Imprensa

30ANOS: Força-tarefa editorial
revela tudo sobre São Caetano

DANIEL LIMA - 20/07/2020

Esta é uma das mais longas, prospectivas e tudo o mais entre as reportagens de capa da revista LivreMercado. Uma força-tarefa de jornalistas fez operação completa para mostrar aos leitores o que se passava na Capital da Qualidade de Vida do Grande ABC naquele fim de século passado, edição de julho de 1999.

O que o leitor vai ler é uma dupla oportunidade para dimensionar a preciosidade editorial de LivreMercado. Primeiro, as informações carregadas de interpretações indissociáveis de um jornalismo fora da curva de convencionalismo da mídia em geral. Segundo, o texto em si, rigorosamente equilibrado no sentido estilístico, por assim dizer.

LivreMercado era uma revista que aos olhos dos leitores parecia feita a mão e por um único profissional. Era uma grife editorial raríssima de encontrar. Como se alcançou tamanho entrosamento? Trabalho, muito trabalho. E um plano de voo conceitual seguido à risca.

Apoio ao empreendedorismo privado, olho vivo na administração pública sempre sujeita a tapas e beijos e um cerco permanente às instituições econômicas e sociais, eis um resumo simplificado de LivreMercado.

Esta é a nonagésima-segunda edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, junção dos 19 anos de LivreMercado e dos também atuais 19 anos de CapitalSocial.  

São Caetano: como se

manter no Primeiro Mundo?

 DANIEL LIMA, TUGA MARTINS, MALU MARCOCCIA, DONIZETE RADDI e ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/07/1999

Que São Caetano é a campeã regional de qualidade de vida não resta dúvida. Poucas cidades brasileiras, aliás, têm o que sobra em São Caetano. Nesta reportagem especial mostramos um pouco do passado, do presente e o que se planeja para o futuro de São Caetano. E é exatamente o futuro que preocupa e que motivou a interrogação. O que se coloca em questão não é a exuberância de São Caetano relativamente a depauperados núcleos de vizinhança com municípios da região e bairros periféricos da Capital que acabam por contaminar e comprometer seus indicadores de Primeiro Mundo, tangíveis nos altíssimos números de furtos e roubos de veículos. O que se coloca em discussão, já que até agora poucos se deram conta disso, é o que está lá na frente, no horizonte dos próximos 10 anos.

Certo mesmo — e isso não se pode negar — é que São Caetano precisa equilibrar o jogo entre a atual riqueza agregada de seu ativo social e as necessidades econômicas futuras de uma população de alto nível de consumo e culturalmente preparada para o jogo da globalização.

Sem uma economia forte, baseada em tecnologia de ponta, em negócios que multipliquem valores diante das novas matrizes produtivas tanto na indústria quanto no setor de serviços, São Caetano corre o risco de prosseguir como ótimo lugar para se viver, mas não oferecerá alternativas de rendimentos compatíveis com a expectativa de uma massa de padrão educacional mais refinado.

Poderá, como prevê uma empresária do setor imobiliário, virar um grande e concorridíssimo condomínio residencial. Uma espécie — vejam só — de cidade-dormitório de luxo, com todas as sequelas culturais que comprometeriam tanto os projetos intraterritoriais quanto a busca de unidade institucional do Grande ABC.

Afinal, como exigir cidadania de quem passa pouco tempo se relacionando com os vizinhos, de quem tem poucos amigos, de quem não frequenta atividades sociais, de quem se comporta como quase-turista noturno permanente, de quem não tem perspectiva de exercer de fato sua potencialidade de munícipe?

Será esta a São Caetano do futuro ou, numa reviravolta histórica que acabará por incendiar todo o Grande ABC, direcionará baterias para empresas sincronizadas com tendências que combinem escassez de espaços físicos com avançada tecnologia?

Um exemplo: a indústria de informática e telemática expande-se gigantescamente, mas jamais São Caetano, plantada no coração do maior mercado consumidor do País — a Grande São Paulo –, foi ao menos levemente tocada pelos megaempreendimentos da área.

Uma realidade captada

A constatação mais lúcida sobre a São Caetano de hoje, do ponto de vista econômico, é que suas lideranças já caíram na realidade de que a indústria de transformação há muito procurou endereços menos nobres e menos custosos. Falta agora compreender que pequenos empreendimentos, a maioria de subsistência, ou o chamariz tributário que atrai atividades de serviços de baixa remuneração salarial, não são capazes de sustentar-se sem que prevaleça a cultura de Município, e não de condomínio residencial.

É claro que as manobras que precisam ser feitas para evitar que São Caetano descarrile economicamente dependem em grande medida da administração municipal e também das lideranças econômicas e sociais. O prefeito Luiz Tortorello, que pela segunda vez comanda o Município, transmite a impressão de que debater o futuro não é temário que faça bem à sua bílis. Essa é a explicação mais razoável para o fato de posar para a fotografia de capa desta edição e, dias depois, ao receber pauta preliminar de entrevista previamente acertada com sua assessoria, decidir recuar.

Luiz Tortorello, como se sabe, mantém antiga animosidade com o Diário do Grande ABC. Sua assessoria deu como justificativa ao cancelamento da entrevista as velhas divergências entre as partes. Houve quem dissesse que a pauta da entrevista fora produzida pelo Diário. Tanto o prefeito como seus assessores ignoram a realidade que, diante desse caso, precisa ser exposta sem firulas. LivreMercado é uma revista com participação acionária da empresa Diário do Grande ABC, mas tem gestão editorial própria, sem influência do jornal. É, portanto, uma publicação de comando autônomo.

Até porque, não teria sentido econômico, financeiro e cultural a existência da publicação se fosse conduzida sob a mesma ótica. Diário e LivreMercado são geneticamente produtos diferentes, como todos os jornais quando comparados a revistas. LivreMercado é tão independente que só quando chega às mesas dos acionistas que comandam o Diário eles tomam conhecimento do conjunto de informações e análises de mais uma edição da revista.

Talvez, por falta de prática, o prefeito de São Caetano não consiga entender a gestão independente de uma empresa em que acionistas de um lado e executivos de outro se respeitam porque conhecem seus valores éticos e atribuições organizacionais.

Mas não é porque voltou atrás na entrevista que a imagem de Luiz Tortorello foi retirada da capa, até porque seria estupidez responder omissão com retaliação. Nada disso. Mesmo sem dizer nada, praticamente tudo que constava das perguntas que lhe foram remetidas via fax foi respondido. Uma das questões, por sinal, é o próprio gancho do título da capa. “Não lhe parece que falta para São Caetano um projeto que vise a torná-la um polo tecnológico de referência, com uso intensivo de massa cinzenta? Os galpões industriais não poderiam ser transformados em incubadoras de empresas de informática, por exemplo? Existem alternativas agregadoras de tecnologia que se compatibilizem com a escassez de espaços físicos?” — foram três das perguntas.

O que os leitores vão encontrar nesta Reportagem de Capa que se segue é uma prova de que, diferente do que imaginava o prefeito Luiz Tortorello, e sem que essa constatação implique em juízo de valor sobre as relações do chefe do Executivo de São Caetano com o Diário do Grande ABC, nossos repórteres-editores foram a campo para construir um painel provavelmente irrepreensível sobre o Município mais invejado do Grande ABC.

