e a profundidade da crise instalada. Mas o melhor mesmo é partir do princípio de que desenhar o pior cenário possível é uma maneira de ter alguma notícia menos dramática no futuro.



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