Imprensa

30ANOS: é melhor desconfiar
sempre dos poderosos de plantão

DANIEL LIMA - 17/06/2020

Costumo dizer uma verdade dolorida aos leitores que acompanharam a história da revista LivreMercado e têm CapitalSocial como leitura diária: tanto uma publicação (em papel) quanto outra (digital) erraram para valer quando acreditaram que os caminhos da esperança, da confiança, de transformações, foram apontados como linha editorial em determinadas circunstâncias.

O texto que se segue, da jornalista Malu Marcoccia, da edição de fevereiro de 1999, é prova disso. Tudo que está aí, ou quase tudo, não saiu do papel. O Grande ABC vivia naquele final de década rescaldos de grandes mudanças. Acreditava-se em reviravolta. Supunha-se que LivreMercado teria motivos de sobra para uma guinada editorial extraordinária: a efetividade substituiria o desencanto. Nos demos muito mal tanto nesta quanto em outras situações. Poucas, é verdade. E providenciais, porque apuramos cada vez mais o conceito de que o melhor mesmo é desconfiar dos poderosos de plantão.

Esta é a sexagésima-nona matéria da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País.  

Sangue novo nos negócios

 MALU MARCOCCIA - 05/02/1999

Se você foi um dos resignados que encararam sete horas de estrada para descansar no último réveillon em uma vizinha praia do Litoral paulista ou faz parte do exército de turistas que entopem Nova York neste atípico inverno do lado de cima do Equador, respire aliviado. Tudo sugere que o Grande ABC esteja entrando para valer no seu roteiro de lazer e diversão, depois de só ser visto como polo exclusivamente gerador de negócios e cifrões saindo por chaminés — e, naturalmente, provocador de muito estresse.

Se depender do grupo de turismo que a Câmara Regional ampara com especial atenção, no cabo-de-guerra entre indústria e setor terciário vencerá o entretenimento como nova alavanca econômica do Grande ABC.

Uma indústria limpa e sob medida para os 56% de mananciais protegidos que imobilizam a economia regional, extremamente dinâmica ao movimentar outras 52 atividades e, mais importante, altamente empregadora a custos baixos.

Cada emprego direto ou indireto na cadeia turística custa entre US$ 15 mil e US$ 27 mil, contra US$ 270 mil a US$ 500 mil exigidos como investimento em uma indústria, segundo dados do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo) e da Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis).

Agenda planejada 

É de olho nesse território que o Grande ABC decidiu abrir a temporada de caça ao negócio que mais cresce em todo o mundo e que já faz girar a roda da maioria das metrópoles pós-industriais modernas. Como desdobramento do 1º Workshop de Turismo do ABC realizado em dezembro último, o grupo de trabalho do setor estará apresentando este mês aos sete prefeitos reunidos no Consórcio Intermunicipal e à Câmara Regional, que inclui governo do Estado e entidades civis, uma agenda de ações de curto prazo que possam relançar a economia, sobretudo nestes tempos em que a indústria automotiva — principal motor regional — opera com a bandeira a meio mastro.

O grupo tem pressa. Em março será a vez de sentar com a Embratur e com a Secretaria de Turismo do Estado para discutir um plano de desenvolvimento turístico da região.

Também em março estará circulando o primeiro subproduto concreto da mobilização em torno do assunto, o guia Descubra o ABC, uma prática cartilha em miniatura que tentará tocar primeiramente os 2,3 milhões de moradores que, na maioria, ignora solenemente o acervo da região.

Num outro momento, a artilharia será volta para a Capital e seu entorno metropolitano de 20 milhões de pessoas. A cartilha contém os principais eventos e festas das sete cidades da região, os serviços de apoio em hotéis, restaurantes, cinemas e equipamentos públicos, além de roteiros de visitação que podem ser desenvolvidos em museus, sítios históricos e espaços religiosos antigos.

Muitas atrações

Trata-se de inventário contendo quase uma centena de possibilidades de locais e eventos com grande charme para serem transformados em cenários permanentes de atração turística: desde os incontáveis pesque-e-pague de Ribeirão Pires até o verde de espécies centenárias do Parque Guapituba em Mauá, passando por áreas conhecidas como Cidade da Criança em São Bernardo e Parque Chico Mendes em São Caetano, ou então por espaços que já são unanimidade, como Paranapiacaba e Represa Billings.

