Vinte e dois anos atrás, à frente da revista LivreMercado, decidi que estudantes fossem ouvidos. Queria saber o que pensavam sobre o presente, o passado e o futuro do Grande ABC. E também sobre como se viam pessoalmente mais adiante. Chamamos o trabalho de Pesquisa LM, que, na verdade, em termos científicos, por assim dizer, não passava de enquete. Mas os resultados foram mais que importantes.
Esta é a quinquagésima-segunda edição da série que resgata os 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma conjunção da revista impressa LivreMercado e da revista digital CapitalSocial.
O que pergunto, mesmo antes que a pandemia do Coronavírus metesse o bedelho em nossas vidas, é como teriam sido os resultados de uma mesma enquete, praticamente nos mesmos termos, 22 anos depois. Acho que ficaríamos ainda mais decepcionados.
Estudantes estão
muito preocupados
DANIEL LIMA - 05/09/1998
Os estudantes estão muito preocupados com o futuro do Grande ABC e têm consciência de que a região se está empobrecendo economicamente com a evasão industrial, ao mesmo tempo em que vive graves problemas sociais. A situação exige rápida e dinâmica reação, sob pena de complicações ainda maiores. Esse é um dos resultados da Pesquisa LM desenvolvida em três estabelecimentos de ensino do Grande ABC: as Faculdades Integradas Senador Fláquer, o Colégio Clóvis Bevilácqua, em Santo André, e o Colégio Anchieta, em São Bernardo. Foram preenchidos 375 questionários apresentados em forma de respostas alternativas e excludentes, cada uma das quais oferecendo três cenários completamente diferentes.
A iniciativa de LivreMercado faz parte do projeto de integração entre a comunidade e o meio acadêmico por meio do programa Ciclo Regional de Debates, que terá início logo depois das eleições de 4 de outubro próximo. A pesquisa tem finalidades múltiplas. Serve de base de informações sobre o pensamento da classe acadêmica da região, possibilita melhor direcionamento da pauta de palestras que está sendo preparada para o Ciclo Regional de Debates e aproxima a maior publicação regional de economia e negócios do País de agentes sociais sobre os quais certamente pesará parte substancial da responsabilidade de garantir nos próximos anos o desenvolvimento econômico e social da região.
Foi justamente sobre o futuro do Grande ABC que os estudantes apresentaram o índice mais elevado de convergência a um dos três cenários: 73% optaram pela alternativa B, que revela preocupação com a região. A posição mais caótica sugerida pela alternativa C, que praticamente entrega os pontos sobre a viabilidade de recuperação econômica e social da região, contou com 9% dos participantes. A alternativa A, de visão otimista sobre a região, teve adesão de 18% dos estudantes.
Sindicalismo sob restrições
A questão sobre o sindicalismo regional também mostrou preferência pela alternativa B, que valoriza a atuação sindical nos últimos 20 anos, mas aponta o caminho da parceria como indispensável para o crescimento do Grande ABC. Essa posição foi manifestada por 63,3% dos entrevistados, contra 8% que preferiram isentar completamente os sindicalistas dos problemas econômicos da região, além de lhes atribuir visão social. Já o número de estudantes que optaram pela alternativa C, de condenação ao sindicalismo, atingiu 27%. O perfil dos estudantes que reprovaram o sindicalismo na região foi marcante no Colégio Anchieta, onde a quase totalidade dos alunos reside em São Bernardo, Município mais atingido pelas ações dos metalúrgicos. No Anchieta, 54% dos entrevistados preferiram a resposta B, que fica numa espécie de meio termo sobre o movimento sindical, enquanto que 38% assumem posição bastante crítica quanto à atuação trabalhista.
A classe política da região foi reprovada na pesquisa, já que 60% dos entrevistados declararam-se descrentes do Poder Público. Outros 37% veem mudanças favoráveis na nova safra regional de prefeitos, vereadores e deputados, enquanto apenas 4% se disseram completamente favoráveis aos novos executivos e legisladores. Também houve sensível diferença no perfil de posições dos estudantes do Anchieta, onde 75% condenaram a classe política. Muito acima da média das demais escolas pesquisadas e da média geral.
