Na edição de fevereiro de 1999 (portanto, há 19 anos) mostrei num texto para a revista LivreMercado o que ajuda a explicar o desmonte gradual do poderio de riqueza em forma de consumo por habitante de São Caetano e do Grande ABC como um todo neste século. Fiz uma nova abordagem sobre a desindustrialização que muitos ainda procuravam negar.
Não custa lembrar sempre e sempre que LivreMercado (e, em seguida, CapitalSocial) adotou política editorial de transparência e compromisso social. Esconder como a mídia regional sempre escondeu a debacle industrial era e continua sendo um desserviço do jornalismo.
Ou seja: goste-se ou não, é indispensável revelar as vísceras econômicas do Grande ABC. Até porque as iniquidades sociais sempre aparecem e não há como surrupiá-las.
Esta é a sexagésima-oitava matéria da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma junção de LivreMercado e CapitalSocial.
São Caetano segue
acumulando perdas
DANIEL LIMA - 05/02/1999
Depois de acusar queda de 50% do consumo de energia elétrica industrial no final de 1997, comparativamente à abertura econômica em 1990, São Caetano voltou a sofrer sério rebaixamento nesse indicador de desempenho econômico. Considerado o Município mais rico do Grande ABC, embora venha perdendo poder de fogo com o esvaziamento industrial, São Caetano consumiu em todo o ano passado 82% menos energia elétrica industrial do que no mesmo período de 1990.
Para infortúnio da região, o resultado de São Caetano não é exceção, já que o nível de insumo despendido pela atividade industrial do Grande ABC atingiu, ano passado, os pontos mais baixos da década. A região consumiu 5.417.259 megawatts/hora de energia elétrica industrial em 1990, contra 4.950.000 megawatts/hora em 1998. Queda absoluta de 11% num período em que o PIB (Produto Interno Bruno) do País teve crescimento de 18%.
Esses números, anunciados pela Secretaria de Energia do Estado de São Paulo, se juntam a outros como pontos irrefutáveis do esvaziamento industrial e econômico da região. A transformação que atinge São Caetano nesta década é a mais profunda da matriz industrial do Grande ABC. Nenhum outro Município sofreu tantas baixas. Santo André perdeu 11,24%, São Bernardo perdeu 10,80%, Diadema cresceu 12,14%, Mauá caiu 1,03%, Ribeirão Pires cresceu 2% e Rio Grande da Serra 1,02%. Esses números não consideram a evolução do PIB nacional.
As perdas no consumo de energia industrial se registraram num período em que proliferaram novas engenharias de administração para o enfrentamento da competição internacional. O parque produtivo do Grande ABC foi atingido em cheio, porque foi colhido no contrapé da baixa produtividade associada a custos elevados da mão-de-obra em relação a outras regiões do País. Enxugamento dos quadros, terceirização, debandada em direção a endereços patrocinadores de guerra fiscal e desativação de negócios marcaram pronunciadamente a atividade industrial nesta década.
Terciário amortece
O declínio industrial do Grande ABC só não provocou sequelas sociais e econômicas maiores do que as já conhecidas, com altas taxas de desemprego e de criminalidade, porque o setor terciário (comércio e serviços), até o início da década muito aquém da capacidade de consumo da população, serviu como amortecedor.
No mesmo período em que o uso de energia elétrica industrial embicou, o setor terciário decolou. Praticamente dobrou o consumo de megawatts/horas, passando de 429.318 MW/h em 1990 para 858.000 em 1998. Santo André saltou 96%, contra 110% de São Caetano, 97% de São Bernardo, 100% de Diadema e de Mauá, 98% de Ribeirão Pires e 118% de Rio Grande da Serra.
Uma das consequências da combinação do relaxamento industrial e do despertar das atividades comerciais e de serviços no Grande ABC é o excesso de oferta para uma demanda em retração. Traduzindo: nos tempos em que a riqueza industrial era farta, os consumidores da região deslocavam-se em número expressivo em direção à Capital, enquanto que agora, quando há diversidade imensa de estabelecimentos comerciais e de prestadores de serviços, o Grande ABC sofre com as perdas de massa salarial decorrente da contração industrial, cujo processo de redução de quadros está longe do fim.
Para se ter ideia mais precisa sobre a explosão do setor terciário na região, basta um inventário sobre 1990 e 1998. Em dezembro de 1990 a região contava com 38.252 estabelecimentos do gênero, contra 56.300 em dezembro último. Nada menos que 47% de avanço. Ou seja, para cada 100 estabelecimentos existentes no início da década, outros 47 se juntaram em forma de oferta aos consumidores.
Em 12 meses, entre dezembro de 1997 e dezembro de 1998, o saldo foi de 995 novas empresas comerciais e de serviços, o que significam 2,7 novos empreendimentos por dia. A contabilidade, com base no número de consumidores de energia elétrica, só não detecta quantos negócios foram abertos mas fracassaram no período. A média no período 90/98 é de 5,5 novos empreendimentos consolidados por dia, ou mais que o dobro dos últimos 12 meses de 1998.
Total de 1884 matérias | Página 1
13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)