De grande apelo local, eventos como a Festa Italiana de São Caetano, de Nossa Senhora dos Navegantes em Diadema e a Procissão dos Carroceiros de São Bernardo vão ganhar roupagem regional. Com essa fatura na mão, a Câmara do ABC parte agora para sensibilizar empresários, autoridades e ONGs (Organizações Não-Governamentais) que possam despertar essa potencial nova vocação da região.

Embalada pelo Selo Turístico Embratur conferido em 1997 e 1998 e pelo status de estância do Estado conquistado no ano passado, Ribeirão Pires tem dado o tom das discussões na montagem das ações de trabalho neste primeiro ano. “O guia será semestral e é o instrumento que vai orientar o grande passo inicial dessa empreitada: evidenciar os atrativos do Grande ABC e começar a mudar a imagem de uma região até agora só conhecida pelas fábricas” — anima-se Christianne Godoy, coordenadora de Turismo da Secretaria de Desenvolvimento Sustentado de Ribeirão Pires e uma das organizadoras do grupo de turismo da Câmara Regional.

Cuidando dos detalhes

O passo seguinte já traçado é operacionalizar os roteiros: cuidar dos horários, dos meios de transporte, do treinamento de guias e, sobretudo, vistoriar e preparar espaços públicos e privados candidatos às visitações. A Cidade da Criança está notoriamente desatualizada e a própria Ribeirão Pires esforça-se na campanha Ribeirão Mais Bonita para que moradores e comerciantes pintem suas propriedades, enquanto o Poder Público tenta melhorar a sinalização e a conservação do sistema viário de dos parques públicos.

“Embora lutando há 20 anos para ser elevado à condição de estância, Ribeirão Pires passou por muitos administradores que trataram o turismo como acessório, quando era a única saída econômica para um Município 100% enquadrado em área de proteção aos mananciais” — diz a prefeita Maria Inês Soares para justificar o esforço dos últimos dois anos em torno de providências para recuperar o centro da cidade, resgatar pontos turísticos como o parque municipal Milton Marinho de Moraes, criar um centro de informações e um calendário de eventos.

Como uma das 54 estâncias turísticas de São Paulo, Ribeirão garante agora uma cota dentro dos R$ 43 milhões que o orçamento do Estado reservou este ano ao Fundo de Melhoria das Estâncias Turísticas. Deve receber em torno de R$ 500 mil a R$ 600 mil por ano e vai entrar no circuito de marketing do turismo paulista. “Agora vamos preparar os moradores para que recebam bem o visitante e trazer os investimentos empresariais” — cita Maria Inês como outras etapas da travessia que Ribeirão em particular, e o Grande ABC como um todo, terão de passar.

Treinando a comunidade

O treinamento da comunidade, por sinal, é outra decisão fechada no grupo de trabalho da Câmara Regional. O Grande ABC vai se candidatar às oficinas de capacitação que a Embratur promove por meio do PNMT (Programa Nacional de Municipalização do Turismo). O programa orienta sobre como formar conselhos de turismo, fundos de financiamento e planos diretores de desenvolvimento turístico, como já fez Ribeirão Pires.

Formados esses grupos iniciais, a Embratur envia monitores para treinar todos os envolvidos com a atividade, dos guardas municipais aos vendedores, dos taxistas aos gerentes de hotéis. “Pela própria integração geográfica, o Grande ABC já se enquadra na filosofia da Embratur de os Municípios se organizarem por regiões para chegar até o PNMT” — diz Christianne Godoy.

Nos últimos quatro anos, segundo a Embratur, foram capacitadas 130 mil pessoas nos 1650 Municípios turísticos brasileiros.

Uma providência valiosa também consensual é trabalhar parcerias com empresários, sejam eles alvos diretos das atrações, patrocinadores ou investidores. “Cada membro do grupo de trabalho está acionando a partir deste mês as associações comerciais e os sindicatos das indústrias de seu Município” — anuncia Chistianne.