Um presente de jornalismo puro para a população de uma cidade que completa dia 28 mais um aniversário de emancipação político-administrativa com motivos de sobra para se orgulhar do que representa para a região e também para se preocupar com o ponto de interrogação.

Indicadores sociais de causar inveja

 TUGA MARTINS

Restrita a 15 quilômetros quadrados, São Caetano só não é uma cidade de Primeiro Mundo porque está ilhada em um País ainda em desenvolvimento, sujeita às influências político-econômicas e aos rescaldos das dívidas sociais que bem podem ser vistas amontoadas em cada uma das três divisas territoriais. Mas os indicadores do Município brasileiro com maior renda per capita, US$ 2,2 mil/mês segundo dados do Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior), não deixam de insuflar o orgulho dos 150 mil habitantes.

Com população 100% urbana, São Caetano apresenta alta densidade demográfica: 9,3 mil hab/km², a maioria empilhada em edifícios de alto padrão. São ao todo 42 mil domicílios distribuídos por 16 bairros, servidos na totalidade por água, luz, esgoto, coleta de lixo e limpeza pública. Na cidade estão instalados 52 mil telefones, cerca de uma linha para cada três habitantes. Somada aos atributos administrativos, a proximidade com São Paulo é vetor de atração de novos moradores, principalmente vindos da Capital.

A tendência é registrada nas vendas e locações da IAS — Imobiliária Administradora, uma das mais antigas da cidade. “São Caetano oferece facilitadores do cotidiano como acessibilidade nos dias de trabalho e sossego nos fins de semana” — explica a diretora da IAS, Neves Sukadolnik.

A executiva reserva para o Município a imagem futura de grande condomínio, aos moldes de Alphaville, em Barueri, na Grande São Paulo. Se é perceptível o exagero na comparação, pelo menos em área a tese é plausível. Alphaville é apenas 1,5 quilômetro quadrado maior que São Caetano, abriga 12 condomínios residenciais e 1.085 empresas.

O nivelamento com o que há de melhor para morar ou empreender negócio nas redondezas da metrópole conta com política agressiva de tributação praticada pelo prefeito Luiz Tortorello. À parte dos acordos firmados pelos demais municípios da região com a Câmara Regional do Grande ABC, a Administração de São Caetano tem fixado alíquotas menores de ISS (Imposto Sobre Serviços). As empresas que se renderam à baixa tributação arrastaram para a cidade população flutuante de alto gabarito. Não é difícil observar durante a semana empresários forasteiros circulando pelas ruas ou almoçando lado a lado com filhos da terra.

Ao mesmo tempo que São Caetano vê moldar essa fachada urbana mais cosmopolita, percebe o escrutínio de nova vocação para o marco zero da cidade. O Bairro Fundação, fadado à degradação devido ao deslocamento do Centro, termina o século assim como o começou: extremamente valorizado. Desta vez não pelo traço histórico, mas em razão do incremento dos bairros paulistanos lindeiros: Vilas Alpina, Califórnia, Zelina e Prudente.

A elevação do padrão de vida avistado de longe pela farta verticalização da vizinhança exigiu a concentração de oferta de serviços e bens de consumo do lado oposto do Rio Tamanduateí. Prova disso é a instalação estratégica dos hipermercados Sam’s Club e Carrefour, fora o megaprojeto destinado para a área da Matarazzo.

O mercado imobiliário não interfere apenas de fora para dentro no Município. São Caetano acolhe um dos metros quadrados mais caros da região. Para se ter ideia, um lote padrão na Avenida Goiás pode custar de R$ 700 a R$ 2 mil o metro quadrado de terreno. Em bairros residenciais o metro quadrado de terreno não edificado chega a ser comercializado por R$ 400. Os preços parecem nada se comparados aos R$ 15 mil em média cobrados pelo metro quadrado de terreno da Avenida Paulista, mas são muito elevados se em paralelo aos de Alphaville: R$ 170.

Mas os valores não espantam quem busca comodidade e sossego. Cada vez mais o vizinho paulistano procura por residências nos Bairros Santa Paula, Barcelona, Santo Antônio, Olímpico, Santa Maria e Jardim São Caetano. Todos acomodam famílias de classe socioeconômica média e alta.

Mesmo sem miséria escandalosa, São Caetano não passa ao largo de algumas feridas socioadministrativas. Nos Bairros Fundação e Prosperidade e nas Vilas Gerty e São José cortiços disfarçam o déficit habitacional para população de baixa renda. Pelo cadastro da Pastoral da Moradia, 400 cortiços abrigam cerca de três mil famílias. “Cada família encortiçada tem em média oito pessoas” — adianta a coordenadora da pastoral, Aparecida Fabrízio Carvalho.

A Administração Municipal admite o problema das sub-habitações e por meio de convênio com o governo do Estado iniciou a execução do projeto Domus Mea. Em discurso durante as comemorações dos 120 anos da cidade, em 1997, o prefeito Luiz Tortorello garantiu que até 2000 seriam construídas mil unidades de casas populares. É certo que as obras de 250 foram iniciadas, mas o sonho da casa própria de cinco mil pessoas está em ritmo bastante lento desde as últimas eleições.

No entanto, os populares conjuntos habitacionais projetados não serão responsáveis pela extinção dos cortiços. Na verdade, os velhos casarões que abrigam os cortiços estão sendo aos poucos comprados por empreendedores. Depois de demolidos dão lugar a edifícios de alto padrão. Assim, as populações de baixa renda, de maneira sutil, acabam sendo empurradas da cidade.

O perfil de Primeiro Mundo atribuído a São Caetano também é sublinhado nos índices de saúde pública. O coração é responsável por cerca de 25% das mortes registradas na cidade, mas o coeficiente de desnutrição é zero. A rede municipal de atendimento médico-hospitalar é mais que saudável. Dispõe de um hospital infantil, dois prontos-socorros, nove ambulatórios, dois centros da Terceira Idade, um centro de saúde, um centro de prevenção ao câncer, vigilância sanitária e um laboratório de análises clínicas.

A cidade ainda comporta mais de 50 clínicas e sete hospitais da iniciativa privada. Mesmo assim, consta dos planos de governo de Luiz Tortorello a instalação de Hospital Municipal com mais 80 leitos acoplado ao Hospital Infantil Márcia Braido. A promessa do prefeito de colocá-lo em funcionamento antes de 1999 não vingou em razão de problemas no processo de licitação pública. Do orçamento municipal de R$ 155 milhões estimado para este ano, R$ 16 milhões serão destinados à Saúde.

Mesmo abalado pelo repasse de 15% das receitas para o Fundo de Manutenção do Ensino e Incentivo ao Magistério, o Fundão da Educação, o sistema de ensino de São Caetano é de causar inveja. Enquanto todo o País apresenta déficit de vagas, desestruturação física e insegurança nas escolas da rede pública, São Caetano consegue oferecer além do básico: 35 escolas infantis acolhem 5616 crianças e a Prefeitura mantém estabelecimentos de Ensino Fundamental, Médio e Profissionalizante, de idiomas, dança, informática e especial para crianças portadoras de deficiência.

Para quem pensa que São Caetano se aproxima dos padrões europeus por acolher grande número de idosos, vale dizer que os moradores com idade acima de 65 anos representam apenas 8,16% da população. Crianças e adolescentes somam 30,81%, o que justifica a prioridade da Educação no modelo administrativo adotado pelo prefeito: 35% das receitas são carimbadas para o setor. “A Prefeitura investe mais em equipamentos do que em recursos humanos para a Educação” — critica o vereador Hamilton Lacerda (PT).

