Imprensa

30ANOS: debandada da Ford é
descartada em editorial de 1999

DANIEL LIMA - 19/06/2020

Na edição de fevereiro de 1999 escrevi o Editorial da revista LivreMercado que tratou de demissões em massa na Ford em São Bernardo. Projetava este jornalista mais complicações no futuro por conta de uma septicemia econômica que torna a região presa fácil à deserção. Falo do Custo ABC.

A projeção não incluía a possibilidade de fechamento da fábrica da multinacional norte-americana. Mais que isso: colocava subliminarmente essa possibilidade no campo do impraticável. Como se vê, não éramos tão pessimistas assim. Diferentemente, portanto, do que diziam os triunfalistas de sempre.

No ano passado, 2019, a Ford se escafedeu de São Bernardo. A imensidão de galpões e terreno vai virar, segundo consta, um centro logístico de salários muito aquém do setor automotivo.

O setor automotivo da região, peça-chave do equilíbrio socioeconômico, nossa Doença Holandesa, sempre foi prioridade editorial de LivreMercado --- e continuou a ser com CapitalSocial.

Esta é a septuagésima-primeira matéria da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País. 

Origem de tudo

é o Custo ABC 

 DA REDAÇÃO - 05/02/1999

Seja qual for o resultado da medição de forças em que se desdobrou a demissão de 2,8 mil trabalhadores da Ford, o melhor que se tem a dizer sobre o assunto é que a conjuntura econômica está apenas acelerando o ritmo de cortes que a globalização exige de quem pretende ser competitivo. A Ford escorregou no tomate ao não negociar um programa gradual de demissões que outras montadoras instaladas na região há muito praticam, mas a decisão significa que, em vez de catastrófica projeção de fechamento da fábrica de São Bernardo, fortalece a política de viabilizar a unidade que produz o Ka, o Fiesta e a picape Courier, isto é, todos os modelos nacionais colocados à disposição do mercado. 

Não há consultor empresarial que consiga encontrar no gesto da Ford uma brecha sequer de lucidez. A demissão de 41% dos quadros assim de chofre foi um golpe forte à imagem da companhia que a reação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC aprofundou. Pior que isso só o estrago na imagem externa do Grande ABC, cada vez mais relacionada com intolerância entre capital e trabalho.

É até pouco dizer que os trabalhadores demitidos foram tratados como simples números. A atenuante é que a Ford encerrou 1998 com balanço de 98 horas de crédito para cada funcionário. Foram cerca de 70 dias úteis de licença remunerada, antecipação de férias coletivas e utilização em larga escala do banco de horas, mecanismo pelo qual o trabalhador recebe salário integral mesmo descansando em casa. Com tudo isso, não há produtividade que aguente.

No início de fevereiro, a expectativa de recuo da Ford se limitava ao otimismo de sindicalistas. A situação que já estava complicada quando a Ford optou pelas demissões, às vésperas do Natal, tornou-se quase desesperadora com a desvalorização do real e o aumento das taxas de juros.

A raiz das dificuldades da Ford e também de outras montadoras da região, em menor ou maior grau, chama-se Custo ABC. A concorrência que se está instalando no País tem mais tecnologia, menores salários e vantagens tributárias que se traduzem em competitividade.

A planta automotiva da região, e aí se incluem as autopeças que sobraram da desregrada abertura econômica, não consegue oferecer a eficiência da concorrência dos novos polos que se instalam no País.

Por isso, reduzir impostos estaduais e federais é apenas paliativo, porque contemplaria a todas as fábricas e por isso mesmo preservaria os desníveis de custos. Como a produção de veículos no País deverá ser ainda inferior à do ano passado -- 1,5 milhão -- e as novas fábricas começam a oferecer novas opções nacionais aos usuários, só mesmo Papai Noel é capaz de acreditar que a solução para o Grande ABC está em medidas tópicas.

Ou se desmonta o Custo ABC, cujo peso em tempos de mercado nacional quase exclusivo significava repasse aos consumidores finais, ou muitos dos trabalhadores da região engrossarão ainda mais a legião de excluídos. 



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