Um resgate aqui, outro ali, e assim vamos recuperando a memória de textos imperdíveis da revista de papel LivreMercado, que circulou no Grande ABC durante duas décadas, as duas décadas de grandes transformações econômicas e sociais. O prato de hoje são declarações do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. Ele disse num encontro com estudantes que a gestão pública era mais complicada que a gestão privada. Há controvérsias.
Esta é a octogésima-segunda edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma junção de LivreMercado e de CapitalSocial, revista digital que circula na região desde 2001. O texto é de LivreMercado de junho de 1999 (portanto, há mais de 20 anos). Falta a assinatura do autor. Faltou na revista e a memória não consegue desvendar o mistério. Mas isso pouco importa porque LivreMercado era uma sintonia perfeita de estilo e análise.
Onde realmente o
calo aperta mais?
DA REDAÇÃO - 05/06/1999
O prefeito Celso Daniel, de Santo André, não tem dúvidas: é mais difícil ser administrador público respeitado do que empreendedor vitorioso na livre-iniciativa. Convidado por grupo de jovens empresários da região a traçar paralelos entre empreendedorismo público e particular, em encontro realizado no Colégio Pentágono, em Santo André, Celso Daniel falou durante pouco mais de uma hora. Fez comparativos entre as duas atividades com o conhecimento prático de chefe de Executivo Municipal e teórico de professor de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas). Falta ao prefeito apenas a experiência concreta de dirigir uma empresa.
A exposição de um executivo governamental à opinião pública é, segundo Celso Daniel, muito mais complexa do que a de um empreendedor privado ao mercado.
Ele citou o caso da dificuldade política de atualizar os valores do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Lembrou a tentativa de corrigir os valores durante sua primeira gestão entre 1989 e 1992, e a estridência popular que o levou a recuar.
Já em relação ao movimento contrário ao aumento da tarifa de consumo de água, recentemente introduzido pelo Semasa (Serviço Municipal de Saneamento e Meio Ambiente), autarquia da Prefeitura, Celso Daniel disse que a repercussão foi mínima, incapaz de manchar o prestígio da administração de Santo André. "A diferença é que há um forte apelo em tudo que atinge a propriedade privada, enquanto a situação é diferente quando envolve consumo, por causa da cultura patrimonialista do País" -- supõe.
Também o setor público, segundo Celso Daniel, tem maior grau de complexidade para efetivar demissões em relação à livre-iniciativa. O prefeito de Santo André disse que sofreu desgaste com os cortes anunciados no ano passado, bem como a redução de salários e jornadas de trabalho, ao contrário do que imaginava.
De linha social-democrata, Celso Daniel indiretamente contestou a posição de liberais brasileiros que criticam a legislação trabalhista herdada de Getúlio Vargas. Disse que o Brasil reúne um dos mercados de trabalho mais desregulamentados do mundo. A base de comparação é a Europa do Bem-Estar Social, onde prevalece regulamentação mais rígida, contrariamente ao que se verifica nos Estados Unidos e na Inglaterra, cujas taxas de desemprego são bem inferiores, por exemplo, às de França, Itália e Alemanha.
Celso Daniel confessou que o processo de demissões em Santo André provocou a saída de funcionários não-estáveis mais qualificados que estáveis mantidos nos quadros.
Compras complicadas
Outra dificuldade adicional do administrador público citada pelo prefeito está nos processos de compras. Enquanto o empreendedor privado tem liberdade ampla de ações, o Poder Público dobra-se às inflexíveis regras de licitações. Celso Daniel criticou o que chama de indústria de liminares, que compromete os cronogramas de obras. Citou alguns casos registrados em Santo André nos últimos tempos e fez duras críticas à cultura burocrática que prevalece nas relações com outras instâncias públicas da esfera estadual e federal.
Também o mix de produtos e serviços de empresas privadas é uma vantagem sobre a administração pública -- garantiu o prefeito. Ele disse que a tendência de reduzir o número de itens de produção e de serviços na livre-iniciativa contrapõe-se à multiplicidade de atividades de uma Prefeitura, cujas demandas sociais aumentaram excessivamente nos últimos anos, na mesma proporção das agruras orçamentárias do governo federal.
O prefeito de Santo André afirmou que encontra maiores dificuldades financeiras para dirigir o Município hoje do que no período anterior em que chefiou o Paço Municipal.
Sugeriu o alargamento da base tributária, prática que já vem adotando em Santo André com o aumento do volume de receitas municipais, sobretudo do ISS (Imposto Sobre Serviços). Considerou apenas um chute, sem lógica, a divulgação de que o peso de impostos no País alcança 32% do PIB (Produto Interno Bruto). Apesar de especialistas em finanças públicas divulgarem esse índice, Celso Daniel prefere ficar com outras fontes, que optam por 28% de peso tributário. Escolha típica de um dos discípulos do keynesianismo, doutrina que defende a intervenção do Estado na vida econômica de um país.
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