Como oposição ao governo petebista de Tortorello, Lacerda questiona o método educacional instituído nas escolas públicas da cidade. Apesar das críticas pontuais, a oposição não tem como negar que São Caetano foi reconhecida pela Unesco como cidade brasileira que melhor atende à infância.

Assim como para a Educação, as críticas do vereador estendem-se à Cultura. São Caetano dispõe de rede exemplar e equipamentos culturais, porém carece de programações de gabarito. “O governo não tem política de ocupação desses espaços” — lamenta Lacerda. Pelo cronograma apresentado pela Prefeitura, em 1998 somente 20 eventos deram vida ao Museu da Imigração Italiana Osvaldo Samuel Massei, Fundação Pró-Memória, Biblioteca Municipal Paul Harris, Auditório Municipal Santos Dumont, Biblioteca Maria Esther Mesquita, Teatro Paulo Machado de Carvalho, Teatro da Fundação das Artes e Escola de Artes e Ofício.

Nem mesmo o bom relacionamento entre o governo municipal com as polícias Civil e Militar tira de São Caetano a liderança no ranking estadual de carros roubados e furtados. Com frota de 102,2 mil veículos, cerca de um para cada 1,5 habitantes, a cidade viu aumentar em 49% a incidência desse tipo de crime em relação ao ano passado.

Trabalho minucioso de mapeamento dos delitos tem sido desenvolvido pelo delegado titular do 1º Distrito Policial, Antônio Mesquita, para coibir ao máximo a ação de marginais. O detalhamento aponta terças e quartas-feiras como dias preferidos e traz até a marca favorita dos bandidos: Gol, da Volkswagen. “A concentração de faculdades é mais que suficiente para atrair ladrões de carro” — diagnostica o delegado.

Até junho, a Prefeitura já havia doado 37 novas viaturas à Polícia Militar para ampliar o policiamento preventivo. Aos 250 homens da corporação, a Administração entrega cestas básicas mensalmente e complementa os salários em R$ 400. O benefício chega aos policiais civis pelas mãos do empresário Samuel Klein, comandante das Casas Bahia, que há um ano também assumiu a doação de alimentos para as famílias dos 115 detentos da cadeia pública do Município. Além disso, os presos de São Caetano contam com TV nas celas, enfermaria, copa e cozinha devidamente equipadas. A cadeia é dotada de trancas eletrônicas e sistema de vigilância por circuito interno e externo de TV. Também possui detector de metais para visitantes.

Os indicadores de homicídio colocam São Caetano em posição confortável no Grande ABC. Durante o ano passado foram cometidos 15 homicídios no Município, o que representa a taxa de 10,72 assassinatos para cada grupo de 100 mil pessoas, conforme estabelece o padrão da ONU (Organização das Nações Unidas). São Caetano é, por isso, detentora da melhor marca na região. Diadema, a pior, teve 351 assassinatos no mesmo período — ou a taxa de 108,6 para cada 100 mil habitantes um recorde nacional. São Caetano perde, entretanto, num confronto com Florianópolis, capital de Santa Catarina, que tem 350 mil habitantes e registrou 29 homicídios em 1998 — taxa de 8,2 para cada grupo de 100 mil.

Tecnologia de ponta é o grande vácuo

 MALU MARCOCCIA

A exuberância que São Caetano demonstra no padrão de vida e de equipamentos urbanos não se repete no parque econômico. São Caetano é o Município que mais fundo sentiu a evasão de grandes fábricas da região porque ficou emparedado entre território diminuto e caro, que impediu segurar ou expandir as megaempresas, e a incapacidade de colocar nas receitas municipais um substituto à altura das inúmeras indústrias que se foram.

O pior é que está perigosamente dependente de dois totens empresariais. A General Motors, a última grande chaminé da cidade, chegou a respondeu por 42,7% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) em 1997 e a Petrobras, que tem na cidade o maior terminal de dutos de distribuição de combustíveis no País, fez transfusões de outros 12,06% à arrecadação do tributo no ano passado. Para se ter ideia da vulnerabilidade, em Santo André o maior contribuinte individual de ICMS é a Firestone, com não mais que 11% do total arrecadado.

O diretor de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, Jerson Ourives, é excepcionalmente realista em relação a outros executivos públicos do Grande ABC que praticam o jogo da dissimulação de informações: admite que as indústrias deram adeus à cidade, seja pela guerra fiscal de outras regiões seja pela pressão sindical que encareceu o Custo ABC.

A planilha de ICMS tombou 29% apenas nos dois últimos anos, de R$ 83,2 milhões em 1997 para R$ 59 milhões orçados para este ano. Somente a ZF e a Brasinca deixaram os cofres mais magros em R$ 7 milhões em 1998.

Mas Ourives acha que o cenário pode ser revertido com as sementes que o Poder Público vem lançando às micro e pequenas empresas de comércio e de serviços a partir de sedutoras alíquotas rebaixadas do ISS (Imposto Sobre Serviços). Em dois anos de opção preferencial pelos pequenos, o orçamento municipal mantém-se em torno de R$ 155 milhões graças ao pinote de 45% registrado pelo ISS, que passou de R$ 16 milhões em 1996 para R$ 23,4 milhões em 1998, e ao salto de 60% do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), de R$ 6,7 milhões para R$ 10,7 milhões no mesmo período.

Pelos números da Prefeitura, entre 1997 e 1998 São Caetano abriu 943 estabelecimentos comerciais e 2425 empresas de serviços, contra apenas 91 indústrias. É esse enxame de negócios no setor terciário o fato novo capaz de colocar a economia do Município nos trilhos, aposta Ivan Cavassani, presidente da Associação Comercial e Industrial, animado com as cirurgias urbanísticas que o Poder Público realiza para fortalecer o comércio de rua. Foi São Caetano que estreou o conceito de Rua 24 Horas na região, apesar de o projeto ainda não ter decolado.

Villares, Mannesman, Cerâmica São Caetano, Ferro Enamel, Saab, Texaco, Matarazzo, ZF, Brasinca, Laminação Nacional de Metais e mesmo uma parte da GM, entre outros nomes reluzentes que delinearam o perfil metalmecânico do polo produtor de São Caetano, formam hoje um passado subtraído pela competitividade imposta pela globalização e encontrada em outras paragens menos custosas.

Entraram em cena logomarcas brilhantes do setor terciário, como Extra Hipermercados, Carrefour, Sam’s Club, consórcios nacionais da Honda e da Volkswagen, Cotia Trading, Banespa Leasing e Banespa Seguros, entre outros, atraídos pelo abatimento das alíquotas do ISS de 5% para 0,5% e até 0,25% em alguns casos.

Como são em quantidade absolutamente maior, varejo e serviços mudaram não só o perfil de atividades da cidade como a grade de trabalho. À exceção do Extra, que fez brotar 400 vagas, os pequenos empregam em média 20 pessoas. Enquanto em 1989 a indústria do Município ocupava 46,5% da mão-de-obra, em 1997 esse percentual declinou para 27,4% — uma queda relativa de 69%. O terciário, por sua vez, empinou: saiu de 53,5% para 72,6% no período, conforme pesquisa do Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior).

Segundo números da Secretaria de Energia do Estado, São Caetano contava em dezembro de 1998 com 695 estabelecimentos industriais. Eram 837 em dezembro de 1990. A quantidade do que restou, aparentemente alta, é explicada pela terceirização, ou seja, ex-funcionários que passaram a ter ex-empregadores como clientes.