Turismo de negócios

O turismo de negócios, por sinal, foi eleito entre as prioridades no fomento de ações. Segundo especialistas, a região exibe vantagens comparativas como ser dotada de parque econômico respeitável e ser vizinha privilegiada da Capital, a maior promotora de eventos, feiras e exposições do País.

Ciente de que o Grande ABC não dispõe de espaços à altura de congressos e certames de alto padrão, o grupo de trabalho de turismo propõe preparar pelo menos um centro de convenções classe A de cunho regional e minicentros em cada Município.

São Bernardo é forte candidata a sediar esse megapalácio de feiras e exposições do Grande ABC. Já tem pronto um sedutor projeto do que o secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo, Fernando Longo, chama de centro de convenções de Primeiro Mundo. São 15 mil metros quadrados de pavilhões diversos, agregados a 11 mil metros quadrados de espaço para convenções, outros três mil metros quadrados para restaurante e mais sete mil metros quadrados para área de apoio e serviços, com escritórios e estacionamento.

Ao lado, um hotel três ou quatro estrelas, na medida certa para, em vez de luxo, oferecer atendimento confortável para o público que se desloca a negócios. “Projetamos fazer o mesmo movimento de São Paulo, onde 70% do turismo é de negócios” — aposta Fernando Longo, ao confessar que se trata de empreendimento ambicioso, inclusive para concorrer e superar o Parque Anhembi, a seu ver ultrapassado.

Por estar negociando a viabilidade da obra com o consórcio de investidores particulares que fez o projeto a partir de indicações da Prefeitura, o secretário faz segredo do local. Atiça a curiosidade dizendo que estará à beira de uma grande rodovia.

Local definido

É certo que, nessa magnitude, a área mais cotada é a antiga fábrica das Embalagens Matarazzo, premiada pelo tamanho e pela localização à margem da Via Anchieta, nas imediações da Scania. O estudo sobre custos deve estar pronto este mês para ser apresentado aos investidores. Se aprovado, Fernando Longo estima ter o centro de convenções funcionando em 24 meses.

Até lá, a ex-Agesbec (Armazéns Gerais de São Bernardo), na região central, vai substituir a Vera Cruz como palco de exposições e feiras no Município. Dois dos quatro pavilhões foram adaptados para receber eventos e servirão, mesmo no futuro, para certames de menor porte, diz o secretário. São cerca de 14 mil metros quadrados, menos da metade dos 35 mil a 40 mil metros quadrados do megacentro em projeto.

Mesmo representando o Município da região mais dotado para pôr em relevo o turismo de negócios, até por ser o único a dispor de um circuito com hotéis de categoria, flats e restaurantes vip, São Bernardo não excluiu de seu plano diretor de turismo o lazer e o entretenimento. A natureza foi generosa com a cidade, diz Longo, ao mencionar símbolos como Riacho Grande e Represa Billings.

E a história incumbiu-se de dar uma mãozinha nos casos do polo moveleiro que fez fama nacional durante anos, do berço da indústria automobilística e da curta, mas ruidosa trajetória da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. “Projetos para trabalhar há. O difícil é sair da inércia” — admite o secretário.

Cidade da Criança

De concreto está decidido que a ex-célebre Cidade da Criança passará à exploração da iniciativa privada por contrato de concessão, cujo edital está pronto. Fará parte do complexo de diversão e cultura integrado à Vera Cruz e ao ginásio poliesportivo em finalização na Avenida Kennedy, considerado um dos maiores da América Latina, com acomodações para 7,2 mil pessoas. Os antigos estúdios cinematográficos estão sendo reformados em dobradinha com o governo do Estado para voltar a produzir filmes e ser um polo de difusão cultural, com museu, escola de teatro e palco para encenações.

Mais cheias de curvas estão as intervenções em torno de outros três cartões postais de São Bernardo. O fechamento da Rua Jurubatuba para transformá-la em shopping a céu aberto do centro moveleiro por ora está descartado pelas limitações de acesso ao centro, reduzido a três corredores. A Rota do Frango com Polenta, a mais vistosa para desenvolver o turismo gastronômico, emperra em negociações lentas, e a exploração da Billings de forma mais vigorosa tropeça no emaranhado da legislação de proteção aos mananciais. “Os problemas de acesso ao Riacho Grande temos esperança de melhorar a partir da privatização do sistema Anchieta-Imigrantes” — anima-se Fernando Longo.

