Este é o segundo de sete capítulos desta série que mostra o quanto o Instituto Datafolha é fonte de distorção de informações disseminadas por ampla rede de veículos de comunicação que inoculam conceitos em larga parcela da opinião pública. Vamos tratar do que defini na primeira edição desta série como “Contextualização fragmentada”. Tudo está documentado na mais recente pesquisa do instituto, matéria-prima de análises da Folha de S. Paulo.
Publicou a Folha de S. Paulo na edição de 31 de maio o seguinte título: “Reprovação a Congresso e Supremo despenca na pandemia, diz Datafolha”. Na edição do dia anterior, 30 de maio, a manchete de página interna, em posição mais destacada que a anterior, expressava: “Rejeição a Bolsonaro bate recorde, mas base se mantém”.
Há série de desequilíbrios na interpretação dos números enviesados do Datafolha, mas vamos no deter primeiramente na fragmentação da matriz de informações.
O questionário aplicado pelos entrevistadores do Datafolha junto a mais de dois mil eleitores foi estruturalmente concentrado na atuação do presidente da República. Uma série de perguntas, muitas arbitrariamente introduzidas para sugestionar respostas, resultou em panorama relativamente amplo da atuação de Jair Bolsonaro.
Muito contra pouco
Muito diferente, para não dizer totalmente contrastante, do que se aplicou para o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. O Datafolha só fez um questionamento aos eleitores sobre aquelas duas instituições, poupando-as, portanto, do desgaste deliberado do escrutínio em torno de Jair Bolsonaro.
Transportando a situação para o campo esportivo, basta imaginar um goleiro que tenha sido incomodado o jogo inteiro pelos adversários enquanto do outro lado do campo o outro goleiro poderia até tirado uma soneca.
Quando se faz apenas um questionamento sobre qualquer instituição, como foi o caso, o resultado sai do forno de uma alquimia que não suporta o contraditório. Sobretudo quando o que se pretende, no fundo, no fundo, é comparar o STF e o Congresso ao governo federal odiado pela Grande Mídia. Comparação com bases desiguais, fragmentada, não é comparação. É um projeto bem elaborado para alcançar resultados previamente definidos.
Imaginem os leitores se antes de chegar à pergunta fatal sobre o comportamento do Supremo Tribunal Federal e o Congresso Federal o Instituto Datafolha ouvisse a opinião dos leitores sobre determinadas situações em que se envolveram as duas instituições. Só imagine.
Destituição do STF?
Trocando em miúdos: como seria o resultado final tanto para o STF quando para o Congresso se os eleitores fossem submetidos a questionamentos críticos como o Datafolha fez em relação ao governo federal?
Que resposta final dariam os eleitores ouvidos pelo Datafolha se uma questão sobre a possibilidade de destituição de todos os membros do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional fosse interposta, como o Datafolha o fez em relação à renúncia e também ao impeachment do presidente Jair Bolsonaro antes (ou foi depois?) de pretender encontrar a respostas dos entrevistados sobre a rejeição ao presidente. É dispensável dizer que só a formulação da pergunta, ou das perguntas, relativas à renúncia e ao impeachment mina as bases de defesa presidencial junto aos eleitores aleatoriamente ouvidos pelo Datafolha.
Repararam os leitores que também são eleitores como uma flagrante proteção e uma contumaz perseguição se consumaram no questionário levado a campo pelo Instituto Datafolha? É possível apontar os três resultados decorrentes dessas ações sincrônicas com a realidade do ambiente nacional?
Manchetes distintas
Os próprios enunciados das manchetes das edições da Folha de S. Paulo que trataram da temática de rejeição ao presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional são desequilibrantes.
Para dar mais autenticidade à comparação, primeiro reproduzo os principais trechos da matéria sob o título “Rejeição a Bolsonaro bate recorde, mas base se mantém”:
A rejeição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cresceu ao longo do mês passado, cristalizando uma polarização assimétrica na população em meio à crise sanitária, econômica e política pela qual passa o Brasil. Segundo pesquisa Datafolha feita segunda (25) e terça (26), já sob o impacto da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, 43% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo. Recorde na gestão, esse número era de 38% no levantamento anterior, de 27 de abril. Foram ouvidos 2.069 adultos, com margem de erro de dois pontos percentuais. A aprovação de Bolsonaro segue estável, os mesmos 33% nas duas aferições. Já aqueles que acham o governo regular, potenciais eleitores-pêndulo numa disputa polarizada, caíram de 26% para 22%.