Um contralaudo mais realístico sobre o enxugamento industrial pode ser tomado do consumo de energia elétrica, que chegou a 534.829 MWh em dezembro de 1990, contra apenas 293.413 MWh no final de 1998. Uma perda de 45% que reflete diretamente nas finanças municipais: o ICMS, que representou 64,2% do orçamento de 1995, este ano não passa de 38,06%. Pouco mais de um terço das receitas, quando nos demais municípios industriais da região ainda representa dois terços.

“A questão territorial é um problema agudo para São Caetano. Ao contrário do restante do ABC, que tem muitas áreas ociosas e galpões desativados, grande parte do que restou das indústrias que foram embora foi ocupado pelo comércio. São Caetano vai se pautar efetivamente para ser um centro de negócios e de serviços, já que em todo o Brasil a tendência é a produção se descentralizar, não depender mais dos antigos modelos de localização geográfica específica” — conceitua William Pesinato, diretor local do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado).

Pesinato tem dificuldade em citar nomes de industriais mais recentes na cidade, que mantém, entretanto, um cinturão de produtores tradicionais que elevam o nome do parque econômico, casos da Metalúrgica A. Pedro, Gulliver, Irmãos Chiea e a própria Fami-Ita de Pesinato.

A valorização imobiliária, o custo trabalhista e a necessidade de estruturas competitivas, expõe Pesinato, fizeram as grandes empresas migrar. O dirigente acha acertada, por isso, a tese do Poder Público de tentar atrair indústrias enxutas e intensivas de tecnologia de ponta, como de robótica, automação, informática, eletrônica e componentes altamente especializados.

Por enquanto, à exceção de escolas de informática, o nome mais elevado no setor de tecnologia eletrônica que se instalou na cidade é o da System Partner, produtora e exportadora de painéis rotativos para pontos de venda que o diretor municipal Jerson Ourives atraiu de uma incubadora da Capital.

Jerson Ourives não acha opção perigosa incentivar e depender da arrecadação de pequenos negócios no setor terciário e, no caso da indústria, das chamadas empresas tecnológicas. “O ISS é arrecadado diretamente, portanto chega mais rápido aos cofres públicos” — argumenta.

A indústria de transformação, no entanto, como as antigas gigantes que se foram de São Caetano, é altamente geradora de Valor Adicionado (a diferença que entra em forma de matéria-prima e sai como produto acabado), o que explica a cambalhota do ICMS na cidade.

Além disso, a indústria traz riquezas na forma de investimentos mais encorpados. Dos US$ 795,2 milhões que São Caetano tem programados para receber no quinquênio 1995/2000, nada menos que US$ 724 milhões são da General Motors, aponta levantamento da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico.

Mas Jerson Ourives entende que, sem alternativa junto aos produtores maiúsculos, a cidade deve reger o tom dos pequenos como fizeram Itália e Califórnia (EUA). “Nossa participação no ICMS seria o dobro, mas estamos conseguindo reverter essa queda, paradoxalmente, reduzindo impostos e atraindo mais estabelecimentos” — diz, citando números que mantêm as principais arrecadações em R$ 102 milhões nos últimos anos e que inclusive subsidiam sua monografia na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado) sobre Gerentes de Cidade.

Para buscar vitalidade no setor terciário, São Caetano não só rebaixou impostos como montou programas de incentivo inspirados no que há de disponível no mercado. Parcerias com a Aciscs (Associação Comercial e Industrial) e Sebrae (Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa) para treinamento de mão-de-obra e capacitação gerencial juntam-se à aproximação com Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal para acesso dos pequenos às sempre difíceis linhas de crédito.

A burocracia da máquina governamental foi lipoaspirada e o Departamento de Planejamento autoriza agora a abertura de empresas em apenas 24 horas. Outra ação facilitadora foi alterar a Lei de Zoneamento de áreas estritamente industriais.

A Diretoria de Desenvolvimento Econômico foi transformada em espécie de Casa do Empresário: não só disponibiliza informações sobre o caminho das pedras do empreendedorismo como dá suporte para viabilizar os negócios. Em 1997, o que Jerson Ourives chama de primeira incubadora da região — a ABC Holding — foi criada e se estruturou durante os oito meses iniciais usando sala e telefone da Diretoria de Desenvolvimento.

Com 240 sócios entre empresários, aposentados, ex-desempregados e investidores, a ABC Holding é a primeira EPC (Empresa de Participação Comunitária) da região, cujo subproduto inicial é uma cooperativa de prestação de serviços que já empregou 24 dos mais de 90 profissionais em carteira e fechou uma dúzia de contratos.

Neste mês estará brotando outro empreendimento do gênero, uma cooperativa só de mulheres que igualmente se estruturará dentro da Diretoria de Desenvolvimento. Também em julho será aberta ali a Casa do Mercosul, uma central de apoio com banco de dados e suporte administrativo para facilitar a aproximação entre empresários locais com os demais países membros do bloco. A Casa do Mercosul vem na esteira de outra veia que Jerson Ourives quer engordar para fazer decolar os pequenos negócios: a exportação. Em maio último a Prefeitura participou da Feira Internacional de Padova, na Itália, com dois produtores da cidade, Chamatex e Irmãos Chiea, e em outubro próximo já reservou espaço na Equipotel, feira internacional que ocorrerá em São Paulo reunindo toda a cadeia hoteleira.

Jerson Ourives admite que, ao incensar novos e pequenos negócios já instalados, São Caetano não direciona o foco para uma ou duas fortes vocações, isto é, não consagra um pólo — empresas com afinidades e produtos complementares de um mesmo setor, como Mauá tem nos plásticos e petroquímicos, Diadema nas autopeças e plásticos, São Bernardo no automotivo e moveleiro e Santo André na petroquímica.

Mesmo que os pequenos estejam dando o contraponto à receita perdida com a evasão das grandes indústrias, não há nada que concrete o horizonte econômico para o longo prazo e que estudiosos sugerem ser um polo de tecnologia.

Massa acadêmica e de pesquisa há em fartura, representada pela privilegiada unidade de Mecatrônica do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), pelo campus da primeiro-mundista Engenharia Mauá e pelo dinamismo e diversidade do Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior).

Basear o novo ciclo de desenvolvimento em pequenas empresas é desafio que também esbarra na cultura consumista da cidade. A gorda renda per capita, de US$ 2,2 mil mensais segundo o Imes, não consegue fazer decolar um efervescente polo comercial de compras. A evasão das classes média e alta para centros mais badalados como a Capital ou Santo André está retratada com todas as cores no ainda tímido Shopping São Caetano e no desfavorável resultado, até agora, da primeira Rua 24 Horas do Grande ABC.

No boulevard implantado no centro do São Caetano, a maioria dos estabelecimentos fecha às 19h. “O comércio de rua, a maioria de estrutura familiar, precisa profissionalizar-se mais no atendimento e alternativas de produtos. São as armas com as quais vai competir diante da diversidade e segurança dos grandes shoppings” — relata Jerson Ourives.

Ivan Cavassani, presidente da Associação Comercial e Industrial, entende que a saída está no fortalecimento dos núcleos de bairros, por meio de campanhas que fidelizem moradores como consumidores ativos e com intervenções paisagísticas que tornem atrativos os corredores de compras. Sua expectativa é intensificar, inclusive, o movimento-formiga da população vizinha da Capital e que já responde por 50% das compras em lojas do Centro, conforme levantamento da Aciscs.