O grupo de trabalho de turismo da Câmara Regional transformou a Represa Billings num capítulo à parte devido justamente às restrições legais para edificações na orla e exigências quanto à preservação da vegetação nativa em áreas mais afastadas.

Emprego e renda

Ainda não se calculou o que a atividade turística pode acrescentar de emprego e renda ao Grande ABC, já que só recentemente as Prefeituras passaram a contratar pesquisas para conhecer social e economicamente a região. O documento que nasceu do workshop de dezembro e que estará sendo fechado e apresentado este mês faz leitura preliminar das potencialidades de cada Município. Falta definir como o lazer e o entretenimento vêm de encontro às estruturas pré-existentes e às novas.

Não é por pouca coisa, no entanto, que o turismo é incensado por grandes economias como poderosa máquina de arrecadação e alternativa na encruzilhada dos empregos industriais em extinção e da limitada capacidade do comércio de gerar riquezas.

Para se ter ideia do apetite por lazer, calcula-se que o turismo movimente no mundo a milionária soma de US$ 3,4 trilhões e gere mais de 200 milhões de empregos. Uma em cada 10 pessoas trabalha em alguma atividade ligada ao turismo. Só recentemente o Brasil despertou para o filão, até por conta do poder de compra que o real conferiu aos menos aquinhoados.

Segundo as companhias de aviação, na virada do ano, entre 15 de dezembro e 15 de janeiro, todos os voos partiram lotados com destino para dentro e fora do País. Nova York, pela primeira vez, bateu as mecas do consumo Orlando e Miami na rota dos brasileiros. As agências de viagem confirmam: 1,3 milhão de brasileiros embarcaram em rotas domésticas e internacionais neste verão, um recorde 30% acima do verão 1996/97.

Mina de ouro

Dados da Embratur indicam que cinco milhões de brasileiros viajaram para o Exterior em 1998, contra 4,8 milhões no ano anterior. Internamente, 38,5 milhões de brasileiros já se deslocam do Oiapoque ao Chuí para conhecer o berço esplêndido onde deita o gigante, segundo estudo realizado nos anos de 1996 e 1997 pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da USP (Universidade de São Paulo). Isso representa 24% da população, ou o dobro dos 12% de turistas domésticos de 1980.

Nessas viagens, cada brasileiro gasta em média R$ 408 por ano, o que teria movimentado R$ 13,1 bilhões no País. Já os estrangeiros que chegam ao Brasil somaram 5,530 milhões no ano passado, contra 2,9 milhões em 1997, o que fez crescer o bolo da receita de US$ 2,7 bilhões para US$ 4,2 bilhões. Dois terços, ou exatos 66%, são hermanos latinos, isto é, gente atraída por vantagens como proximidade geográfica e identificação cultural.

Mesmo assim, como o Grande ABC, o Brasil ainda não vislumbrou o maná do território de 8,5 mil quilômetros quadrados. Aparece em 39º lugar como destino turístico internacional e em 25º no quesito receitas, segundo dados ainda não fechados da OMT (Organização Mundial de Turismo). A título de comparação, a paradisíaca Bariloche, na Argentina, recebeu 15 milhões de visitantes em 1998 e já anunciou investimentos de US$ 50 milhões até 2001 para atrair sobretudo turistas do Mercosul.

Para não perder de goleada, a Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) anuncia que há em construção ou em projeto investimentos de R$ 5,2 bilhões em cerca de 550 hotéis de três, quatro e cinco estrelas. Há hoje estimados 18,2 mil hotéis e similares no País, com oferta de 562 mil lugares. Os novos investimentos focam sobretudo hospedagem três estrelas para alojar o turismo de negócios, que ocupa 70% da rede hoteleira de São Paulo e Brasília.

