A edição da newsletter Capital Digital Online de 18 de abril de 2005 revelava uma novidade que introduzi em nove meses como diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Uma novidade histórica, por assim dizer: integrantes do Conselho Consultivo, instância que criei com a participação de 101 representantes de diferentes setores e segmentos do Grande ABC, participaram de reuniões de pauta com a equipe de jornalistas do Diário do Grande ABC.
Naquela edição, uma das últimas até que deixasse a direção do jornal, faço um apanhado de determinados conceitos compartilhados com a equipe de redação.
O Diário do Grande ABC vivia um momento especialíssimo que, no dia seguinte se configuraria extraordinário e inédito, quando da realização de um workshop envolvendo o Conselho Editorial. E da gravação em áudio de relatos contundentes sobre o passado, o momento e a projeção do futuro do jornal.
Durei mais dois dias no cargo. Visto em retrospectiva, dei-me conta, ao ouvir nos últimos dias as três horas e meia de depoimentos dos profissionais de redação, ter vivido naqueles nove meses muito mais emoções e realizações do que supunha no calor da disputa.
Edição 57 – segunda-feira, 18 de abril de 2005
Pergunta: Quem passou a frequentar diariamente as reuniões de pauta, além dos quadros de comando da Redação?
O compartilhamento da definição da hierarquia das matérias que constarão da edição do dia seguinte do Diário do Grande ABC é a maior revolução introduzida no produto. Um grupo de 14 profissionais, líderes de suas respectivas editorias, envolve-se diretamente na formulação da edição seguinte, depois de analisados vários aspectos do produto que circulou no dia anterior.
O diretor de Redação abre a palavra a todos os participantes com o objetivo específico de, numa primeira rodada de debates, reunir as avaliações sobre a edição que circulou naquele dia. Depois, segue a exposição individual para debates do que há de mais expressivo para a edição do dia seguinte.
Participam dessas reuniões diárias, de segunda a sexta-feira, todos os profissionais relacionados à Redação, de todas as editorias, do setor de fotografia e de artes gráficas. Implementou-se, com isso, a filosofia de despartamentização da Redação, algo que pode ser entendido como a relevância de que todos, absolutamente todos, enxerguem o produto como responsabilidade coletiva e de que prováveis sugestões vão se refletir num jornal melhor, eliminando-se, portanto, o desequilíbrio.
Não adianta uma edição brilhante no esporte se na política regional a improvisação der o tom. De nada vale uma boa cobertura da economia regional se na área de Setecidades, que trata do noticiário local em vários campos de atividades, houver evidente acomodação.
A tendência de os editores depositarem olhos e mentes apenas sobre suas próprias crias é culturalmente arraigada no jornalismo diário. As reuniões de pauta emolduradas sob medidas multilaterais arremetem a edição para um patamar diferenciado.
Essa dinâmica que em média exige uma hora e meia diária de trocas de ideias e informações é recheada por dois novos vetores. Estamos relacionando e recebendo o Conselho Editorial integrado, como se sabe, por 101 representantes da comunidade do Grande ABC, e também repórteres de várias editorias. Sem contar, também, a presença de um representante do Departamento de Circulação, responsável pela adequação do temário de primeira página aos interesses de atendimento dos leitores que adquirem exemplares nas cerca de mil bancas espalhadas pela região.
Nesse caso, uma manchete principal sobre o impasse eleitoral em Mauá determinará atendimento suplementar de tiragem nas bancas daquele município, porque esse é um assunto que mobiliza parcela considerável da população. São muitos exemplos de equacionamento da edição seguinte aos princípios de suprimento específico de distribuição especial previamente selecionada.
A participação de conselheiros editoriais é uma inovação que aplicamos nas reuniões de pauta porque julgamos indispensável que os leitores, representados por esse grupo de especialistas nas mais diversas atividades, sentem curiosidade em acompanhar o processo de definição da edição que circulará no dia seguinte.
Como é impraticável que estejam durante um dia inteiro na Redação, de forma a capturar todos os detalhes de operações multitemáticas lideradas por editores-editores, editores-secretários, secretários-editores e secretários-secretários, optamos pela sintetização dessa jornada ao integrá-los ao Conselho de Redação durante em média 90 minutos de reunião de pauta.
Os resultados têm sido extraordinários porque os conselheiros têm-nos oferecido avaliações críticas que consubstanciam o acerto do Planejamento Estratégico Editorial voltado à regionalidade dentro da metropolização e, também, propostas e ideias que passam a constar de nosso portfólio de análises.
A presença de conselheiros editoriais não retira a espontaneidade de cada reunião de pauta. Sentimos que eles são partes integrantes do cotidiano de produzir jornal. Instigamo-los, em realidade, a debaterem os pontos em pauta. Aos poucos, descobrimos que todos encontramos de fato novas fontes de informações. Eles vivem intensamente suas respectivas áreas.