“A tendência do comércio de rua é ser mais popular e destinado ao comprador de passagem. Não só em São Caetano, mas em todas as metrópoles o consumidor abastado procura a comodidade dos shoppings. Para vencer isso, temos de dar às ruas a conceituação de comércio de shoppings” — expõe Cavassani, que acha possível recarregar as baterias de centros tradicionais como Barcelona, Vila Gerty, São José e Fundação.

Três atrativos presentes em shoppings são fundamentais para transformar o comércio e os serviços de rua nos novos signos da modernidade de São Caetano, segundo o dirigente: segurança, que está sendo aumentada com a chegada de mais viaturas e motos e a introdução de guardas municipais femininas a partir deste mês; a eficiência dos equipamentos eletrônicos da Zona Azul para disponibilizar vagas aos veículos, o que fez baixar em um ano o problema do estacionamento do segundo para o quarto lugar entre as inquietações da população; e, por fim, a beleza física, com projetos paisagísticos que tornem agradável o ambiente de circulação.

Nesse sentido, a Rua Santa Catarina, na região central, vai também se transformar em boulevard, mas não será fechada como a Rua 24 Horas. Uma faixa de veículos será permitida no centro do calçadão. O antigo edifício do Sagrado Coração de Jesus, segundo Cavassani, vai finalmente ser recuperado e transformado em mini-shopping, o que ajudará a atrair fluxo de consumidores. E a Rua 24 Horas, que segundo o presidente da Aciscs ainda não encontrou mix adequado de estabelecimentos, vai ganhar uma âncora provavelmente neste mês: a Casas Bahia do local vai abrir 24 horas, o que deve estimular outros estabelecimentos a se integrar às atrações que pretendem transformar o corredor em opção noturna de lazer e entretenimento. “Como tudo que é novo, há um período de maturação. Acredito que em 18 meses teremos uma Rua 24 Horas vocacionada para esse conceito” — projeta.

Descendentes dão cartas há 50 anos

 TUGA MARTINS

Existe algo de lógico na história política de São Caetano. A tendência conservadora que emerge das urnas a cada eleição tem raízes na conjugação de fatores históricos e socioeconômicos que tornaram a cidade peculiar no cenário do Grande ABC. Distribuída em apenas 15 quilômetros quadrados, a população de São Caetano teve o privilégio de não enfrentar o crescimento desordenado e a explosão demográfica das demais cidades da região. Sem a necessidade de administrar mazelas sociais, sucessivos governantes puderam dotar São Caetano de infraestrutura e equipamentos públicos comparáveis aos do Primeiro Mundo.

Enquanto em São Bernardo, Mauá, Diadema, Santo André e até Ribeirão Pires o descontentamento com a política tradicional é expresso pelo voto, em São Caetano as urnas ratificam nomes que levaram a cidade a figurar entre os melhores indicadores socioeconômicos do Brasil.

É como se a continuidade administrativa fosse metaforicamente hereditária. Desde que Ângelo Raphael Pellegrino assumiu como primeiro prefeito, eleito em 3 de abril de 1949, quase todos os sucessores têm descendência italiana. A saga dos oriundi só foi quebrada em 1977, quando o nordestino Raimundo da Cunha Leite (MDB) venceu as eleições ao derrotar Gentil Monte (Arena).

O resultado não foi propriamente uma zebra. Além de beneficiado por momento de ascensão do partido oposicionista em todo o País, o vice de Raimundo, João Dal’Mas, também era buona gente. Dal’Mas assumiu a Prefeitura entre maio de 1982 e janeiro de 1983, quando Raimundo da Cunha Leite elegeu-se deputado federal em dobradinha com outro descendente, Floriano Leandrini (MDB), que ganhou vaga na Assembléia Legislativa.

Apesar das evidências, é equivocado atribuir o sangue conservador à suposta herança ideológica dos imigrantes. Foi o processo de formação de São Caetano que propiciou aos italianos a conquista de hegemonia política. Longe da densidade dos estudos acadêmicos e análises sociológicas, há o fato de famílias tradicionais se perpetuarem e se revezarem no poder sempre com aprovação popular. E diante dos resultados das urnas cabem pouquíssimas contestações.

Foram 12 prefeitos eleitos desde 1948. Desses, quatro sentaram na cadeira por mais de uma vez. Anacleto Campanella ganhou as eleições em 1953 pela coligação CDA, que reunia vários partidos da época, e em 1961 pelo PDC-PSD. Oswaldo Samuel Massei chegou ao poder em 1957 pelo PDC e em 1969 pela Arena. Walter Braido é o campeão. Assumiu a Prefeitura três vezes: em 1965 com apoio de PTB, PTN, PDC, MTR e UDN, em 1963 pela Arena e em 1983 pelo PTB. O atual prefeito, Luiz Olinto Tortorello (PTB) está no Paço Municipal pela segunda vez: ganhou as eleições de 1989 e de 1996.

Na galeria de quem esteve apenas uma vez na Administração Municipal figuram o primeiro prefeito Ângelo Raphael Pellegrino, eleito em 1949 por coligação que mais parecia uma sopa de letrinhas: PR/PST/UDN/PSD/PRP/PTN/PDC; o MDB elegeu Raimundo da Cunha Leite em 1977; e o PTB Antonio Dall’Anese em 1992. Dall’Anese voou para o ninho tucano no final do mandato.

A pluralidade de siglas e a diversidade de coligações que elegeram os governantes de São Caetano nas décadas de 50 e 60 não permitem afirmar que todos tenham emergido de partidos conservadores, embora sempre tenha prevalecido a dinastia dos descendentes. Também durante o regime autoritário a definição soa desproposital, já que Arena e MDB eram situação e oposição e não havia — nem era permitido — muito o que discutir.

Somente com a volta do pluripartidarismo, nos anos 80, se torna mais perceptível a tendência de a cidade eleger candidatos de centro-direita e direita, basicamente do PTB. Basta passar os olhos nos resultados das eleições municipais nos últimos 24 anos. “O perfil socioeconômico de São Caetano é adverso ao trabalho de base da esquerda” — acredita o vereador petebista Carlinhos Lira.

Em 1982, Walter Braido (PTB) chegou à Prefeitura pela terceira vez ao derrotar Antonio Russo (PMDB) e Horácio Neto (PT). Juntos, o que seria impensável, Russo e Neto venceriam as eleições por diferença de 11,59% dos votos.

Na eleição seguinte, Tortorello ampliou a vantagem em relação aos mesmos adversários: dessa vez, Neto e Russo não bateriam o PTB do atual prefeito, que obteve 38,04% dos votos, contra 37,7% dos dois concorrentes. Em 1992, Antonio Dall’Anese (também PTB) deixou outra vez no chinelo os concorrentes peemedebista e petista: obteve 41,16% dos votos, contra 34,32% de Moacyr Rodrigues (PMDB) e Ivan Valente (PT). Em 1996, Tortorello obteve a maioria absoluta de votos, 52,61%. Venceu Cláudio Demambro (PSDB), Vera Severiano (PT) e Edison Parra (PDT).