O Sehal (Sindicato das Empresas de Hospedagem e Alimentação do Grande ABC) vai tirando gradualmente o entretenimento da esfera das discussões para transformá-lo em agenda de promoções do setor. Acaba de trazer da Bahia o consultor José Virgílio, especialista em Carnaval e manager do famoso grupo Olodum. O objetivo é profissionalizar os eventos que a entidade realiza. “A Bahia investe US$ 55 milhões em ações culturais somente em Salvador. Não é por acaso que desbancou o Carnaval carioca” — anima-se o presidente da entidade, Wilson Bianchi. O Sehal cortou em dezembro último a fita de largada de uma festa de cunho carnavalesco na região, o CarnABC, que reuniu cerca de cinco mil foliões na área central de Santo André animados por trios-elétricos e o Olodum. A proposta é levar a micareta cada ano a um Município.

Eventos programados

Convencido de que o caminho está nos eventos, Wilson Bianchi já tem quatro deles na bala da agulha: a Feira Teen, com artigos para adolescentes até 15 anos; a Feira da Hotelaria, já na terceira edição, reunindo desde fabricantes de lençol para hotéis até equipamentos de segurança para choperias; a Festa de São João, nos moldes de Caruaru (PE), com palco, bandas e barracas de comida típica; e o acontecimento mais ambicioso, o Festival de Inverno de Paranapiacaba, provavelmente em dois finais de semana de julho.

Ao contrário de Campos do Jordão, o festival teria perfil mais popular, com atrações como Ermeto Paschoal, Almir Sater, Armandinho e trios elétricos, além de passeios da Maria Fumaça, de Ribeirão Pires até a vila inglesa. “Já identificamos casas que podem tornar-se pousadas para turistas e estabelecimentos adaptáveis a restaurantes” — afirma Bianchi, cruzando os dedos para as Prefeituras encamparem o patrocínio. Senão, já articulou contatos com empresas para custear outras atrações. “Cada R$ 1 investido em eventos gera R$ 8 de retorno para todos os participantes” — coloca Bianchi na ponta do lápis.

Dentro da campanha Descubra o ABC, nascida no Sehal e emprestada como mote para o grupo de turismo da Câmara Regional, estabelecimentos comerciais passaram a ser credenciados desde o mês passado para integrar espécie de circuito de descontos. Carteirinhas serão distribuídas aos consumidores para que usufruam de preços menores em lojas, restaurantes e eventos.

Segundo o presidente do Sindicato dos Hotéis e Restaurantes, nesta primeira etapa devem ser espalhadas 50 mil carteirinhas. Dados da entidade indicam que o Grande ABC, com cerca de dois mil endereços, ocupa o segundo lugar no Estado em concentração de serviços ligados ao entretenimento, como discotecas, danceterias, cinemas, agências de turismo, bancos, locadoras de veículos, hotéis e flats, restaurantes, choperias, churrascarias, ginásios e clubes, além de parques de diversão permanentes. “Temos um polo gastronômico desconhecido. Precisamos temperar nossas boates e restaurantes trazendo grupos como Terra Samba, por exemplo” — propõe Bianchi.

Cooperativa cultural

O professor e grande estudioso de temas culturais Alexandre Takara tem a fórmula para atrair estrelas de primeira grandeza à região e deter a evasão atrás de grandes shows e espetáculos na Capital: uma cooperativa cultural envolvendo Prefeituras e patrocinadores privados. Ele acredita que o custo das contratações seria reduzido se feito na forma de pacote de apresentações consecutivas nas sete cidades do Grande ABC.

“Podemos estabelecer um circuito por onde os bens culturais passariam em espaços previamente programados em cada Município. Valeria tanto para gente famosa de fora como de dentro do Grande ABC” — diz Takara. Ele quer emprestar para essa agenda integrada o que chama de corpos estáveis custeados pelas Prefeituras, como a Companhia de Dança e as Mulheres de Eldorado de Diadema, a Orquestra Sinfônica de Santo André e a Filarmônica de São Caetano. “Cada cidade fazia sua própria programação. Agora vamos pensar a cultura regionalmente” — aposta.

As Prefeituras aprovaram em dezembro o projeto que o professor Takara nomeou de Circuito Cultural e cujo batismo será marcado pela Mostra de Teatro do Grande ABC, dividida em três momentos. Em abril próximo cada Município incentivará apresentações e selecionará até três grupos teatrais locais para, em maio, fazerem um tour pelas sete cidades. Em agosto, o melhor grupo de cada Município fará parte do Mapa Cultural Paulista, uma parceria já estabelecida com a Secretaria de Estado da Cultura.

