Uma das características editoriais da revista LivreMercado posicionava-se no acompanhamento da Administração Pública. O tripé Mercado-Estado-Sociedade sempre norteou a linha de informações e análises da melhor revista regional. Na reportagem abaixo, assinada pela jornalista Tuga Martins, LivreMercado mostrou, na edição de outubro de 1998, o que o então prefeito de Mauá, Oswaldo Dias, pretendia de mudanças na ocupação industrial do Polo de Sertãozinho, última extensa área disponível à investimentos produtivos.
Esta é a quinquagésima-quinta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma confluência de LivreMercado e CapitalSocial.
Crescimento sob o
embaraço da lei
TUGA MARTINS - 05/10/1998
Sobre a mesa do prefeito de Mauá, Oswaldo Dias, a minuta do projeto de lei de Uso e Ocupação do Solo suporta dedilhado ansioso da equipe que comanda a Operação Urbana Consorciada, enquanto aguarda a vez de ingressar na Câmara Municipal. A Operação Consorciada é uma aliança entre Poder Público e iniciativa privada e tem os olhos espichados para o calhamaço do Uso e Ocupação do Solo porque consta ali um dos principais dispositivos para acelerar a industrialização do Loteamento Coral, no Polo Industrial de Sertãozinho.
Em meados do mês passado o Loteamento Coral rendeu conversas em altas rodas empresariais graças ao início das obras de infraestrutura. Os lotes mínimos de Sertãozinho fixados até agora em cinco mil metros quadrados serão reduzidos para mil metros quadrados com a aprovação da nova lei, tamanho mais que sedutor para instalação de pequenas e médias empresas.
Além da reengenharia espacial, o projeto de lei embute medidas modernas: põe fim à lista que restringe diversas atividades e prevê a criação de condomínio industrial -- mil metros quadrados mínimos para área total, mas cada empresa pode ocupar espaço de 150 metros quadrados. A lei atual divide Sertãozinho em três zonas de uso e cada uma tem lista específica de atividades permitidas. Na zona denominada I3, por exemplo, é permitida a instalação de metalúrgica, mas não a de produtores de embalagem. "Não existe qualquer estudo ambiental ou científico que dê consistência a esta restrição" -- avalia o diretor de Desenvolvimento Econômico, Paulo Eugênio de Souza.
O absurdo da legislação em vigor chega a extremos quando abre sinal verde à indústria de móveis e proíbe a produção de embalagens de madeira, apesar de as duas atividades terem processo industrial gemelar. "Diagnóstico do Fórum de Desenvolvimento já havia apontado a infraestrutura e a lei de zoneamento como inibidores do crescimento da cidade" -- relata o diretor.
Perda de investimentos
Não somente inibidora, a atual lei de zoneamento é responsável pela atrofia de vocações naturais da cidade. Da arrecadação de Mauá, 40% vêm do setor petroquímico e nessa lei não está previsto uso químico. "Chegamos a perder investimento" -- afirma Paulo Eugênio. Até o momento, a saída para acolher novos empreendimentos na cidade está na própria lei, que remete para legislação estadual os critérios para instalação de indústrias.
O entusiasmo da Operação Urbana Consorciada parece não contagiar o Legislativo Municipal, que protelou de junho para depois das eleições gerais a votação do Plano Diretor, lei preliminar à de Uso e Ocupação do Solo que traz adequações do loteamento. A equipe torce para que os vereadores desengavetem até o fim de outubro a votação do Plano Diretor e, na sequência, levem o projeto de Uso e Ocupação do Solo ao plenário. "A ideia é terminar o ano com a lei aprovada, mas não sei se vai ser possível" -- lamenta o secretário interino de Planejamento e Meio Ambiente, Cláudio Scali.
A revisão do tamanho dos lotes em Sertãozinho faz parte da estratégia do governo Oswaldo Dias para aumentar a arrecadação do Município. Scali escancara preocupação com o esfriamento da economia e consequente queda do repasse da cota-parte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), algo em torno de R$ 2,1 milhões por semana, dos quais atualmente 30% são retidos por ordem judicial para pagamento de dívidas contraídas em governos anteriores.
Especulação imobiliária
A administração não mede esforços para empalidecer as cores do Custo ABC que tem afastado da região novos empreendimentos. "Qualquer intervenção urbana que beneficie a chegada de matéria-prima, facilite o acesso de trabalhadores e o escoamento da produção favorece o barateamento do produto final, permite que o empresário invista mais na produção e o ciclo de desenvolvimento está criado" -- otimiza Scali. Também conversas com os proprietários dos lotes têm objetivo explícito: evitar especulação imobiliária no local. "Faremos de tudo para não dificultar a chegada de novas empresas na cidade" -- afirma o secretário.