Cada eleição é única e tem contexto próprio, mas o que ocorre em São Caetano pouco reflete os cenários nacional e estadual. Paulo Maluf, dono de eleitorado cativo na cidade, venceu o primeiro turno das eleições presidenciais de 1989. Como não conseguiu chegar ao segundo turno, os eleitores de São Caetano mudaram da água para o vinho. Deram a Lula, do PT, 48,11% dos votos, contra 45,97% de Fernando Collor. O PT, no entanto, só ganhou a eleição mais duas vezes no Município. Em 1990 e em 1998, o discreto Eduardo Matarazzo Suplicy, coincidentemente de identidade italiana, teve a preferência do eleitorado para o Senado. Suplicy venceu dois ícones do conservadorismo — Ferreira Neto na primeira vez e Oscar Schmidt no ano passado.

Mesmo que o maior cestinha do basquete brasileiro tenha experimentado derrota, seu padrinho político Paulo Maluf é unanimidade na cidade, onde nunca perdeu uma eleição. Foi o mais votado também nos dois turnos da eleição para governador em 1990 e em 1998. O PPB, porém, perdeu recentemente seus vereadores para o PPS de Marquinhos Tortorello, filho do atual prefeito. “Maluf tem eleitorado cativo na cidade. Por isso, iniciamos nova fase do PPB” — garante o presidente da comissão provisória do partido, Ubiratan Figueiredo, após a dissidência.

O apelo socialista também não é capaz de seduzir a população de São Caetano quando se trata de escolher representantes para o Legislativo. Dos 20 candidatos mais votados a deputado federal em 1998, apenas três eram de partidos de esquerda. Nem mesmo petistas da cidade tiveram vez. Jair Meneguelli sindicalista e ex-presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), só conseguiu 2350 votos em São Caetano. O restante dos 59.590 votos vieram de fora. Ivan Valente, que não se elegeu, colecionou 4338 sufrágios. Já Cláudio Demambro, do PSDB, apesar de ser o primeiro da lista com 9750 votos, não assegurou a vaga.

Também na eleição para deputado estadual os partidos conservadores têm preferência. Os candidatos da cidade obtiveram 47,83% dos votos. O ex-prefeito Antonio Dall’Anese (PSDB) ficou com 9,95% do total de votos válidos, Horácio Neto (PT) com 9,29% e Daniel Marins com 1,53%. Marquinhos Tortorello, que concorreu pelo socialista PPS, abocanhou 27,06% dos votos.

Nem é preciso dizer que o nome pesou bem mais que a sigla na decisão do eleitor. Mesmo que 49.064 do total de 70.293 votos do filho do prefeito tenham vindo de fora, o percentual é expressivo para uma eleição pulverizada. Devido ao pequeno colégio eleitoral — 86.864 votantes –, Marquinhos dificilmente teria chegado à Assembléia Legislativa apenas com os votos da cidade. Para isso teria de arrebatar perto de 40% dos votos válidos. Tarefa dificílima mesmo para campeões de votos.

Como a política é dinâmica e mutante, a expressiva votação de Marquinhos Tortorello e a boa performance eleitoral do partido inflaram os quadros do PPS não apenas em São Caetano. O partido que tem como líderes o ex-ministro da Fazenda Ciro Gomes e o senador pernambucano Roberto Freire já cooptou os vereadores Moacir Galina e Eduardo Agostini (PSDB) e Pedro Batissaco e Airton Lauriano (PPB). Também na Assembleia Legislativa a bancada dobrou de três para seis. A próxima revoada acontece em breve na Câmara de Mauá. “O PPS é mais um partido da base de sustentação” — festeja o presidente da Câmara de São Caetano, Luis Emiliani.

Longe do inebriante e sempre polêmico tempero ideológico, o crescimento do PPS aponta também para a estratégia que se desenvolve nos bastidores da sucessão municipal para o ano 2000. Se houver reeleição, Luiz Tortorello é candidatíssimo, unanimidade entre os aliados e considerado quase imbatível por eventuais adversários.

O PPB prefere concentrar esforços para eleger bancada forte de vereadores. O PSDB deve ter candidato e o PT, obviamente, terá o seu. Meneguelli é um dos cogitados. “O partido vive bom momento na cidade, por isso a disputa interna está descartada” — acredita o vereador e presidente do diretório municipal petista, Horácio Neto.

Se números eleitorais e lógica fornecem subsídios para desenhar a prévia eleitoral, não é prudente anestesiar-se com fatos e desprezar análises mais prospectivas. Para que o Poder Público continue a manter o padrão de qualidade oferecido à população de São Caetano é preciso dinheiro. Como a arrecadação registra sucessivas quedas, resultante da fuga industrial, o desafio de encontrar e nutrir a nova vocação da cidade fica para o prefeito do próximo milênio.

“Como o cidadão não consegue ter preocupações a médio e longo prazos, ele delega a tarefa de pensar o futuro da cidade ao administrador público” — analisa o coordenador do Ceapog (Centro de Aperfeiçoamento e Pós-Graduação do Imes), Sílvio Minciotti.

Capital do esporte na medida certa

 DONIZETE RADDI

São Caetano não é apenas a capital paulista do esporte de competição. É a capital do esporte na medida certa. Números apresentados pelo Detur (Departamento de Esportes e Turismo) da Prefeitura indicam que São Caetano é muito mais do que um porto seguro para estrelas de primeira grandeza que servem como espelho aos jovens que representam o Município nas conquistas dos Jogos Abertos, dos Jogos Regionais e outros campeonatos estaduais e nacionais. Cerca de 20% dos 150 mil habitantes respiram esporte 24 horas por dia baseados num tripé balanceado entre lazer, saúde e qualidade de vida: esporte comunitário, competitivo e o forte futebol profissional do São Caetano.

Do orçamento de R$ 6 milhões do Detur no ano passado — para 1999 calculam-se R$ 5 milhões devido à queda na arrecadação do Município –, R$ 2,3 milhões foram para o esporte de competição, representado por uma dúzia de modalidades que significam inúmeras conquistas desde 1997. A coleção inclui o título geral dos Jogos Abertos e Jogos Regionais; Brasileiro e Paulista de Judô; Estadual, Paulista e Brasileiro de Atletismo; Sul-Americano de Ginástica Olímpica, Brasileiro de Malha e o tricampeonato paulista nas categorias menores de vôlei, entre outros. O futsal da General Motors também é uma fábrica de campeões e representa a cidade nos Jogos Abertos e Regionais, mas não depende do Detur.

Reflexo das conquistas, 26 atletas contratados por São Caetano estão convocados para representar o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá. O destaque é o atletismo da Asics Funilense, recente campeão do Troféu Brasil e que conta com 11 selecionados. A equipe treina em moderna pista construída em parceria com a Prefeitura e a Federação Paulista no Centro Esportivo da Vila São José. A segunda modalidade com mais atletas de São Caetano é o tênis, com quatro; o tênis de mesa tem três; ginástica olímpica, handebol e boxe, dois; e ciclismo e judô, um — só Danusa Shira, já que Aurélio Miguel trocou São Caetano pelo Flamengo no mês passado. Edinanci Pereira Nascimento e Rogério Sampaio continuam lutando pela cidade, mas não vão ao Pan.

Só no esporte competitivo, incluindo as categorias menores, São Caetano tem 1052 atletas. A Prefeitura oferece ajuda de custo, transporte, alimentação, assistência médica e infra-estrutura de equipamentos. Salários e gastos com participações internacionais são de responsabilidade dos clubes ou dos patrocinadores. “O pessoal do atletismo, por exemplo, tem nossa assistência, mas recebe da Asics Funilense e não da Prefeitura. Há muito tempo eliminamos a figura do atleta-professor, que acabava se ausentando muito das aulas devido às competições” — afirma o diretor de Esportes e Turismo, professor Walter Figueira Júnior.

