Economia

Metalúrgicos fazem propostas
com olhos fixos no retrovisor

DANIEL LIMA - 22/05/2020

Os sindicalistas de São Bernardo integram o exército de baratas tontas nestes tempos de pandemia. Os herdeiros de Lula da Silva no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (e Diadema), cavoucam no baú de ferramentas enferrujadas uma saída para a paralisia e os próximos anos nas montadoras e nas autopeças da região.

Pelo andar da carruagem vão dar com os burros nágua. O liberalismo do ministro Paulo Guedes contrasta com o socialismo rastaquera dos tempos de PT em Brasília.

Intervenção do Estado para salvar a pele corporativa de multinacionais parece fora de cogitação. Mesmo que as multinacionais tenham parte de razão, porque a carga de impostos dos veículos é o retrato perfeito da insanidade do Estado em permanente assalto aos contribuintes.

A diferença é que os contribuintes comuns não se safam do Estado pantagruélico, enquanto as multinacionais sempre contam com compensações.  

A ascensão e a queda do Império Regional, algo sobre o qual escrevi de passagem anteontem, tem tudo a ver ou principalmente a ver com o sindicalismo, liderado pelos metalúrgicos de São Bernardo. A categoria atuou sempre à sombra da visibilidade das montadoras de veículos e contou também com uma passarela luminosa de coerção, a Via Anchieta de mobilizações tão históricas quanto corrosivas. Ir para a Anchieta era a garantia de Jornal Nacional. E de pressão política.

Tempos que passaram

Esses tempos estão no passado, embora o risco de retomarem posto num País que sempre flerta com o atraso não deva ser descartado. Mais que isso: sempre é provável, porque facilitador ao corporativismo que não está nem aí com o conjunto da sociedade.

Montadoras de veículos e sindicalismo lulista têm longa história de compadrios nos bastidores e hostilidades cinematográficas na mídia. E quem sempre pagou a conta salgadíssima foi o Estado, financiador acovardado quando não em conluio.

Muito antes de o presidente Jair Bolsonaro usar uma expressão estúpida ao se referir ao vírus chinês (E daí?), os metalúrgicos (e as demais categorias que seguiam passos do carro-chefe do sindicalismo local) não estavam nem aí com a população do Grande ABC.

Mais que isso: o “nós” contra “eles” espalhava-se dos interiores das fábricas às cidades. O Império Regional foi dividido entre livre-iniciativa e intervencionismo estatal bem antes de o Brasil conhecer a fórmula da derrocada.

Prejuízos subestimados

O endeusamento dos metalúrgicos que perdurou durante décadas sobretudo pela mídia impressa que dominava os palcos de informação submeteu o contraponto crítico ao sufocamento consentido. Os ônus ficaram submersos.  

Somente mentecaptos de pai e mãe não enxergam os dois lados dessa moeda. Da valorização profissional e social dos trabalhadores nas fábricas aos abusos e egoísmo dessa mesma classe foi um pulo. Usou-se e abusou-se do direito de esticar a corda de intolerância ao capitalismo. Deu no que deu.

O sindicalismo é entre tantos fatores (e já escrevi sobre isso), o principal polo explicativo à desindustrialização do Grande ABC.

Deu outro dia no Diário do Grande ABC e dá hoje o Valor Econômico a informação que coloca os metalúrgicos de São Bernardo, ligados à CUT, Central Única dos Trabalhadores, na linha de frente para tentar minimizar os efeitos da crise sanitária no setor automotivo. Um efeito tão grande que a projeção mais otimista remete à queda de 40% na produção prevista para este ano.

O receituário é o de sempre, puxado do bolso do colete furado: proteção à indústria local com concessão de crédito, aumento no índice de nacionalização e estímulo à pesquisa. Podem acreditar os leitores que o terceiro ponto, “estímulo à pesquisa”, não passa de jogada para retirar o cardápio do estoque de corporativismo.