Mesmo sob o regime da lei vigente que delineia área mínima de cinco mil metros quadrados no Loteamento Coral, 11 empresas já acenaram com cifras e aguardam o fim das obras iniciais para edificar os respectivos centros de produção. O movimento convergente destes empresários para Sertãozinho significa bolo de R$ 15,8 milhões e geração de 1.650 empregos diretos.
O programa de urbanização do Polo Industrial de Sertãozinho, intitulado Operação Urbana Consorciada, é desenvolvido em parceria da Prefeitura com 46 dos 68 proprietários de lotes na área, dos quais 25 têm indústrias já instaladas. Orçadas em R$ 1,24 milhão, as obras de infraestrutura devem estar concluídas nos próximos seis meses. A Prefeitura arcará com R$ 550 mil direcionados à administração das obras e custeio de serviços de drenagem, assentamento de guias e sarjetas e asfalto nas áreas públicas. Os R$ 690 mil restantes serão providos pela iniciativa privada e têm destino na pavimentação do loteamento. Os donos de lotes que não participam da operação serão cobrados posteriormente por contribuição de melhoria, proporcional à metragem frontal do terreno.
Muito espaço disponível
Durante mais de 20 anos, Sertãozinho foi privado de acompanhar os avanços do mercado. Neste longo período, nem mesmo o básico foi destinado aos 11,7 milhões de metros quadrados que totalizam a área. Dessa imensidão, ainda restam sete milhões de metros quadrados desocupados, medida suficiente para drenar um dos maiores problemas do Grande ABC: escassez de terrenos baratos para expansão industrial. De volta ao mapa de atenções no início do ano passado, o loteamento já recebeu da Sama (Saneamento Básico de Mauá) 6,4 mil metros de tubulações e um booster (bomba que leva água com mais pressão) que possibilita a vazão de 20 metros cúbicos por hora e garante abastecimento a todas as indústrias do polo. Antes da chegada da água, a Prefeitura teve de resolver o problema de acesso junto com empresários. Para tal, foi necessário canalizar trecho do Córrego Taboão.
Os empresários compraram os tubos e a Prefeitura entrou com a mão-de-obra. Num segundo momento vieram os cascalhos. Simultaneamente a Prefeitura vem buscando entendimento com empresas fornecedoras de eletricidade e telefonia para suprir a demanda logo que as obras de infraestrutura chegarem ao fim.
As atitudes concentradas no último ano desviaram a rota de muitas empresas. Quem pretendia arrumar as malas rumo a local mais estruturado se organiza para a conquista de certificado de qualidade. É o caso da MMF Indústria e Comércio de Máquinas, empenhada em obter a ISO 9000. As obras também animaram o empresário Paulo Rogério Spósito, empreendedor do Frigorífico Larissa, que pretende investir R$ 1 milhão para instalação de câmara para estoque de alimento.
Rodovia planejada
Em julho, o governo estadual liberou verba de R$ 145,7 mil para o projeto de construção da Estrada do Sertãozinho, que ligará Mauá à Via Anchieta, em São Bernardo. O trecho terá extensão de 14,5 quilômetros e está a cargo da Geométrica Engenharia. Embora a contratação do projeto não signifique início das obras, é inegável o interesse do governo em avançar no cumprimento da agenda de prioridades do Grande ABC assumida pela Câmara Regional.
A viabilização da estrada é o próximo passo para o pleno desenvolvimento do Polo de Sertãozinho, que aos olhos de empresários está localizado em ponto estratégico devido à proximidade com o Porto de Santos. Com a interligação, o escoamento da produção será mais ágil, um argumento a mais para atrair investidores para o loteamento. O pensamento globalizado em torno do Polo de Sertãozinho sugere ao prefeito Oswaldo Dias voos mais ousados, mas não menos importantes.
Durante o ato de inauguração das obras de infraestrutura do loteamento, ele levou a público a intenção de incrementar negociações com a Fundação Abraham Kasinski para erguer a Universidade do Trabalhador e compartilhar o futuro complexo educacional com o Polo de Sertãozinho. Cláudio Scali adiantou que estão avançadas as conversas com a mineradora Paranapanema, dona de 400 mil metros quadrados bem no centro de Sertãozinho. A Prefeitura quer que a empresa faça doação de parte da área para que a universidade seja viabilizada.
Cláudio Scali, assim como vários empreendedores, joga as fichas de Sertãozinho no potencial de desenvolvimento da indústria de transformação de plástico, identificado como em crescimento por pesquisa realizada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) sobre as cadeias produtivas do Grande ABC. A ideia ganha adeptos por causa da proximidade do loteamento com o Polo Petroquímico de Capuava, provedor da matéria-prima do setor de plásticos.
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