A lógica matemática de que a soma dos fatores não altera o produto final não poder ser catapultada e adaptada às pesquisas do Instituto Datafolha, como provaremos nesta que é a segunda edição do que chamaria de um exame completo do modelo de investigações da empresa ligada ao jornal Folha de S. Paulo e que tem a Grande Mídia com parceira inseparável na divulgação e interpretação dos dados.
A ordem cronológica das perguntas das entrevistas do Datafolha altera e muito e produto final tanto quanto a formulação técnica.
Mandraquismo e subjetividade dão as mãos quando se adulteram as regras do jogo de ouvir a população para supostamente conhecer a realidade dos fatos.
O que se pergunta prioritariamente é qual é ordem cronológica das questões aplicadas. O Datafolha não oferece meios à devassa dos enunciados levados aos entrevistados. Uma curadoria independente resolveria a questão e colocaria mais molho de comprometimento nos trabalhos.
Pontos decisivos
Mesmo a ordem cronológica definida em protocolos não conta com a garantia extensiva de aplicação prática. Pode haver manipulações. Pontos substantivos que determinam o rumo das respostas seriam deslocados da numeração original.
Esse é seguramente um dos aspectos mais nevrálgicos dessa série. Por isso mesmo vamos partir para exercícios práticos que tornem a compreensão mais compatível com o emaranhado das regras estabelecidas pelo Instituto Datafolha.
Vamos, portanto, a um exemplo que tenha, como antecipei, a mais recente pesquisa do quadro político nacional.
Qual foi a ordem cronológica na aplicação da pesquisa feita por telefone, considerando-se duas das questões apresentadas aos entrevistados?
Primeira pergunta – Avaliação do desempenho de Bolsonaro na pandemia.
Segunda pergunta – Avaliação do presidente Jair Bolsonaro.
Questionamento tóxico
Como a suposta primeira pergunta é mais tóxica para o presidente da República, porque é parte de um contexto de gravidade sanitária generalizada a centralizar as atenções, a segunda automaticamente carregaria sobrepeso desvalorizativo. Tanto é verdade que para 50% dos entrevistados o desempenho do presidente da República no caso do Coronavírus é “ruim/péssimo”, enquanto a avaliação geral do presidente é de 43% de ruim/péssimo. Ou seja: se essa foi a ordem do questionamento, a avaliação do presidente foi sobrecarregada e, portanto, leva peso adicional de negatividade.
O que se pergunta, em contraposição, é se a recíproca seria verdadeira. Ou seja: se o questionamento inicial girasse em torno do desempenho do presidente e em seguida sobre o desempenho do Coronavírus, os resultados seriam afetados igualmente, com menor registro de “ruim/péssimo” no caso da pandemia?
Como se observa, trata-se de bifurcação interpretativa. A ordem dos questionamentos afeta o produto numérico final.
Cadê os enunciados?
Mas há um ponto muito mais instigante a avaliar: a Folha de S. Paulo não reproduziu integralmente o enunciado de cada uma das duas perguntas. Enunciado é o que o entrevistador diz ao entrevistado ao telefone em busca de resposta. A Folha de S. Paulo sintetizaria a pergunta sem levar em conta a questão formulada integralmente aos entrevistados. Parece bobagem, mas não é. O enunciado é decisivo a determinadas configurações. Dependendo dos termos utilizados, vicia-se o processo. Essa especificidade será tratada no momento adequado. Faz parte do conjunto de sete pecados capitais do Datafolha.
Outro exemplo pode ser rebocado da Folha de S. Paulo (entre tantos outros insumos do Datafolha) para consolidar a relevância da ordem das perguntas.
Imagine se ao invés de questionar a atuação do presidente na pandemia (a primeira pergunta mencionada logo acima), houvesse sido aplicada outra questão:
Pergunta três – sobre a confiança nas declarações do presidente Bolsonaro.
Grau de criticidade
De novo, sonega-se a íntegra do questionamento. A Folha de S. Paulo resumiu a questão adotando o conceito da pergunta, não à pergunta literal. Mesmo assim, não é difícil chegar a nova conclusão: mais que a abordagem sobre o desempenho do presidente na pandemia, resumida na primeira pergunta, a pergunta três torna o entrevistado mais crítico quanto à pergunta dois.
Ou seja: quando se compara a pergunta um com a pergunta dois tem-se menor grau de subjetividade negativa precípua da atuação do presidente da República em relação a quando a comparação envolve a pergunta um e a pergunta três.
Como assim? O simples fato de a pergunta três lançar dúvida sobre a atuação do presidente (“confiança nas declarações”) impregna de restrição à resposta do entrevistado. Induz-se claramente, cristalinamente, a resposta.
