O que ninguém até agora explicou como raiz da transferência do Semasa para a Sabesp, consumada em agosto do ano passado, está na matéria que a revista LivreMercado publicou na edição de novembro de 1999 – portanto há 21 anos.
Tudo está relacionado ao Plano Real, um dos maiores feitos do Estado brasileiro para acabar com o processo inflacionário devorador de riqueza e industrializador de excluídos sociais.
Ler a reportagem que se segue é obrigação para quem não se conforma com superficialidades do jornalismo.
Esta é a centésima-quarta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País, uma multiplicação dos 19 anos da revista de papel LivreMercado e da revista digital CapitalSocial – desde 2001 na praça mundial.
Chegou a hora de
acertar as contas
DA REDAÇÃO - 05/03/1999
O repasse do represamento de tarifas de água e esgoto em Santo André provocou espécie de dilúvio no relacionamento entre o Semasa (Serviço Municipal de Água e Saneamento Ambiental), autarquia municipal responsável pelo sistema, e alguns setores da sociedade, tendo como espectador privilegiado a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), estatal paulista que abastece a região.
Ao que tudo indica, março terá novos desdobramentos desse embate que supera o aspecto meramente financeiro. Um olhar mais atento sobre os rescaldos do caso desloca a disputa para o campo político-partidário. O desgaste da imagem do Semasa, braço de obras da Prefeitura, atinge em cheio o prefeito Celso Daniel. Tanto que, para se proteger, ele se tem mantido publicamente distante do tiroteio.
O que está por trás do cavalar reajuste promovido pelo Semasa são as tormentosas relações entre a Sabesp e a autarquia de Santo André. Trata-se de vizinhos que apenas se suportam, mas, se puderem, atiram pedras um no outro.
Aumento cavalar
O relacionamento é mais tormentoso do que o da Sabesp com as demais autarquias e empresas de capital misto da região que cuidam de água e saneamento básico. O Semasa decidiu aumentar em média em 25% os valores da água que revende às residências, comércio e indústria porque sabe que já não tem escapatória na pendenga judicial que moveu contra a Sabesp, ainda durante a administração de Ajan Marques no mandato do prefeito Newton Brandão, contestando a cobrança do metro cúbico em R$ 0,39.
A origem da disputa judicial é o Plano Real, que acabou com a farra da inflação e das alquimias que gerava. O Semasa, segundo explica o superintendente Maurício Mindrisz, contava então com 45 dias para pagar as faturas da Sabesp. Tempo suficiente para lucrar com a desvalorização da moeda. A introdução da URV, embrião da nova moeda, o Real, provocou duplo choque de custo para o Semasa. O caminho foi a Justiça, para tentar deflacionar os valores cobrados.
Pretendia-se espécie de tablita do Plano Cruzado. Recentemente, em última instância judicial, o Semasa teve as pretensões liquidadas. A ação deve lhe custar por volta de R$ 50 milhões. Essa dinheirama é a diferença entre o valor fixado pela Sabesp e o efetivamente pago pelo Semasa. Equivale a perto de oito meses de receitas brutas da autarquia.
Custos feridos
O que o consumidor tem a ver com essa história? Tudo. Afinal, o Semasa viu-se duplamente ferido em custos, segundo explica Mindrisz. Primeiro, porque as contas para os consumidores quando da chegada do Plano Real não refletiam os custos.
Ganhava-se com a inflação o suficiente para afrouxar os indicadores de rentabilidade, ou, no caso do Semasa, de equilíbrio orçamentário. Constatou-se, com o tempo, que a autarquia foi pega no contrapé de tarifas defasadas, escondidas nos escombros inflacionários.
Só em 1997 o Semasa, agora sob o comando de Mindrisz, iniciou a recomposição de preços. Houve muita gritaria -- menos que agora, entretanto --, sobretudo do setor industrial, o mais atingido. O aumento, segundo Mindrisz, corrigia parte das distorções, a de defasagem de preço da administração anterior.
O novo aumento, anunciado em janeiro último, atinge mais as residências porque a Administração Municipal não quer sacrificar ainda mais as industriais com o Custo ABC. Além disso, historicamente as residências foram protegidas pelo populismo dos administradores públicos de plantão.
Anúncio metralhador
Em anúncio de primeira página de 7 de fevereiro último, o Semasa metralhou a Sabesp com a informação de que o valor cobrado em Santo André continua inferior àquele praticado pela estatal nos municípios da Região Metropolitana e na Capital.
Maurício Mindrisz, dias depois, especificava alguns desses municípios, dois dos quais do Grande ABC, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A diferença é de 100% no consumo mínimo de 10 metros cúbicos. A Sabesp cobra R$ 11,34, contra R$ 5,65 do Semasa.
O caso Semasa, empresa de administração moderna desde a gestão de Ajan Marques e detentora do Certificado ISO 9001, provavelmente é a abertura de um dique que fará explodir a política de preços da água. Já se foi o tempo em que os municípios podiam subsidiar valores. Cada vez mais as prefeituras expõem a ferida da escassez de recursos financeiros e o avanço de despesas. Como qualquer insumo, água passará a ser analisada como produto, queiram ou não os administradores públicos e os consumidores.
E a água da Grande São Paulo se torna cada vez mais complicada, porque mais da metade precisa ser trazida da região de Piracicaba. O Semasa, além de água e esgoto, também trata de saneamento ambiental. Contabiliza, inclusive, intervenções com reflexos econômicos, como a redução drástica de enchentes no Centro, Bom Pastor, Santa Terezinha e Vila Palmares, além de na Avenida dos Estados.
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