Argumentos frágeis

Publica o Valor Econômico de hoje que o presidente do Sindicato do ABC, Wagner Santana, quer levar o Brasil a redefinir sua indústria a partir da pandemia. “Santana diz que seu desejo seria propor uma comissão tripartite, envolvendo o poder público. Mas ele acha que “não dá nem para pensar” na possibilidade de o atual governo receber o movimento sindical”.

Cabe um parêntese: Wagnão, como é conhecido, tem toda razão. A mais recente tentativa de incursão junto ao governo federal, inclusive com o apoio do governador João Doria, visava resgatar a fábrica da Ford, no Bairro Taboão. Injetar-se-ia muito dinheiro público para sustentar empreendimento substituto. Deram todos com os burros nágua.

E o que se pretende agora não é diferente. Se os contribuintes brasileiros ajudaram a sustentar o Império Regional no que é a atividade mais relevante ao equilíbrio (equilíbrio?) do Grande ABC, por que não insistir na fórmula que dá certo há mais de meio século? 

Continuando com a reportagem do Valor Econômico, vou reproduzir novo trecho para avaliação:

 (...) E, embora o sindicalista considere que “isso não tem a cara” de ministros como Paulo Guedes, da Economia (referindo-se à comissão tripartite), ele gostaria de dizer ao governo que acredita que a pandemia tende a fazer com que todos os países “entrem numa onda de proteção de suas indústrias”. Isso sugere a necessidade de o Estado “colocar a mão na economia e no planejamento”. “É o que países como Alemanha têm feito pela sua indústria: cada um está cuidando do seu quadrado”, diz.

Vamos aos contrapontos? Não é necessariamente uma onda de proteção que poderá advir dos rescaldos macroeconômicos e microeconômicos da pandemia. O que já se vislumbra é o retorno de indústrias que integram a cadeia mundial de suprimento, eliminando-se o máximo de ramificações com os chineses que, nos últimos 30 anos, assumiram posição agressiva na atração de investimentos manufatureiros. O risco logístico acionou os alarmes de companhias europeias e norte-americanas.

Orquestra com maritacas

Outra questão é que o exemplo da Alemanha tem tanto valor como sustentação de argumento à intervenção do Estado no setor automotivo (mais uma, aliás) quanto acreditar que o bando de maritacas que canta dia e noite aqui na vizinhança da Cidade da Criança, em São Bernardo, poderia ser convocado a integrar a Orquestra Sinfônica de São Paulo.

A saúde fiscal do Estado alemão (e, mais que isso, a capacidade de suportar o peso da dívida pública em relação ao PIB) está anos-luz à frente do falimentar estágio da União, agravado sobremodo agora com os custos da pandemia.

A matéria do Valor Econômico não deixa dúvida quanto ao interesse meramente corporativo do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Seria surpreendente se não o fosse. E também seria inacreditável que o documento de propostas levado a várias entidades de classe industrial, além de remetida ao governo federal, não contemplasse um fetiche metalúrgico que parece caminhar para meio século de tentativas frustradas: a renovação da frota de veículos.

Velharia da frota

Diz o Valor Econômico sobre isso: “Para Santana, nem mesmo o governo do PT (ao qual a CUT é mais alinhada) se sentiu estimulado a lançar um programa dessa natureza, porque expandia sem a necessidade de estimular a renovação da frota. Mas agora o cenário é outro. Principalmente, no segmento de caminhões, prevalece, inclusive na indústria, a defesa de um plano para tirar os veículos mais velhos das estradas, por motivos de segurança e ambiental”.

Tudo velharia de um sindicalismo que parou no tempo e ainda imagina que o Brasil é uma farra de dinheiro à disposição de experimentos e protecionismo de grupos de pressão.

O Império Regional segue, portanto, em queda. E não será pelas mãos, pés e mentes dos metalúrgicos que sairá da enrascada em que todos se meteram. A próxima década deste século será terrível para todos nós. As posteriores, também. Exceto se o regionalismo for levado a sério. E abandonar o retrovisor.



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