O Fórum da Cidadania é desconhecido da grande maioria dos alunos pesquisados, pois 56,5% das respostas convergem nesse sentido. Parcela também elevada, de 40,4%, manifestou conhecimento apenas superficial sobre as atividades do Fórum, embora tenha se declarado interessada em participar da organização. Apenas 3% dos estudantes disseram que acompanham atentamente as atividades da instituição. Também os estudantes de São Bernardo tiveram percentual acima da média regional quanto ao desconhecimento do Fórum, pois a pesquisa atingiu 65% das respostas no Colégio Anchieta.
Melhor alternativa
A indústria continua a ser a melhor alternativa econômica da região, segundo 55,6% dos pesquisados. Entretanto, a manifestação está ancorada na absorção de tecnologia de ponta e na capacitação técnica dos trabalhadores. O setor de comércio e de serviços é a melhor saída para a região segundo 23% dos estudantes pesquisados, contra 23,5% que vêm a indústria do entretenimento como farol dos próximos anos. As respostas não deixam de revelar o desencanto de grande parcela dos jovens com a expansão da área industrial.
Sobre os planos pessoais, 58% responderam que ainda vão se decidir se optarão por ser funcionário ou pequeno empreendedor. Para 22,6%, entretanto, não há dúvidas de que o futuro está na carreira de empreendedor. Outros 19,3% assumem posição de funcionários.
A última questão, relativa à expectativa de viver no Grande ABC, revela baixa fidelidade regional. Nada menos que 64% optaram pela alternativa em que se estabelecem limites para continuar na região, à qual não se atribuem garantias concretas de futuro melhor, e a possibilidade de mudarem para o Interior ou outro Estado. Para 30,5% dos entrevistados, o Grande ABC é indispensável. O restante do contingente, 5,5%, simplesmente quer mudar-se porque não vê mais futuro na região.
Participaram da Pesquisa LM os formandos dos cursos de Administração, Pedagogia, Psicologia, Letras e Secretariado da Senador Fláquer, os terceiranistas do curso técnico de Administração do Colégio Clóvis Bevilácqua e os formandos dos cursos Eletrônica, Química, Administração e Secretariado do Colégio Anchieta.
Acompanhe a pesquisa:
Sobre o futuro do Grande ABC
Nada vai conseguir brecar o desenvolvimento econômico da região. Estamos preparados para perder novas indústrias, porque temos no setor de serviços e de comércio as alternativas de que precisamos. 18%
Temos de estar preocupados com o que vem pela frente no Grande ABC. Estamos nos empobrecendo economicamente com a evasão industrial e vivendo graves problemas sociais. Se a reação não for rápida e dinâmica, estaremos irremediavelmente perdidos. 73%
O Grande ABC já não tem mais jeito de reagir. As indústrias foram e continuam indo embora, o pequeno comércio sofre com a concorrência das grandes redes e shoppings e o setor de serviços tem concorrência demais. O melhor mesmo é procurar outra região. 9%
Sobre o sindicalismo regional
Dizer que o sindicalismo atormentou a vida econômica do Grande ABC é bobagem. Nossos sindicalistas sempre tiveram visão social, não ficaram reclusos a atividades meramente corporativistas, de defesa de seus interesses exclusivos. 8%
O sindicalismo que atua há 20 anos no Grande ABC tem seus méritos, mudou a face econômica da região, mas só precisa dar uma maneirada no seu desempenho, porque estamos vivendo novos tempos. Agora é hora de dialogar, de estabelecer parcerias. 65%
Enquanto o Grande ABC tiver esse sindicalismo radical que atormenta as empresas há 20 anos, não sairá do caos. Por mais que tentem mostrar o contrário, a verdade é que os sindicatos, especialmente os ligados aos metalúrgicos, são nocivos ao desenvolvimento equilibrado da região. 27%
Sobre a classe política
Temos na região uma nova safra e prefeitos, vereadores e deputados que nos dão a garantia de que vamos recuperar o terreno perdido nos últimos anos. Nossos executivos e legisladores são de nível muito superior aos seus antecessores e agora posso confiar no Grande ABC. 4%