O valor que o Detur investe no esporte competitivo vem da dotação orçamentária da Prefeitura e do Faect (Fundo de Apoio ao Esporte, Cultura e Turismo), criado em janeiro de 1997 pelo prefeito Luiz Tortorello. Patrocínios, donativos, contribuições, taxas e ingressos cobrados em espaços públicos, além de prestações de serviços, significam reforço para o caixa administrado pelo Detur. Como o turismo de São Caetano é sinônimo de zero e a cultura recebeu R$ 1,7 milhão em 1998, o restante — R$ 2 milhões — fica com o esporte, menina-dos-olhos do prefeito Luiz Tortorello ao lado da educação. A arrecadação do Faect deve representar receitas de R$ 1 milhão. O orçamento municipal para 1999 é de R$ 155 milhões e o Detur deve ficar com cerca de R$ 4 milhões, totalizando caixa de R$ 5 milhões — 3% do bolo municipal.

A segunda base de sustentação do esporte em São Caetano tem como carro-chefe o PEC (Programa Esportivo Comunitário), que em 1998 envolveu mais de 25 mil participantes — 40% permanentes e 60% eventuais. Crianças, adolescentes, jovens, adultos e Terceira Idade participam de atividades nos centros esportivos e recreativos municipais, nos clubes e escolas particulares que têm trabalhado em parceria com a Prefeitura.

A administração Tortorello promete entregar a piscina do Complexo Lauro Gomes reformada até o final do ano, está inaugurando ginásios de esportes e cobriu várias quadras escolares que a comunidade passou a utilizar inclusive aos finais de semana. “A qualidade das equipes competitivas que representam o Município nos grandes eventos motiva o sucesso do Programa Esportivo Comunitário e vice-versa. Temos grandes ídolos, mas de nada adiantaria se não tivéssemos cultura esportiva desde as escolinhas de esportes e as atividades de lazer. A qualidade esportiva justifica o PEC” — cita Walter Figueira.

O PEC foi criado em 1986, na terceira gestão do ex-prefeito Walter Braido. Inicialmente incorporava apenas crianças de 10 a 14 anos. O programa foi ampliado e reúne 52 professores distribuídos por centros esportivos, clubes particulares, parques e ruas. Caso da Avenida Kennedy, dotada de pista de cooper.

Integrante do Programa Qualidade de Vida, o PEC é subdividido em sete setores. O PEC-1 atende a crianças de quatro a 14 anos; o 2 tem escolinhas específicas de esportes na faixa etária de cinco a 15 anos distribuídas por mais de 10 centros esportivos e clubes particulares; o PEC-3 representa Educação Física para adultos e o 4 está voltado para atividades gerais da Terceira Idade. O PEC-5 incorpora Jogos Escolares, Passeio Ciclístico, Prova de Reis e eventos de várias modalidades nos finais de semana. No PEC-6 estão as manhãs de lazer, com atividades para crianças e adultos, nos finais de semana, em praças públicas, parques e escolas municipais de Educação Infantil. Já o PEC-7 projeta trabalhar com mais de dois mil esportistas dentro de 23 escolas estaduais do Município.

O segmento do PEC que recebeu maior número de participantes em 1998 foram os Jogos Escolares, vencidos pelo Tijucussu Pueri Domus. Cerca de seis mil participantes de escolas estaduais, municipais e particulares disputaram os Jogos. O segundo evento mais procurado foi a Manhã de Lazer com Pesca Mirim, no Parque Chico Mendes, onde também se promovem shows organizados por particulares que pagam taxas à Prefeitura. “Nosso projeto é ter 75% da população praticando atividades esportivas no ano 2000. O esporte é um produto consumível. Basta caminhar e ganhar qualidade de vida. São Caetano é uma das cidades mais bem equipadas do País em termos esportivos. E além do PEC temos importantes parcerias com Sesi, Sesc e as ligas de futebol e futsal, que promovem campeonatos municipais. Pensamos o esporte como um todo” — expõe o professor Walter Figueira.

Prova de que São Caetano pensa o esporte no global são opiniões até de quem não se alinha à administração de Luiz Tortorello. “São Caetano tem infraestrutura, está muito bem equipada e trabalha forte tanto no setor comunitário quanto no competitivo, cujos ídolos são espelhos e devem mesmo ser utilizados como símbolo. Não há necessidade de atleta dar aula: basta competir e ser exemplo para os jovens. O Detur tem um corpo competente e o Tortorello é um verdadeiro avião para o esporte. Ele gosta, dá condições, estimula, manda fazer, e fim”– afirma o professor Nelson Perdigão, ex-dirigente esportivo da Prefeitura e do futebol profissional do São Caetano.

Peemedebista e ex-presidente da Comissão Municipal de Esportes na gestão de Raimundo da Cunha Leite, Antonio José dos Santos — o Toninho dos Esportes — concorda com Perdigão. “As fusões implantadas no início dos anos 70 pelo prefeito Walter Braido fortaleceram o futebol amador, com a criação de centros esportivos amparados pelo Poder Público, e o esporte cresceu como um todo. Hoje o projeto comunitário da Prefeitura é muito importante porque estimula a população à prática esportiva e tira as crianças das ruas. O fato de sermos de partidos diferentes não me impede de aplaudir o que é certo. Dou nota 10 para o Tortorello. Só acho que o prefeito precisa de mais gente como ele trabalhando pela cidade” — afirma.

Dono de dois acessos em 1998 — à Série A2 Paulista e à Série B do Campeonato Brasileiro –, o São Caetano disputa um dos quadrangulares semifinais com boas possibilidades de chegar à série A de São Paulo. A Associação Desportiva São Caetano tem o futebol profissional terceirizado pela Datha, empresa de representação comercial. O ex-goleiro José Carlos Molina comanda a Datha Representações e também o São Caetano. Molina não confirma envolvimento da rede varejista Casas Bahia e garante que a folha de pagamentos do clube é pouco superior a R$ 200 mil. “Hoje a Prefeitura nos ajuda com ônibus, alimentação, médicos, transporte e manutenção do estádio, sem interferência direta no nosso trabalho. O prefeito Tortorello nos prestigia e isso é importante” — ressalta.

Babel ocupacional de raízes europeias

 ANDRÉ MARCEL DE LIMA

Não é por acaso que São Caetano é São Caetano. Melhor explicando: não é à toa que São Caetano figura entre as cidades mais admiradas do Brasil pelos índices relativamente baixos de criminalidade, ótima relação de telefones e veículos por habitante e alta renda per capita, entre outras características de Primeiro Mundo. Para compreender por que São Caetano é assim, organizada e civilizada, é preciso deixar de lado a mania de enxergar os fatos no curto prazo para lançar olhar mais profundo e analítico sobre as raízes históricas que dão sustentação aos invejáveis indicadores socioeconômicos.

Ao se entregar a esse exercício de regressão, percebe-se que São Caetano tem o privilégio de ser geneticamente bem provida. A cidade contou com a sorte de ter sido constituída por correntes imigratórias de origem europeia de diversas nacionalidades, mas com um ponto em comum: senso de civilidade, cidadania e noção de direitos individuais e coletivos bem superiores aos dos povos nativos do Brasil, da África e de outras regiões mais novas e atrasadas do planeta.