Sítios históricos

Alexandre Takara coordena o grupo cultural do Consórcio Intermunicipal de Prefeitos e já se prontificou a trocar projetos com o grupo de turismo da Câmara Regional, já que, na sua interpretação, são áreas siamesas. Dentro de sua agenda cultural o professor também destaca o roteiro de visitas aos sítios históricos e paisagísticos do Grande ABC, cujo inventário inclui desde patrimônios naturais representados pela Serra do Mar e a nascente do Rio Tamanduateí até acervos como Calçada do Lorena, Capela Nossa Senhora do Pilar, o museu e o bonde da Eletropaulo que desce até Cubatão, além do próprio marco da industrialização de São Paulo, a vila inglesa de Paranapiacaba.

“Quanta história temos aí que muitos desconhecem” — lamenta. Além de jovens, o professor Takara acha que um grupo ansioso de lazer para quebrar a rotina é o da terceira idade. “São aposentados com bom poder aquisitivo e sem atividade para desfrutar” — afirma.

O entrelaçamento de cultura e turismo é ponto enfatizado pelo consultor Luis Pina, do Sesc (Serviço Social do Comércio) de São Paulo, uma das entidades campeãs no País em programação cultural e artística. Segundo ele, o turismo não se esgota em belas paisagens, pois as exigências do mundo moderno levam o homem a viajar em busca de conhecimentos artísticos, religiosos, valores e costumes locais. Criar atrações em torno disso é passo fundamental ao planejamento da indústria turística, aconselha.

É o que também pensa Guilherme Paulus, um dos papas do turismo nacional baseado em Santo André no comando da CVC, a maior operadora de pacotes de viagens do País. Do alto de quem em 26 anos de atividades deslocou 3,5 milhões de pessoas para dentro e fora do Brasil, Guilherme Paulus não tem dúvidas em vincular as peculiaridades culturais e históricas do Grande ABC a qualquer atração de lazer e entretenimento.

Nos dedos da mão

Só com os dedos de uma das mãos enumera cenários com grande potencial de seduzir turistas o ano inteiro: um Museu do Carro que dissecasse a própria história da industrialização do País a partir das fábricas de veículos, autopeças e de pneus aqui instaladas; a Rua 24 Horas de Móveis, para resgatar a tradição de grande parque produtor de móveis do Brasil; o Corredor da Boa Gastronomia, com incentivo a novos restaurantes classe A na Rota do Frango com Polenta; o Polo Náutico, mediante aproveitamento da Represa Billings para esportes de competição e passeios de barco; além da memorável Vera Cruz com seu título de Hollywood brasileira. “Basta querer fazer. Gente para ver, tem” — provoca Paulus, que montou um megacomplexo turístico em Porto Seguro, na Bahia, e é dono do Hotel Serrano, nada menos que o point do badalado Festival de Cinema de Gramado, na charmosa serra gaúcha.

Gramado, aliás, é exemplo de fazer acontecer. Com 80% da arrecadação dependente do turismo, a cidade recolheu a âncora solitária do festival de inverno e criou atrações para todo o ano. A Páscoa pegou carona na principal iguaria local, o chocolate caseiro, e fez emergir as feiras Chocofest e Chocoart, enquanto o Natal Luz, evento que dura 40 dias, se incumbiu de transformar dezembro no melhor mês do ano. Atrai cerca de 500 mil turistas nessa época. Só a Prefeitura canaliza R$ 3 milhões por ano para divulgar a cidade, que está ganhando quatro centros de feiras, eventos e exposições e saltou de 57 hotéis há seis anos para 82 hoje.

Com o sempre apurado tino comercial, Guilherme Paulus não deixa por menos: investe em 100 novos apartamentos no Serrano, que tem hoje 124, e concluiu em março a construção no local de restaurante classe internacional com capacidade para 66 pessoas.

Talvez Gramado seja uma grande referência de aprendizado. Para não perder o foco, o grupo de turismo da Câmara do ABC criou e já passou lição de casa para quatro subgrupos mergulharem: planejamento e infraestrutura turística, educação e capacitação para o turismo, marketing e divulgação, roteiros e eventos.