Levantando a bola
Agora vamos à matéria publicada no dia seguinte, sob o título “Reprovação a Congresso e Supremo despenca na pandemia, diz Datafolha”:
A reprovação à atuação do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal) despencou em meio à crise política do governo Jair Bolsonaro, de acordo com pesquisa Datafolha. Em levantamento (...) o instituto detectou forte queda na taxa de avaliação ruim/péssima sobre os trabalhos do Legislativo e do Judiciário em relação à pesquisa anterior com esses questionamentos, feita em dezembro do ano passado. O Congresso e o STF vêm sendo desde março alvos de protestos de militantes bolsonaristas, e o próprio presidente compareceu a alguns desses atos. Ativistas mais radicalizados defendem inclusive o fechamento do tribunal e do legislativo – prerrogativa que o presidente da República, no entanto, não possui. Segundo a pesquisa do Datafolha, 32% consideram o desempenho dos senadores e deputados ruim ou péssimo, ante 45% seis meses atrás. Hoje, 18% acham o trabalho deles ótimos ou bom – eram 14% no levantamento anterior. A avaliação como regular está em 47%. (...). Já em relação ao Judiciário, 30% entendem que o STF tem feito um trabalho ótimo ou bom – eram 19% em dezembro. A taxa de avaliação ruim ou péssima caiu de 39% para 26%. Outros 40% consideram hoje regular o desempenho dos ministros.
Contexto a mudanças
Outro ponto que vale a pena destacar como fragmentação na coleta de dados para se chegar aos números apresentados pelo Datafolha, não bastasse a disparidade de matérias-primas de informações do presidente da República em relação às duas instituições, é a possibilidade de os enunciados terem provocado a mudança abrupta.
O que os eleitores abordados pelo Datafolha ouviram dos pesquisadores em relação ao desempenho do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal? Até que ponto o questionamento único tanto para uma quanto para outra instituição teria sido formulado no mesmo tom crítico ao governo Bolsonaro que a reportagem da Folha de S. Paulo expôs no texto reproduzido logo acima?
Quem duvida dessa possibilidade provavelmente ganhará o prêmio de ingenuidade do ano. A caça ao governo federal, independentemente de juízo de valor do governo Bolsonaro, é a regra geral e irrestrita da Folha de S. Paulo (e também no mesmo tom da Rede Globo) como se não houvesse uma política qualquer na administração federal que flertasse com o acerto.
Insisto num ponto que faz toda a diferença na avaliação dos dados e consequentemente na formulação de ideias acabadas sobre a pesquisa do Instituto Datafolha: tanto o STF quanto os congressistas foram poupados do assédio crítico dos eleitores no amplo questionário aplicado. E, não se sabe quando, ou seja, em que momento da aplicação das perguntas, os entrevistados foram levados a avaliar numa simples pergunta, de contextualização de transparência zero, a atuação de deputados, senadores e ministros.
Tom catastrófico
Também causou estranheza o tom catastrófico com que a reportagem da Folha de S. Paulo tratou o momento do governo federal. Quando eleva ao título da página “Rejeição a Bolsonaro bate recorde, mas base se mantém”, a primeira impressão é exatamente essa. Mas não é bem assim, conforme os próprios números. Bolsonaro manteve aprovação de 33% e a rejeição subiu de 38% para 43%. São cinco pontos percentuais que também podem ser apenas um se levada em conta a margem de erro de dois pontos percentuais ou elevar-se a nove pontos percentuais caso de aplique dois pontos percentuais acima para a rejeição e, paralelemente, dois pontos percentuais abaixo, também sob o mesmo critério. Aliás, sobre margem de erro teremos capítulo específico.
Quando se confrontam os números de rejeição a Jair Bolsonaro em relação ao Congresso e ao STF, temos o placar de 43%, 32% e 26%, respectivamente. Quanto à aprovação, o presidente conta com 33%, o STF com 30% e o Congresso com 18%.
Não é difícil de projetar os números provavelmente mais realísticos que contemplariam o trio caso a aplicação do questionário do Datafolha fosse menos desigual em detrimento das ações do presidente da República.
Qual seria o resultado?
Reiterar esse ponto parece exagero, mas é a fonte ética que deve balizar qualquer enfrentamento. Além disso, por mais que o ativismo judicial ganhe corpo no País, as atenções da sociedade estão sempre muito mais voltadas ao Executivo Federal.
O Datafolha usou o confronto entre Executivo, Legislativo e Judiciário pela primeira vez na temporada, justamente num período crítico do Executivo, sobremodo por conta da pandemia do Coronavírus. Mas mesmo assim o resultado teria sido outro, provavelmente, se uma questão preliminar procurasse obter resposta dos eleitores à vinculação da bagunça institucional.
Bastaria que fosse exposta a decisão do STF em retirar da União a coordenação e a articulação nacional de políticas de combate ao vírus chinês. Ao redistribuir a tarefa a Estados e Municípios, que pouco se entendem, o bafafá institucional se instalou. O estrelismo político-partidário passou a ser a regra geral.
Já imaginaram a seguinte pergunta aos eleitores entrevistados pelo Datafolha: “Como avalia a atuação do Supremo Tribunal ao retirar da União a coordenação geral do combate ao vírus, entregando as ações a Estados e Municípios?”. Um enunciado claro, justo e fixado na realidade dos fatos. Ao Instituto Datafolha de cartas marcadas, nada disso interessa.
Na próxima edição trataremos de “margem de erro inconsistente”. Quer ler saberá o quanto a margem de erro é margem de manobra.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)