Além de tomar um atalho rumo ao Primeiro Mundo de carona no avançado nível civilizatório dos povos do chamado Velho Mundo, São Caetano ainda teve a sorte de não se perder na travessia histórica. Ao contrário de outros municípios da região, São Caetano não teve o equilíbrio populacional e a homogeneidade cultural alterados por fluxos internos de migração a partir da década de 60.

Quando a indústria automobilística despontava no Grande ABC atraindo imensidão de imigrantes do Norte e Nordeste brasileiros magnetizados pela esperança de melhores condições de sobrevivência e trabalho farto, São Caetano já não dispunha de espaços disponíveis no território de apenas 15 quilômetros quadrados, equivalente ao do Aeroporto de Cumbica.

Por mais que alguns críticos digam que São Caetano é bairrista e conservadora, é preciso admitir que a organização que salta à vista e os confortáveis indicadores socioeconômicos estão baseados em tradições ideológicas e culturais forjadas ao longo de mais de um século de imigração.

Uma boa maneira de entender a constituição de São Caetano é comparar a cidade a um bolo e atribuir a cada uma das diferentes vertentes imigratórias uma camada de recheio. O primeiro recheio foi acrescentado em 28 de julho de 1877, quando um grupo de imigrantes italianos chegou ao núcleo colonial após partir do Porto de Gênova a bordo do navio a vapor Europa.

O grupo composto de 28 famílias deixou Vêneto, região Nordeste da Itália, porque o país, unificado em 1861, estava em grande crise agravada por praga que comprometeu a plantação de videiras, responsáveis por uma das principais atividades econômicas. Seis meses depois, chegava ao núcleo colonial uma nova leva de imigrantes italianos oriundos da Província de Mântua.

“Os primeiros imigrantes italianos em São Caetano eram camponeses sem terra, paupérrimos, não sabiam ler nem escrever, mas detinham forte sentimento de coletividade e de consciência de lutas sociais” — explica Aleksandar Jovanovic, presidente da Fundação Pró-Memória de São Caetano e professor de Linguística Aplicada na Universidade de São Paulo. Ele lembra que ainda hoje é possível encontrar, no Bairro Fundação, representantes de terceira ou quarta geração que se comunicam em dialeto vêneto, considerado um fóssil linguístico.

Jovanovic ressalva que a camada italiana se sobrepôs à realidade colonial pré-existente. Afinal, quando os primeiros imigrantes chegaram no fim do século passado, a região já era habitada por escravos. “Na área onde hoje se encontra a Igreja Matriz do Bairro Fundação funcionou por muito tempo a Fazenda dos Beneditinos, que produzia telhas, tijolos e outros artefatos cerâmicos por meio de trabalho escravo. A fazenda utilizava o Rio Tamanduateí como caminho fluvial de escoamento dos produtos” — explica.

A história mostra que a consciência social dos primeiros imigrantes foi posta em prática rapidamente. Apenas seis meses após a chegada em São Caetano, os colonos se revoltaram e armaram um alvoroço porque o governo colonial não estava cumprindo com o prometido em termos de suprimentos. Um episódio que tem a mesma natureza reivindicatória da primeira greve geral de São Paulo, promovida em 1917 por anarquistas italianos e outros imigrantes europeus.

Também ilustra o sentimento coletivista o fato de a primeira manifestação de autonomia ter desabrochado em 1928, apenas cinco décadas depois da chegada dos colonos. A ideia emancipacionista liderada pelo engenheiro Armando de Arruda Pereira naufragou com a reeleição do coronel Saladino Cardoso Franco para prefeito do Município de São Bernardo do Campo, ao qual São Caetano estava vinculada na condição de subdistrito.

Foi em outubro de 1948, 71 anos a partir da chegada dos primeiros imigrantes, que São Caetano ganhou o status de cidade. A Festa Italiana é bom indicativo da representatividade dos imigrantes no Município. Promovida anualmente nos antigos galpões da Matarazzo, no Bairro Fundação, tornou-se uma das maiores de São Paulo, com cerca de 300 mil visitantes por edição. Todos atraídos por dezenas de barracas típicas de regiões da Itália.

A Primeira Guerra Mundial contribuiu com uma camada diversificada de recheio imigratório. São Caetano recebeu fluxo de imigrantes sobretudo de países da Europa Centro-Oriental — casos de húngaros e alemães étnicos, ucranianos e, em menor número, suíços, franceses e búlgaros. A maior parte dos húngaros e alemães se instalou na região do Bairro Santa Paula, onde uma escola de alfabetização em língua alemã funcionou até 1938. A escola foi fechada por decreto do então presidente Getúlio Vargas, que pretendia isolar o Brasil de influências externas. Remanescências da imigração ucraniana podem ser observadas em duas igrejas ortodoxas, uma na Rua dos Ucranianos e outra na Rua Oriente. Além do Clube Ucraniano, no Bairro Fundação.

Os imigrantes espanhóis são responsáveis por outra camada espessa do bolo. Chegaram maciçamente na segunda metade da década de 30, por ocasião da Guerra Civil Espanhola, e se instalaram principalmente na região do Bairro Barcelona. A Segunda Guerra Mundial adicionou novas levas de imigrantes europeus, que poderiam ser distinguidos em dois perfis: os que foram perseguidos por colaborar com as ocupações nazifascistas e os que, mesmo não colaborando com as ocupações, foram perseguidos por não concordar com regimes políticos e econômicos que se sucederam ao término da guerra. “São Caetano também teve quantidade significativa de imigrantes portugueses, que vieram para trabalhar na inglesa São Paulo Railway, de chilenos foragidos da ditadura de Augusto Pinochet e também de japoneses, que mantêm três sociedades de convivência na cidade” — comenta Aleksandar Jovanovic.

A diferença mais marcante entre São Caetano e outras cidades do Grande ABC que também foram constituídas por forte imigração é que a cultura européia se reproduziu livremente ao longo dos anos, de geração para geração, sem interferência da mistura de migrantes brasileiros. É essa peculiaridade, inclusive, que explica a semelhança socioeconômica de São Caetano com Curitiba, entre outras cidades primeiro-mundistas do Brasil.

Se na época áurea da indústria automobilística do Grande ABC, São Bernardo, Santo André, Mauá e Diadema absorviam sem maiores problemas o excedente de contingente populacional, há alguns anos já não conseguem oferecer — por mais que se esforcem — ocupação aos milhares de metalúrgicos que foram perdendo emprego nas montadoras e autopeças obrigadas a incorporar novas tecnologias para sobreviver no mercado globalizado.

Se cidadãos privilegiados, nascidos em berço farto e com condições de frequentar escolas top de linha encontram dificuldades para trabalhar e se estabelecer na vida, o que dizer de quem cresceu em ambiente castigado pela seca e, fragilizado por não poder estudar e se alimentar adequadamente, partiu para cidade desconhecida em busca de emprego que lhe desse condições mínimas de sobrevivência digna, como pode ser condensada a história de vida de boa parte dos nordestinos brasileiros?

Afirmar que São Caetano desfruta de organização acima da média porque manteve origens europeias por ter sido poupada de excessivo fluxo migratório interno, longe de preconceito, significa enfocar as consequências negativas da falta de planejamento demográfico sem receio de receber o rótulo fácil de politicamente incorreto.



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