Boa recepção

Receber bem. Este é o mandamento número um de qualquer localidade que pretenda ser uma filial do paraíso na Terra para divertir e fazer descansar a máquina humana. A recepção ao turista é o principal cartão postal da localidade e envolve desde a criação de uma competente central de informações da Prefeitura até o atendimento impecável no posto de saúde. “A boa impressão é conquistada quando a cidade consegue fazer o turista conjugar sem gaguejar seus cinco verbos preferidos: comprar, passear, comer, dormir e divertir-se bem” — ensina o consultor Alexandre Affonso, da regional Santos do Sebrae-SP, um dos participantes do 1º Workshop de Turismo do ABC realizado em dezembro em Ribeirão Pires.

O envolvimento da comunidade é passo decisivo na boa acolhida ao turista. A relação humana dessa indústria de gente atendendo gente supera até a importância dos equipamentos de ponta ou das paisagens deslumbrantes, acrescenta o secretário de Turismo, Lazer e Juventude de Brasília, Marcelo Dourado, outro convidado do evento. “Em Brasília trabalhamos a autoestima e o orgulho do morador para atingi-lo em torno da meta de desenvolver o turismo. Não se usa buzina no trânsito e os carros param na faixa de segurança para o pedestre passar” — exemplifica.

Do taxista ao dono da pousada, do gerente do restaurante cinco estrelas à florista que entrega buquês em domicílio, todos foram enlaçados pelo que Marcelo Dourado chama de indústria da alegria. Só em 1997, 13 mil pessoas foram capacitadas em turismo com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Além do turismo de negócios, vocação natural da Capital federal por atrair público que lida com o poder e que ocupa 70% dos hotéis, Brasília investiu no Projeto Orla. Trata-se de 11 polos de lazer e entretenimento instalados ao longo do Lago Paranoá, licitados e explorados pela iniciativa privada. A concessão de uso de equipamentos públicos é a terceira via recomendada por Dourado à privatização e à notória falta de verba das Prefeituras para investir em infraestrutura.

Participação popular

Fazer os moradores participar e usufruir da renda gerada pelo turismo também é a recomendação de Magda Ventura, do Sebrae-SP. Se mal planejadas, as programações de lazer e entretenimento acabam concentrando a receita em poucos beneficiários e trazem ônus à cidade, como degradação ecológica, trânsito, poluição sonora e da água, desabastecimento no comércio e infraestrutura insuficiente que pode gerar relacionamento precário entre hotel e hóspede ou entre restaurantes e clientes. Sem falar em transformações nas ocupações profissionais, que levam a rede de ensino a enfatizar a hotelaria, por exemplo, e esquecer-se do magistério e da atividade rural também importantes nas localidades. “Se a população só ficar com as desvantagens, vai boicotar o turista” — sublinha Magda. Ela cita Barretos como exemplo de comunidade descontente, porque foi excluída de participar da internacionalmente conhecida Festa do Peão Boiadeiro. Poder Público e empresas de fora cuidam do evento, durante o qual os moradores alugam suas casas e saem da cidade.

Descobrir o símbolo mais forte da localidade ou quais vocações podem ser potencializadas é outro mandamento básico. Sem as praias sedutoras do Litoral e os hotéis-fazendas encantadores incrustados nas montanhas do Interior, o Grande ABC tem possibilidade de disputar o turista da Capital e seu próprio morador com o patrimônio natural da Represa Billings, por exemplo.

“Enquanto pensa em ações para trazer o turista propriamente dito, aquele que pernoita na cidade, a região pode investir a curto prazo no excursionista, que se desloca por um dia. A Billings está aí pedindo para ser explorada com marinas para esporte náutico, decks com restaurantes flutuantes e quiosques para churrascos e pescarias” — sugere Alexandre Affonso, do Sebrae de Santos, cidade onde 49% dos turistas vêm da Grande São Paulo e cujo gasto médio per capita é de R$ 30/dia. A Mata Atlântica é outra isca apetitosa, na avaliação de Affonso, para desenvolver o turismo de aventura e o ecoturismo, ideais para fazer pipocar grupos de excursões e provas de rali.

