Tudo que você já leu nos últimos anos sobre a organização de um Polo Tecnológico no Grande ABC ou num determinado Município do Grande ABC (não esqueça que a fragmentação institucional é uma realidade) vem do passado que só foi piorado. O texto que apresentamos hoje, da edição de abril de 1998 da revista LivreMercado, trata dos primeiros anos em que a implantação de um Polo Tecnológico (então chamado de Parque Tecnológico) começou a virar fetiche.
É desaconselhável aos consumidores de informações na região qualquer descuido. Nos últimos tempos o Polo Tecnológico de cunho regional cedeu espaço ao Polo Tecnológico de Santo André. Promete-se solução para a economia do Município como se a medida representasse de fato um sopro em direção à recuperação da atividade produtiva.
Se o Polo Tecnológico de cunho regional e mesmo nos moldes que os leitores vão encontrar no texto abaixo já era observado com certo ceticismo, imagine então, 22 anos depois, algo municipalizado e, mais que isso, num território ainda mais triturado pela desindustrialização. A banda passou e Januária não saiu da janela.
Este é o trigésimo-primeiro capítulo da série que resgata os 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma junção de LivreMercado e de CapitalSocial.
De que Parque
precisamos?
DANIEL LIMA - 05/04/1998
A principal pilastra do Parque Tecnológico do Grande ABC -- o perfil de atuação -- ainda está no chão. Não há consenso sobre o que é exatamente parque tecnológico, por isso agentes da Câmara Regional que articulam sua implantação decidiram trazer para um workshop este mês o professor Carlos Schneider, da Universidade Federal de Santa Catarina, tido como a maior autoridade nacional no assunto. Paralelamente, visitas serão feitas aos polos de São Carlos, Campinas e São José dos Campos, no Interior paulista, para conhecer suas concepções, como são geridos e de que forma atendem às empresas. Nem mesmo as Prefeituras têm claro como sustentarão financeiramente a empreitada. Há, portanto, mais dúvidas do que certezas em relação a esta que pode ser uma das redenções econômicas do Grande ABC, que busca mudar o padrão de competitividade modernizando-se tecnologicamente.
"Já temos fortes realidades para dar o ponta pé inicial, como o cinturão automobilístico e a indústria petroquímica, que podem se instalar com laboratórios de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) dentro do parque. Fora dele, desenvolveremos trabalho de apoio e difusão tecnológica para setores menores, como moveleiros, químicos, embalagens, manufatura mecânica, entre outros" -- sublinhou Armando Laganá, da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.
Foi o bastante para lançar dezenas de interrogações na reunião que o grupo temático do Parque Tecnológico promoveu em meados do mês passado para traçar formas de ação. A primeira e principal questão é justamente se o parque vai enfatizar P&D entre grandes setores e deixar do lado de fora a capacitação tecnológica de pequenas e médias empresas de ramos específicos, ou se abrigará todos juntos numa mesma área territorial. "P&D e difusão tecnológica são coisas diferentes, embora se retroalimentem" -- ressalvou a secretária de Educação de Santo André, Selma Rocha.
Cadê centros acadêmicos?
As dúvidas se distribuem também sobre o que já fazem empresas do Grande ABC em termos de produção científica e o que demandam para ombrear-se com competidores internacionais, quais os novos potenciais que a região quer de fato desenvolver e como contribuirão as faculdades e universidades. Aliás, a ausência dos centros acadêmicos nas discussões está preocupando, já que não se concebe a criação de um centro de excelência científico-tecnológico sem apoio de massa crítica intelectual.
Newton Lima Neto, consultor contratado pela Prefeitura de Santo André para ajudar na transformação da Fundação Santo André em um centro acadêmico de ensino de ponta, testemunhou essa necessidade em outros polos. "O Poder Público não atuou em Campinas e São Carlos, mas esses polos aconteceram porque houve produção de conhecimentos das universidades locais para atender às demandas dessas regiões" - disse. O Grande ABC pretende ir além da estrutura informal desses polos de tecnologia que, apesar de vigorosos, não deram consistência à aliança empresa-universidade-Poder Público, com atuações dispersas. No projeto do Parque Tecnológico da região, esse tripé estaria firmemente integrado, de preferência numa única área geográfica.