Acredito que os novos prefeitos, os vereadores e os deputados que representam o Grande ABC são de melhor nível que os antecessores, mas a classe ainda está distante do que necessitamos para o desenvolvimento econômico e social da região porque dependemos demais de saídas que estão nas esferas estaduais e federal. 36%
Sou descrente do poder político da região porque não vejo diferença alguma entre os atuais prefeitos, vereadores e deputados em relação a seus antecessores. Como o Brasil, sofremos com uma classe política despreparada, que só enxerga vantagens pessoais. 60%
Sobre o Fórum da Cidadania do Grande ABC
Acompanho atentamente as atividades do Fórum da Cidadania, sei de todos os seus envolvimentos, julgo que se trata de uma instituição realmente formidável e que será capaz de profundas modificações socioeconômicas no Grande ABC. 3%
Conheço o Fórum da Cidadania apenas superficialmente, sem maiores informações. Acredito que seus idealizadores e participantes poderiam atuar mais firmemente na propagação de suas mensagens e atuações, porque precisamos mesmo de uma organização social forte. 40,4%
Desconheço as atividades do Fórum da Cidadania. Não sei praticamente nada do que vem realizando. Acho, na verdade, que esse tipo de trabalho só tem razão de ser se chegar às massas, se contaminar o povão. Se ficar na cúpula, não terá futuro. 56,6%
Sobre alternativas de crescimento econômico
A maior saída econômica para o Grande ABC continua sendo a indústria. Sem indústria não tem jeito de crescer. E a indústria tem que ser de tecnologia de ponta, porque o mundo mudou e quem não investir em novos equipamentos, em nova capacitação técnica dos trabalhadores, acabará sobrando. 55%
Indústria já era no Grande ABC. Temos de botar isso na cabeça. Quem achar que o caminho é a indústria vai dar com os burros nágua. Nossa saída, saída verdadeira, são os setores de comércio e de serviços. Ainda temos muitos espaços nessas duas áreas. Há condições de empreender para valer, de atender um mercado carente. 23%
Nem indústria, nem comércio e nem serviços. A saída econômica do Grande ABC está no setor de entretenimento. Contamos com grandes falhas nessa atividade. Não temos muitas alternativas de diversão. Faltam parques temáticos, centros de exposições e negócios, feiras setoriais. Enfim, tudo que uma região que busca o Primeiro Mundo precisa contar. Não tem mais sentido o Grande ABC não dispor, por exemplo, de um amplo centro de convenções. 22%
Sobre os planos pessoais
Estou estudando porque acredito que com o conhecimento que passo a ter poderia abrir meu negócio e ter sucesso na carreira. Não quero nem pensar em ser funcionário. Meu negócio é empreender. 22,6%
Estou estudando porque acho que agora vai ser mais fácil subir na carreira de funcionário. Um diploma sempre ajuda e minha vocação mesmo é trabalhar para uma empresa respeitada. 19,4%
Estou estudando porque sei que a partir de agora vou ser mais valorizado no mercado. Ainda não me decidi se prefiro ser funcionário ou pequeno empreendedor. Vou dar um tempo até optar. 58%
Sobre a expectativa de viver na região
Gosto demais do Grande ABC para me imaginar fora daqui. Não quero nem pensar numa alternativa de mudança para o Interior ou para outro Estado. Aqui tenho minhas raízes e daqui não sairei. 30,5%
Gosto muito da região, mas isso tem limites. A situação do Grande ABC não me oferece garantias concretas de que posso ter um futuro melhor, por isso estudo sim, sem problemas, a possibilidade de mudança para o Interior ou mesmo para outro Estado. 64%
Estou com o saco cheio do Grande ABC. Acho que o que tinha que dar a região já deu. Com meu diploma na mão, agora só espero surgir uma possibilidade concreta e segura de mudar-me daqui. Vou para o Interior, para outro Estado, para qualquer lugar onde vejo mais possibilidades de futuro para mim e meus familiares. 5,5%
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