Também adotamos o chamamento à reunião de pauta de repórteres envolvidos em matérias de ressonância. Há situações em que somente o próprio autor tem as explicações de que precisamos para avaliar o grau de importância editorial da pauta em questão. Geralmente nessas ocasiões há defasagem entre os dados relatados pelo responsável pela área e o desenrolar dos acontecimentos. E é justamente a possibilidade de novas informações darem cores adicionais à disputa pela manchete principal da edição do dia seguinte que nos levou a solicitar periodicamente a presença do próprio repórter na linha de frente da definição editorial.
O que se desenvolve a partir da decisão de requisitar a presença do repórter na reunião do Conselho de Redação é um intenso bombardeio de finalidade explicitamente clara: conhecer a fundo a matéria-prima de informações que poderão assegurar a manchete principal da edição ou, em caso de afrouxamento dos dados, remeter o temário a rebaixamento editorial, minimizando o posicionamento gráfico.
Não foram poucos os casos em que esse procedimento se efetivou. Os temários mais importantes do jornal nos últimos meses, como a doença do prefeito Tortorello, as idas e vindas da Febem, o Consórcio de Prefeitos, a Universidade Federal do Grande ABC, foram questionados diretamente aos próprios repórteres.
Há uma certeza com a adoção desse sistema que chamaria de peritagem informativa: o Conselho de Redação deixa a reunião de pauta absolutamente em ordem unida, certo de que todos os possíveis buracos foram providencialmente fechados para evitar surpresa desagradável quando cada exemplar chegar às bancas e aos assinantes.
Não nos permitimos, de forma alguma, carregar para a primeira página, como manchete principal ou secundária, notícias que possam estar tecnicamente gelatinosas, com margem de risco que coloque sob suspeição a qualidade da informação.
O mais interessante nesse mergulho diário por todas as editorias é que o espírito colaborativo do Conselho de Redação se manifesta sem excessos de personalismos. Aliás, diria que não há, normalmente, egocentrismos além da conta. Seria exagero, entretanto, carregar na dose de que jornalistas não exibam porção natural e mais que indispensável de autoestima intelectual.
A vantagem do coletivismo do Conselho de Redação é que eventuais exageros acabam neutralizados pelo conjunto. O suprassumo dessa verdade é a definição da manchete principal de primeira página. A sensibilidade geral prevalece não porque seja subjetiva e, portanto, vulnerável. Muito pelo contrário: o martelamento sobre os pressupostos do Planejamento Estratégico Editorial induz todos a seguir a rota da regionalidade no sentido mais cosmopolita possível do termo.
Costumo repetir aos membros do Conselho de Redação algumas definições sobre os pilares da manchete principal de primeira página. Divido a interpretação em três vetores.
O primeiro é a manchete institucional, cuja impetuosidade está muito mais centrada na necessidade de fincar estacas de regionalidade, como são os temários relativos ao Consórcio de Prefeitos, à Febem, à UFABC, entre outros.
O segundo é a manchete factual, estruturalmente voltada para o que é o mais impactante do dia, como um dia de cão sob águas de enchentes, a morte de Tortorello, a morte de Serginho, os novos números de desemprego ou de produção industrial, entre outros.
O terceiro tipo de manchete é atemporal, que envolve questões históricas, estatísticas, comportamentais.
É claro que não há edição que resista ao factual, porque não se despreza algo que estará envelhecido no dia seguinte.
O institucional tem um peso eletrizante porque é reconhecidamente uma alavanca para a mobilização de autoridades públicas e privadas no encaminhamento de soluções em favor da comunidade.
A manchete atemporal preferencialmente é preparada com antecedência e se torna reserva de luxo acionada quando as outras duas modalidades não têm consistência.
Entretanto, quando se corre o risco de a manchete de gaveta, como poderíamos resumir o espectro desse modelo, vir a ter o prazo de validade vencido, aciona-se o alarme e o material desloca-se da posição de manchete principal para sub-manchete. Essas matérias são geralmente preparadas para aproveitamento em finais de semana prolongados, mas têm impacto jornalístico forte.
Durante os nove primeiros meses de aplicação do Planejamento Estratégico Editorial no Diário do Grande ABC, somente em uma e única edição não foi possível -- e muito menos tentado -- utilizar o espaço da manchete principal com informação prevalecentemente de interesse regional.
No caso, quem nos roubou a manchete regional de uma edição de domingo e nos fez dividir o assunto com todos os jornais do planeta, foi o Papa João Paulo II, morto numa tarde de sábado.
Como papa não morre todo o dia, como Jânio Quadros não ressuscitará e como o Corinthians vai demorar um ano para voltar a ser campeão do mundo, agora sob o domínio da MSI, temos a obrigação de garantir a cada reunião de pauta de final de tarde a manchete regional do dia seguinte.
Esse é um dos preços de regionalidade que nos arrancam mais fios de cabelo.
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