Turismo de negócios

Já a consultora Dóris Ruschmann, da R. Associados, acredita que o que vai empurrar a região para a frente é o turismo de negócios, devido ao polo produtor e de serviços concentrado na Grande São Paulo. A região tem como principal vantagem, a seu ver, a proximidade com a Capital, maior promotora de eventos empresariais do País e com infraestrutura insuficiente para dar conta da demanda. “O ABC pode explorar o mercado de cursos, treinamentos, confraternização e encontros técnico-científicos cada vez mais realizados nestes tempos de busca de novos conhecimentos” — encoraja ela, que também é especialista em marketing. O primeiro passo para o que chama de mercadizar o turismo de negócios é pesquisar como se comporta esse segmento e qual o público frequentador. Depois disso, analisar o que faz a concorrência para buscar diferenciais de atratividade. Como se trata de eventos específicos, é mais fácil focar o marketing em grupos interessados, diz Dóris Ruschmann. Agências de viagens devem ser as primeiras a ter informações sobre a região, aconselha.

Também o consultor Eduardo Sanovicz, diretor da São Paulo Convention & Visitors, sugere apostar no efervescente setor de eventos. Fala com conhecimento de causa: apenas para a cidade de São Paulo seu bureau rastreou 420 congressos, convenções e feiras nacionais e internacionais que se realizarão entre este e o próximo ano. São Paulo é a principal porta de entrada de turistas estrangeiros no País. Segundo a regional paulista da Abih (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), a Capital recebeu um milhão dos 2,7 milhões de visitantes de fora que desembarcaram no Estado em 1998, gente que na maioria veio a negócios e ocupou 70% da rede hoteleira. No Brasil foram realizados no ano passado cerca de 560 feiras de negócios, reunindo 55 mil expositores e sete milhões de visitantes, contabiliza a Abeoc (Associação Brasileira das Empresas Organizadoras de Eventos). O movimento comercial chegou a R$ 78 bilhões. Por ser o centro da economia na América Latina, em especial do Mercosul, o Brasil é considerado um dos três mais importantes destinos para realização de feiras de negócios nas Américas, atrás apenas de Estados Unidos e Canadá, apurou a entidade.

Além de R$ 127 gastos por dia com hospedagem, o turista que chega a São Paulo deixa outros R$ 135 com compras, transporte, comida e lazer. “O participante de um evento conhece a cidade a trabalho, mas pode voltar a lazer com a família. É importante pensar também a parte turística dos negócios” — diz o consultor Eduardo Sanovicz, que acrescenta: “O Parque Estadual da Serra do Mar é algo inimaginável na Europa. Eles não têm nada semelhante” — sublinha, como sugestão para inserir o Grande ABC no circuito Guarujá-Campos do Jordão que geralmente os executivos percorrem antes de pegar o avião de volta.

Treinamento da população

Treinamento da comunidade é outra importante viga de sustentação da atividade turística. Do morador abordado para informar sobre o hotel mais próximo às polícias Civil e Militar que fazem ronda nas ruas, todos devem ser treinados como agentes de turismo, como disseminadores de informações sobre a região, afirma Margarida Lameirinhas, técnica do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). “Curitiba montou verdadeiras brigadas entre a população para transformar a qualidade de vida da cidade em um produto turístico” — cita. As profissões diretamente ligadas ao setor envolvem tecnólogos em hotelaria, economistas, lojistas, vendedores, floristas, garçons, policiamento metropolitano e, obviamente, os guias turísticos dentro e fora das agências de viagem.

No Vale do Ribeira, que, como o Grande ABC, possui 60% do território protegido por parques e estações ecológicas, a categoria de monitor ambiental é a que mais está em alta. “É fundamental no ecoturismo que membros da comunidade sejam capacitados como monitores. Eles conhecem a própria cultura e geografia como ninguém, além de ser importante fator de fixação da população local” — expõe Maurício Marinho, da Prefeitura de Santo André, que estudou aquela região. Além de treinados sobre como receber o turista e atendimentos de primeiros-socorros, os monitores são pagos pelas próprias pousadas do local ou por grupos de visitantes. “No Grande ABC poderíamos explorar a região de mananciais estimulando proprietários para que transformem suas áreas particulares em atrações turísticas. Poderiam ser compensados com isenção de impostos” — propõe.



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