Vou tentar ser mais objetivo: quando se coloca em dúvida o aspecto gerencial, quando não moral, de um presidente (“confiança e desconfiança”) ressalta-se o viés arbitrário. É mais que possível, é provável, que entrevistado convicto de que Jair Bolsonaro desperta confiança possa repensar a resposta e bandear-se ao conforto de “às vezes confia” ou deslocar-se de mala e cuia rumo ao “jamais confio”.
Como, então, deveria se comportar o pesquisador do Datafolha? O instituto deveria preservar a limpidez de que não haveria indução à resposta. Que o campo estivesse, portanto, livre ao arbitrariamente exclusivo do entrevistado, não à sujeição do entrevistador.
Quando se soma ao enunciado tóxico para o presidente uma sincronia armadilhesca na ordem cronológica de perguntas, tem-se encaminhada a deterioração científica da proposta de conhecer a realidade.
Perguntas alternativas
Vamos experimentar um modelo de isenção que deveria ser aplicado às três perguntas relatadas acima. Trata-se apenas de exposição preliminar. Serve como exemplo de que tudo poderia ser diferente. Vejam:
Primeira pergunta – Considerando-se o compartilhamento de ações com Estados e Municípios, conforme decisão do STF, como o senhor observa a atuação do governo federal no combate à pandemia?
Segunda pergunta – Como observa o desempenho geral do presidente da República ao se considerarem resultados desde que assumiu?
Terceira pergunta -- Como avalia o desempenho do presidente da República tendo como base o futuro próximo?
Sujeito a mudanças
É possível (e isso precisa ser admitido porque a construção das perguntas passa pela observação de múltiplos ângulos a fim de se evitarem distorções) que as três questões formuladas em substituição às levadas a campo pelo Datafolha provoquem discordâncias. É natural que assim o seja. A diferença é que supostamente haveria menos estridência quando se confrontassem com os enunciados que a Folha de S. Paulo não tornou público, ou se os tornou de fato são excessivamente vagos, quando não direcionados.
O que quero dizer com tudo isso é que o fulcro de uma pesquisa de opinião pública está concentrado em dois pontos vitais à consistência e credibilidade: a formulação de questões propriamente dita e a temporalidade hierárquica da aplicação prática.
O Datafolha lida com essa problemática sem a menor transparência. Sem exagero, faz picadinho de vetores regulamentares que se exigem em nome da tessitura técnica dos trabalhos.
Reiterar o aspecto deletério dos dois fatores que se conectam nesse primeiro pecado capital da pesquisa do Instituto Datafolha ganha contorno e essência de responsabilidade social.
Abastecendo linhas de produção
Para completar esse jogo de comparações, se alguém entender que questões acima confrontadas não escancaram para valer o que chamo de contaminação dos resultados, então recorro a um nocaute explicativo. Em que exato momento e quais foram os termos utilizados pelo entrevistador do Datafolha quando dirigiu ao entrevistado o enunciado a respeito do impeachment do presidente nos seguintes termos: “Opinião sobre Congresso abrir ou não processo de impeachment contra Bolsonaro”.
Quanto mais exposta essa pergunta nas primeiras filas de questionamentos, mais se esvazia a legitimidade dos resultados posteriores porque se estabelece juízo de valor reprovador implícito de que o presidente da República está em situação delicada como chefe de Estado.
Mas, em qualquer situação temporal menos agressivamente contaminante que a questão tenha sido levada ao entrevistado, o Datafolha fabrica intencionalmente uma disputa típica de Fla-Flu com objetivo cristalino de abastecer linhas de produção editorial da Folha de S. Paulo e de outros veículos associados.
Propriedade particular
O Instituto Datafolha trata como propriedade particular informações publicamente expostas que, mais que isso, determinam, por força da disseminação midiática, efeitos colaterais na sociedade. Ou alguém tem dúvidas de que o Datafolha e seus apoiadores estratégicos não afetam para o bem ou para o mal atividades do campo econômico, do campo político, quando não financeiro? Convive-se, portanto, com uma penumbra de desconfiança de que se está praticando, por extensão, um jornalismo de equívocos com roupagem cínica de ciência.
O jornal Estado de São Paulo, tão cioso em saber se o presidente da República testou positivo ou negativo para o vírus chinês, poderia adotar medida semelhante ao solicitar à Folha de S. Paulo o emaranhado completo de cada pesquisa. O Jornal Nacional, também.
Quem sabe a Ordem dos Advogados do Brasil, tão voraz em busca de um lugarzinho permanente no Jornal Nacional, não possa requisitar ao Instituto Datafolha alguma coisa nesse sentido?
É claro que estou sendo irônico. Há mais que uma orquestração afinadíssima com a linha estratégica adotada pelo Instituto Datafolha. Há mesmo cumplicidade em deixar como está porque do jeito que está interessa muito às forças de pressão contra adversários políticos do momento.
O segundo capítulo desta série vai tratar do tema “Contextualização fragmentada”. É só esperar.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)