Mais inteligências
Foi de Newton Lima a sugestão do convite a Carlos Schneider para explicar o que é e faz um parque tecnológico. Além de comandar a Fundação Tecnológica da Universidade de Santa Catarina, Schneider representa o Brasil no conselho de reitores das universidades europeias no Projeto Columbus, que promove intercâmbios entre Europa e Américas. A ausência de representantes acadêmicos do Grande ABC nos debates do parque é atribuída ao temor de perderem espaço para futuras pesquisas desse centro, fato contestado por Newton Lima. "É justamente o contrário. Precisamos ver o que já há na região para não sobrepor novos agentes. Já temos FEI, Mauá, Imes, entre outros, e vamos somar a Fundação Santo André a essa massa tecnológica daqui dois anos. Quando se fala em trazer braços da Politécnica da USP e do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), não se trata de substituir, mas de agregar inteligências" -- enfatiza.
Outra falta de consenso recai sobre as novas vocações que devem ser estimuladas. O governo do Estado, mentor do parque, já mapeou três: turismo, serviços associados a telecomunicações e eletrônica embarcada. O assessor Armando Laganá acrescenta que o Grande ABC também precisa preparar para a modernização os moveleiros, que somam nada menos que 300 empresas, e fabricantes de máquinas, um exército de 521 soldados na região fortemente instalados em Diadema, Município que também detém a maior concentração do País de produtores de embalagens, outro potencial alvo de reciclagem. Foi também citada a experiência do parque de Xerém, no Rio de Janeiro, implantado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Normatização e Metrologia). Trata-se de um centro temático sobre metrologia para microempresas, com condomínio industrial, incubadora, treinamento de mão-de-obra e basicamente voltado a prestadores de serviços, o que funcionaria como fator de atração de novas empresas àquela região.
Censo Econômico
Mas tanto a secretária Selma Rocha quanto o gerente metropolitano do Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) no Grande ABC, Eduardo Giorfi, acham prudente aguardar os dois censos econômicos que a região realiza, para então mapear novas realidades econômicas. Um dos levantamentos foi encomendado pelo Consórcio Intermunicipal de Prefeitos à Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e outro está sendo desenvolvido pela Unicamp a pedido do Sebrae para seu Proder (Programa de Geração de Emprego e Renda). Segundo Giorfi, a pesquisa deve estar pronta entre maio e junho, mesma data prometida pelo Seade.
Nem mesmo a doação de área de 11 mil hectares da Solvay para sediar o parque tecnológico é ponto pacífico. O secretário de Desenvolvimento Econômico e Emprego de Santo André, Nelson Tadeu Pereira, quer fechar questão em torno da oferta não só pelo tamanho do espaço, mas pela localização estratégica em área de proteção de mananciais, que traria movimentação econômica para Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Tadeu garante que São Caetano, sem espaço para oferecer, e São Bernardo, mesmo sediando o cobiçado setor automotivo, não se opõem. Mas Armando Laganá questiona se os moveleiros de São Bernardo e as centenas de microempreendedores de Diadema que poderiam usufruir de uma incubadora se deslocariam até lá.
Novo encontro do grupo temático da Câmara Regional está marcado para este 6 de abril. Além do especialista de Santa Catarina, pretende-se fechar um calendário de seminários sobre o papel de cada agente no parque -- universidades, Prefeituras, empresas e entidades de classe como Senai e Sebrae, entre outros. A ideia, segundo o coordenador do Fórum do Cidadania do Grande ABC, Marcos Gonçalves, é amarrar as conclusões desses debates ao produto dos dois censos que Consórcio Intermunicipal e Sebrae preparam para, então, conhecer o que é o Grande ABC e a que veio, ou virá, o Parque Tecnológico. Uma certeza todos admitem: são estreantes na matéria e têm muito a aprender.
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